LUDGERO DA FRANÇA RIBEIRO
COGNOMINADO PIQUITITO
*26-03-1898†24-02-1977
Ludgero da França Ribeiro, nome de batismo, pouca gente o conhece, pois era tratado pelo apelido de Piquitito, um homem de inteligência aguçada e evoluída. Era muito amigo de meu pai, Oflávio da Silveira Torres (Flavinho) que o tinha como mentor intelectual. Este, em parceria com Piquitito, financiava e executava as suas ideias e projetos, como o jornal falado “Folha de Urtiga” de cunho político. “O Jornal de Variedades” que versava sobre temas culturais, educativos, satíricos e de entretenimento levados ao ar pela PRVB – Programa Radiofônico a Voz de Brumado, anexo ao Cine Cairu.
Promoviam o “Testamento de Judas” e novelas nos programas radiofônicos da “PRVB a Voz de Brumado”, programas de calouros e peças de teatro, exibidas no palco do cine Cairu, tendo como locutor e apresentador José Maria Viana Machado, um dos pioneiros da comunicação social em Brumado.
Ludgero era um homem que propugnava pelo livre pensamento e pela liberdade de expressão. Como todo livre-pensador, foi incompreendido pelos que detinham o poder socioeconômico e político. Estes, geralmente, colocam-se acima do bem e do mal, não admitem críticas de seus atos e ações de caráter social e político. Preferem os bajuladores de plantão. Estes lhes massageiam o ego para tirar proveitos, se comportando como pessoas que não têm brilho próprio nem personalidade objetiva pela subalternidade da subserviência.
Ludgero da França Ribeiro nasceu em Salvador, em 26/03/1898, na Rua do Gravatá, freguesia e distrito da Paz de Santana, onde também foi batizado. Filho de Luiz da França Ribeiro e de Maria Amélia de Azevedo Ribeiro.
Foi criado, praticamente, por uma tia que muito o estimava, ficando assim separado dos irmãos, embora sua mãe fosse a que primeiro ocupava o âmago de seu coração.
Sua infância não foi de muitas liberdades, pois a tia, muito severa e exigente, não lhe permitia brincar com outras crianças para não atrapalhar os estudos. Deu-lhe uma educação rígida, cultural e religiosa que alicerçou a sua personalidade de inabalável caráter de honestidade, lealdade e respeito ao próximo como lema de sua vida.
Seu divertimento era construir brinquedos personalizados que a modernidade substituiu pelos programas de televisão e pelos eletrônicos. Estudou em colégio particular até 1911 (por opção da tia), embora o ensino público fosse de excelente qualidade, o que não acontece hoje em dia. Na época, prestou admissão ao Ginásio da Bahia e se destacou entre os melhores do seu curso.
Personalidade forte e irrequieta procurou sempre novas descobertas. Abandonou os estudos para realizar o seu maior sonho: ser maquinista marítimo. Para alcançar seu desiderato, ingressou nas oficinas da companhia inglesa Wilson Sons & Cia, onde, meses depois, devido a seu interesse e diligência, passou a perceber uma diária diferenciada dos demais operários.
Em 1914, exercendo a profissão de torneiro mecânico nas oficinas da Linha Circular em Salvador, devido à intensidade do desenrolar da guerra, rebela-se juntamente com outros companheiros, pela falta de material, iniciativa que lhe custou uma suspensão. Esse fato leva-o a procurar outros conhecimentos e envereda-se na área das artes gráficas.
Trabalhou como tipógrafo na Gazeta do Povo e, posteriormente, no Diário Oficial e no Jornal Moderno. Nessa época monta em sociedade com amigos uma oficina própria, editando o jornal A Flecha. Em seguida, desfaz-se da sociedade e ingressa no jornal O Imparcial, sob a direção do Doutor Omero Pires, assumindo a direção e a administração das oficinas.
Alçando voos mais altos, funda, com companheiros que se identificavam com o seu pensamento e ideologia, a União Gráfica da Bahia, sociedade esposada na doutrina marxista, com participação ativa nos movimentos sociais e sindicais. Participa da Federação dos Trabalhadores Baianos, com o propósito de estabelecer uma sociedade igualitária. Entusiasmado pela causa, defende o Cooperativismo contra o Coletivismo Estatal, uma meta do comunismo, incentivando a luta operária contra a escorcha patronal.
