Alguns conservadores brasileiros compraram pelo preço de capa as manifestações em que Putin se apresenta como crítico do desmonte cultural, espiritual e moral do Ocidente. Essa convergência, porém, não faz de Putin um Dostoievski. Ele é um ex-agente de segurança soviético e russo que se vê como versão atualizada do “líder genial dos povos” (povos eslavos, bem entendido), investido da missão de reconstruir a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sem Soviete Supremo e com menos socialismo.
Por ter sido antes aquilo que foi, ele conhece o apoio que os neomarxistas da Escola de Frankfurt receberam da URSS para fazerem das ciências sociais os modernos mísseis e tanques da guerra cultural. É exatamente por saber quão letais são essas “armas” que ele não as quer na Rússia. Mas isso não o converte num aliado do Ocidente, ou dos conservadores e/ou liberais do lado de cá.
O negócio de Putin é poder e quanto mais decaído for o Ocidente, quanto mais esquerdistas os Estados Unidos se tornarem, quanto mais tolerantes e molengas se fizerem Reino Unido e França, quanto mais os alemães se confiarem a pessoas como Mutti Merkel, melhor para ele. Tomem isto por autoevidente.
Quando Putin defendeu nossos direitos sobre a Amazônia brasileira, ele estava a defender, também, os direitos deles sobre a floresta russa, duas vezes maior do que a área total da Amazônia em nove países da América do Sul. Alguns dos maiores inimigos da Amazônia brasileira estão aqui mesmo, fabricando e fornecendo munição para os ataques determinados por aqueles que a cobiçam.
As relações brasileiras com a Rússia e com Putin devem preservar nossos interesses comerciais. Isso é uma coisa. Outra é o que Putin está a fazer, empurrando as próprias fronteiras sobre a Europa à custa de uma nação independente. A Ucrânia, sentindo-se ameaçada, tendo observado o que aconteceu na Crimeia, lendo nos jornais do mundo inteiro que um dia seria invadida pela Rússia, buscou abrigo na OTAN. Esse foi o motivo simbólico da invasão, mas a causa real é outra: o projeto pessoal de Putin.
Ser conservador, querer segurança jurídica, ter princípios e afirmar valores, exigir punição para quem rouba um telefone celular, é incompatível com aceitar que uma potência militar tome para si, na mão grande e violenta, uma nação inteira.
“Ninguém é santo nesse jogo”, dizem alguns. Sim, e daí? Daí o povo Ucraniano, que lutou por democracia e liberdade no inverno de 2014, paga o pato?