Por André Naves*
Eu sou muito fã das crônicas da Becky Korich, sou tiete declarado e sem vergonha mesmo. É uma das melhores cronistas dessa safra. Eu sempre corro para abrir os links e me deliciar com a leitura. A última dela falava que “Quando a Vai-Vai for para a avenida, eu vou-vou para o meu canto”. Ela soube pintar muito bem o meu sentimento: eu adoro a anarquia criativa carnavalesca com toda a pulsão criativa que nasce do caos festivo, mas prefiro ficar em ambientes mais calmos, mas igualmente artísticos. É bom para a minha criatividade, para as minhas emoções.
Entender as próprias limitações é importante para a minha sanidade mental, e essa lição tão bacana parece que a Becky descreveu. Foi tão legal que deu até aquela invejinha boa: era o que eu sempre quis escrever, mas me faltavam palavras, sonhos e criatividade! Vou resumir toda essa ensaboada que dei: adoro o Carnaval, mas prefiro sempre acompanhar os bloquinhos e desfiles de lugares mais sossegados. Parece um adubo que enche meu sorriso de esperança e me prepara para a grande safra literária do resto do ano.
Talvez seja esse o significado de “o ano só começa depois do carnaval!”. O Brasil tem o ano-novo civil, mas também tem o cultural: o carnaval é o marco desse fim/início tão nosso… A partir da quarta de cinzas, um novo ano, novinho em folha, se abre pra gente! Possibilidades, sonhos, vida que segue até o próximo!
Entre uma folia e outra, corremos para a Sala São Paulo. Fomos assistir a um espetáculo de dança com a Cia. Déborah Colker, coberta com a melhor musicalidade da OSESP. Déborah passou os últimos anos viajando o Brasil todo e descobrindo sons, cores, instrumentos e experiências! Fez uma “misturança” com a música russa modernista de Stravinsky e projetou o espetáculo.
No vinho que veio depois, encontrei um casal de amigos, e a gente, ainda impactado, nem teve tantas palavras sobre isso. Acho que a emoção fala além das palavras da razão. A reflexão é a base sólida sobre a qual se constroem novas ideias.
Saindo de lá continuamos nossa jornada onírica, onde os sonhos e a criatividade se misturam. Fomos para a pizzaria mais lírica de São Paulo – é lá que os sabores são os versos poéticos das construções pizzaiolas! Pizza antropofágica que se faz a partir da nossa realidade. É como a melhor Arte: ela cresce a partir da Brasilidade. O mais legal de lá é que é uma experiência coletiva.
A pizzaria toda acaba conversando junta… O Giovanni chegou de algum bloquinho, explicando as vantagens sociais da filantropia. Arte é coletividade humana: As melhores criações nascem daí! A Alice, preferindo ouvir, parecia saber que o silêncio é a moldura poética da genialidade. Rubem Braga deve a ter conhecido quando falava da “escutatória”… Nessas conversas passamos, ainda mais, a mergulhar no mundo do Oscar. “Ainda Estou Aqui”. Que filme! Que livro! E, papo vai, papo vem, voltamos para nossas raízes.
No dia seguinte, fomos jantar com outro casal de queridíssimos amigos, a Vera e o Piva. Política, Segurança e Artes dominaram a flora de nosso diálogo. Claro que desembocamos no Oscar. No fim, as Artes são o melhor ferramental espiritual para que se crie Pertencimento, Sensibilidade e Compreensão! Ela permite que a gente entenda as delícias e as contradições da nossa existência. Sempre que a nossa gente brasileira se destaca, ela bebe das fontes artístico-culturais que são nascidas no povo. É como se fôssemos sensíveis artistas, e isso é o nosso maior trunfo criativo.
“Ainda Estou Aqui” representa isso muito bem: apesar das dores da tragédia que Eunice e os Paiva enfrentaram, eles continuaram caminhando, buscando na sensibilidade coletiva e popular o combustível para continuar. É aí que a brasilidade, que floresce desde a defesa de nossos povos originários, se funde à Humanidade. Acho que o Oscar de “Ainda Estou Aqui” é mais um verso nessa poesia do povo. Tão tristonha, mas tão bonita.
Minha única relação com o filme é que sou brasileiro e não desisto nunca: eu também ainda estou aqui! A primeira pessoa que me parabenizou pelo Oscar foi uma grande amiga chilena, a Coty. E como eu falei para ela: a Brasilidade só existe por conta da Latinidade – esse prêmio é de todos nós! É da América Latina! É do Extremo-Ocidente! É do Sul Global! É da Humanidade!
A arte só se produz na coletividade popular!
* André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).