Acometido de uma infecção pulmonar, é aconselhado pelo médico a procurar outros ares, veio para o sertão, residir em Ituaçu, cidade onde já morava uma irmã, a professora Lutgardes Ribeiro Siqueira, esposa do promotor público Eduardo Eurico de Siqueira, atuante nessa comarca. Aí, em 1933, funda o primeiro semanário ‘Avante’, professor leigo, clubes esportivos, filarmônica, dirige grupos teatrais, reorganizou a Banda de Música de 1925, entre outras realizações foi nomeado Tesoureiro em 10/02/1935.
Piquitito torna-se amigo de Dr. Luiz Gouveia e seu grupo político. Por circunstância partidária, o rábula Francisco Avelino dos Anjos, conhecido por Chiquinho Avelino, passa a ser seu desafeto. Em função das agressões físicas e materiais sofrida, Piquitito muda-se para Brumado.
Texto copiado do livro Ituaçu – Bandeirantes e Sertanistas na Chapada Diamantina de Ordálvio Souza Guimarães que relatou: “Edita-se em Ituaçu, no ano de 1933, confeccionado numa tipografia artesanal, na casa de Piquitito, o jornal “AVANTE”, tendo como diretores Ludgero da França Ribeiro [Piquitito] e Anísio Ávila. Esse jornal, publicado aos domingos, foi depois empastelado à noite, por Aníbal, Libânio, Miguel de dona Malvina, Anísio, Zé Barreira e Oscar Aguiar – delegado de Polícia, por causa de um artigo político contra o prefeito Chiquinho Avelino. Pegado de surpresa, enquanto dormia, Piquitito fugiu, sumiu, passou pelo rio Mato Grosso e se escondeu no canavial, para se livrar da surra prometida, e mandou buscar roupas, fugiu para Brumado. […] Piquitito, inteligentíssimo, foi invulgar para a época, era o homem dos sete ofícios. Na sua Escolinha foi professor leigo [de muitas personalidades de Ituaçu]. Com Piquitito meu pai aprendera a redação e a montar as letras nos caixilhos de tipógrafos, tanto assim que o talhe de sua caligrafia e a maneira de se expressar em carta, se assemelhavam”.
Aos 42 anos de idade casa-se com Idalice Novaes Azevedo, na Igreja Matriz de Brumado, no dia 17/08/1940, natural de Caculé/BA, com 23 anos de idade, filha de Aniceto Joaquim Mafra Azevedo e de Jovina Novaes Azevedo, sendo testemunhas Amarílio da Silva Leite e Francisco Ramos da Silva. A cerimônia religiosa foi celebrada pelo padre Antônio da Silveira Fagundes. Filhos do casal: Lutgard 1952, Ludelice e Luís Ribeiro
Engaja-se no movimento político local, do qual participou como membro do PSD (o maior partido parlamentar no período 1945-1964), fica na suplência de vereador. Enquanto esteve nesse partido, fez oposição ao prefeito Armindo dos Santos Azevedo, udenista que por divergências com Guilherme Rizério Leite, migrou para o PR, seguindo a linha política do Deputado Federal Manoel Novaes.
Com o advento do regime revolucionário em 1964, os militares dissolveram os partidos, abrigados pela Constituição de 1946, através do ato institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965 e criou os partidos: ARENA e MDB do qual foi membro componente da Comissão fundadora do partido em Brumado realizado em 15/07/1966. Então, Dr. Oldack de Carvalho Neves, político de oposição (PMDB), cassado pela revolução através do AI-5, pelos seus discursos inflamados na Assembleia Estadual, em defesa da cidadania, aconselha Piquitito a filiar-se na ARENA. Nessa oportunidade, este empresta o seu incondicional apoio ao prefeito Juracy Pires Gomes e elege-se vereador para o período de 1967-1971.
Em uma atuação parlamentar de destaque, como líder do prefeito, dedicou-lhe fidelidade e propugnou pelo progresso e desenvolvimento do município. Fez projetos de leis e indicações, como a criação da Fundação Hospitalar de Brumado, cuja indicação de sua autoria, apresentava a necessidade da doação de um terreno pelo município. Essa indicação foi aprovada, por unanimidade, através de projeto de lei. Outro projeto de sua autoria foi a outorga da cidadania brumadense a Dr. Juracy Pires Gomes (prefeito).
