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O estouro da boiada

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Mensurar o índice de racionalidade no discurso político é tarefa para pesquisadores pacientes. No nosso caso, por falta de conhecimento – ausência de dados e pesquisas – mas, sobretudo, por falta de paciência, tendemos a achar que, a cada pleito, são mínimas as doses de adubo na lavoura da racionalidade, sob a capenga modelagem de um sistema educacional que mantém os bovinos no curral.

Não me levem a mal por tratar a incultura das massas como um gigantesco curral que aprisiona a maior parte do eleitorado. Valho-me, aqui, da imagem lapidada por Stuart Mill em Considerações sobre o Governo Representativo, quando retrata a composição social de sua época, infelizmente válida até hoje: há cidadãos ativos e cidadãos passivos, e os governantes preferem os segundos, porque podem transformá-los em um bando de ovelhas acostumadas a pastar o capim, uma ao lado da outra, e a não reclamar mesmo que, de vez em quando, o capim seja escasso. Haja capim.

Pois bem, a campanha deste ano, a se acirrar a partir de agosto, será puxada por milhões de eleitores que tendem a votar por forte impulso de seus corações, eis que o voto, mesmo ganhando ínfimas taxas de racionalidade, não chegou de todo à cabeça. Esses contingentes que ainda selecionam candidatos por causa de recompensas ou pelo estouro da boiada que sai dos currais – correndo atrás dos líderes – infelizmente terão o condão de definir aquele que vai se sentar na cadeira presidencial.

“O Maria vai com as outras” persiste em continuar marcando os passos do nosso eleitorado, em torno de 155 milhões de eleitores. Vale aqui ligeira pincelada de história para aliviar o conceito que pode entrar no dicionário do “politicamente incorreto”. Contam os livros  que a mãe de D. João VI, a rainha Maria I, que tinha insanidade mental, manifestada após a morte do filho, costumava passear às margens do rio Carioca, no então bairro de Águas Férreas. Tratada como louca, era levada por suas damas de companhia, originando a expressão popular: Maria vai com as outras. Que hoje designa pessoa influenciável, manobrada, sem ideias próprias.

Insistamos nas gotas de racionalidade que molharão a campanha. Grupamentos organizados estão com seus copos de caldo político transbordando, desejando, por conseguinte, sorver novos sabores, experimentar outras misturas, que não as preparadas por dois perfis posicionados nos extremos do arco ideológico. São núcleos inseridos principalmente nas classes médias, que costumam decidir seus rumos após intensa observação da paisagem. O fato positivo é que sua movimentação em semanas anteriores ao pleito ajuda a influenciar parcela das massas amorfas, funcionando, assim, como a pedra jogada no meio da lagoa. Pequenas ondas correm até as margens.

As decisões de grandes grupos eleitorais levam em conta, ainda, o fator surpresa, esse elemento que embute uma carga de novidade, expressão diferenciada e até maneira de se apresentar ao eleitorado. Esses indivíduos são empurrados por um vento a favor, aquela sensação de que constituem o remédio do momento, a vacina contra o vírus da velha política, o tônus revigorante da campanha. Meu pai, que fez política por décadas, costumava dizer: se o candidato estiver na direção do vento, não há força capaz de deter sua caminhada rumo à vitória. Quem será o candidato empurrado pelo vento?

Pergunta recorrente: como um país pode melhorar seus índices de racionalidade política? Ora, só mesmo uma revolução pela educação conseguirá alargar os horizontes de um amanhã próspero. Enquanto vivermos sob regime de bolsas, prêmios, recompensas, toma lá dá cá, grupismo, neocoronelismo, nossas raízes continuarão amarradas ao status quo. Rebanhos comendo capim sob a sombra do Estado, levadas de um lado para outro, tocadas pelo cajado de guias ambiciosos, jamais terão autonomia e independência. A única alternativa para sair dos currais é a semente de uma educação libertadora e vitalizante.

É mais que hora de sairmos da escravidão. Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego (Bernardo Soares), poetava: “Toda a alma digna de si própria/deseja viver a vida em extremo/contentar-se com o que lhe dão/é próprio dos escravos”. Essa citação do belo “Livro das Citações”, que ganhei do autor, o imortal José Paulo Cavalcanti Filho, é um retrato fiel do Brasil.

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