Ela não era de frequentar a casa dos outros.
Sempre foi quando era convidada ou quando a pessoa adoecia.
Nunca você chegaria a sua casa e não a encontraria por estar na vizinhança.
Quando ia, se ia, era para fazer alguma coisa muito específica.
Ia e voltava rapidinho.
Tanto que, passado um ano morando na “casa nova”, não sabia o nome da sua vizinha que dividia a parede da sala com a dela.
Encontrou-se com a moça por duas vezes na porta do elevador.
Duas vezes em um ano!
Por quê?
Ué, as rotinas delas eram completamente diferentes, por isso, não se viam nunca.
O que Ela sabia da moça que usava um lado da sua parede da sala na parede da sala dela?
Nada.
Assim, praticamente nada.
Sabia que a moça era casada com um cara bem cheiroso, por sinal, era mãe de uma menininha e um menino e só.
Ela sabia do perfume do moço por conta do elevador, aquele espaço minúsculo onde as pessoas se sentem mesmo sem querer.
Isso era tudo que Ela sabia da sua vizinha.
Sabia também que ela fazia crossfit na academia da esquina.
O marido da moça, em uma dessas viagens no meio de transporte vertical, contara a Ela.
Pois bem, esse era todo o relacionamento que tinham.
“Você já pegou tudo?”
– Tudo aqui.
“Então chama o elevador.”
-Tá.
Quando acabam de carregar o carro, entraram, colocaram o cinto e Ele colocou o possante para funcionar.
“E o lanche?”
– Deixei em cima da pia e falei para você pegar. Se a gente deixar, além de passar fome no caminho, quando voltarmos vai ter estragado.
Ele tirou o cinto e abriu a porta:
“Vou lá.”
– Já que você vai mesmo, pega minha bolsinha de maquiagem que está em cima da pia do banheiro.
“Você vive se aproveitando de mim.”
Bateu a porta e saiu rindo.
Abriu a porta, foi ao banheiro, pegou a bolsinha, passou pela cozinha, pegou o lanche e a garrafa de suco.
Na hora de fechar a porta, colocou a bolsinha no chão.
O elevador chegou, Ele entrou e foi embora.
– Aqui seu lanche, gordinha.
“Nossa, tô louca por essa pipoca.”
E lá foram os dois, felizes, contentes, radiantes e sorridentes.
Lá pelas tantas, no terceiro dia de viagem…
“Onde está minha bolsinha de maquiagem?”
– Agora pronto, tenho que saber até das suas maquiagens.
“Ué, você voltou pra buscar o lanche e eu pedi para pegar minha bolsinha de maquiagem.”
Ele com a cara mais blasée do mundo:
– Peguei não!
Ela nem deu tanta importância assim, afinal, já estavam quase voltando para casa e só agora sentira falta, então, porque não era importante de fato.
Os dias de folga acabaram e eles voltaram.
Ela subiu na frente entrou e começou a ajeitar as coisas.
Pouco depois, Ele chega com a bolsinha de maquiagem na mão.
– Olha o que o porteiro me entregou.
“Como assim?”
– Eu deixei na nossa porta e a vizinha entregou lá.
“Misericórdia! Tenho que agradecer a essa mulher!”
Na hora, sem nem olhar o que estava ou faltava em sua bolsinha de maquiagem, Ela tocou a campainha da vizinha.
A moça atendeu prontamente e, quando abriu a porta, Ela sentiu o mais gostoso dos perfumes vindo de dentro de uma casa.
Não era cheiro de casa limpa.
Era mais.
Era diferente.
O perfume que vinha lá de dentro era tão suave, tão gostoso que a vontade que deu foi de entrar e sentar.
Agradeceu, comentou da lerdeza do marido, elas sorriram, se despediram e a porta foi fechada.
Ela voltou completamente impressionada:
“Amor, nunca vi uma casa tão cheirosa em toda a minha vida.”
E passou a procurar tudo que foi jeito de deixar a casa deles perfumada também.
O tempo passou e as duas tornaram-se amigas.
Um dia, enquanto comiam um bolo de chocolate, a moça dispara essa:
@Lembra aquele dia que você me chamou para falar do escorpião que tinha aparecido no seu banheiro?
“Lembro.”
@Dá sua casa vinha um perfume tão gostoso, sua casa cheirava tanto que chega fiquei constrangida.
“Por quê?”
@Nunca tinha conhecido uma casa tão perfumada. Daquele dia em diante, passei a procurar alguma coisa para deixar a minha cheirosa também. Será que consegui?
Ela sorriu, concordou e ficou quieta.
Afinal, fazer-se admirar é mais bacana que ficar admirado!