Dinâmico, toma iniciativa para tirar a cidade da estagnação político-administrativa, por meio de um intenso e profícuo trabalho político, social e educativo. Foi vereador e presidente da Câmara Municipal, com isenção partidária, sendo um líder respeitado pela sua capacidade de articulador hábil nas negociações políticas.
Muito inteligente e espirituoso, se fez respeitada liderança. Apesar de leigo, era um exegeta das leis. Como legislador, foi redator dos projetos de leis do município e da Lei Orgânica Municipal. Nas vacâncias do cargo pela ausência do Prefeito Juracy Pires Gomes, assumiu os destinos políticos e administrativos do município com lealdade, prudência e coerência.
Autodidata, exerceu o ofício de preceptor. Atuou com destaque nas áreas cultural e educacional. Teatrólogo escreveu as peças “Barnabé na cidade Grande”, “O ex-presidiário”, entre outras. Trabalhou como inspetor escolar, participou da criação do Sindicato Rural, trabalhou no INCRA e foi Juiz de Paz.
Vale ressaltar que Piquitito tinha muitas outras habilidades: trabalhou na Estrada de Ferro, no período da sua implantação no trecho de Licínio de Almeida, com acampamento no lugar denominado Saco da Onça, exercendo a função de encarregado. Tendo em vista o procedimento do pessoal recrutado, agiu com “mão de ferro” para impor a ordem e o respeito, porquanto trabalhavam nesse setor mais de mil homens de todas as origens e classe sociais. Foram de grande valia os conhecimentos de eletricidade, de tornearia mecânica e leitura de desenhos técnicos, adquiridos quando trabalhara na Cia. Inglesa.
Em Brumado, fundou uma escola particular no local hoje denominado bairro do Tanque, a qual era frequentada para alunos de todas as classes sociais. Ali se desenvolviam as atividades complementares de música, bordados e outras que ele dominava. Trabalhava com funilaria, produzindo calhas, placas com letreiros, faixas de propaganda, painéis etc. Confeccionava cenários para apresentações teatrais e dramas, retratando a parte antiga de Brumado. Fabricava sabão massa em barras que era vendido aos comerciantes interessados no produto.
Era um grande desportista e contribuiu para a criação da Liga Brumadense de Futebol. Foi eleito membro da Liga Desportiva Brumadense. Com espírito social comunitário, participou do movimento em defesa das causas operárias e sociopolíticas e partidárias locais. Foi um dos idealizadores da fundação da União Operária Brumadense, ajudou a construir a sede própria, uma oportunidade de lazer para os operários brumadenses que eram privados dessa modalidade, privilégio da elite que possuía o Clube Social para seus divertimentos. Na qualidade de fundador e presidente da União Operária, lutou junto à prefeitura para obter verba que beneficiasse a entidade.
Em Caraíbas, em parceria com D. Cassiana (Tia Maria, como era conhecida no lugar), demonstrou suas qualidades de agricultor, plantando hortaliças e cultivando roças com outros produtos agrícolas e desenvolveu criação de caprinos.
Trata-se, portanto, de uma figura admirável, de extraordinária inteligência inata e de muitas habilidades. Simples, criativo e produtivo, teve participação ativa de destaque e importância para as comunidades em que viveu e mourejou.
Talvez não tenha tido o reconhecimento devido do seu trabalho socioeducativo, de versatilidade multifacetada, do conhecimento e do saber multidisciplinar. Essas qualidades de Piquitito enobrecem e dignificam os seus familiares e amigos que tiveram a honra e a oportunidade de desfrutar a sua sincera e leal amizade, que hoje em dia, está escassa pelo estoicismo egoísta das amizades interesseiras.
Diante dos fatos expostos, Piquitito mereceu a reverência do vereador Paulo Afonso Valverde Chaves, que lhe outorgou o título de cidadão brumadense, por méritos de um trabalho profícuo em favor da cidade de Brumado, conforme Projeto 03/72. A Câmara Municipal de Brumado, por justiça, colocou seu nome em um logradouro da cidade, situado no Bairro do Hospital.
Ludgero da França Ribeiro, Piquitito, faleceu em 24/02/1977 e está enterrado no cemitério municipal.
Os dados, objeto deste trabalho, foram fornecidos pelas filhas Ludelice Ribeiro Costa, Lutgardes Ribeiro Soares Meira e o filho Luiz Ribeiro, aos quais agradecemos a colaboração.