Quando o Papa Francisco emite alguma opinião política, a esquerda vive um comovente surto de arrebatamento espiritual. Aquilo que é mera e imprudente adesão do Pontífice a uma narrativa se transforma em objeto de culto, é envolto em incenso e exibido como relíquia canônica. Mas isso só vale se o Papa for Francisco. Não se aplica a qualquer outra opinião política, seja de Bento XVI, João Paulo II, Paulo VI, João XXIII, Pio XII e assim, regressivamente, até São Pedro.
Nunca imaginei que um dia veria esquerdistas invocando a infalibilidade papal! “Como pode um católico questionar as afirmações do Papa se ele é infalível?”, muitos escreveram comentando um vídeo que gravei sobre a entrevista em que Francisco se manifestou sobre assuntos institucionais brasileiros.
Opa! Não corram com esse andor! A infalibilidade papal não se aplica a meras opiniões de quem calça as “sandálias do Pescador”, para usar a expressão de Morris West. É óbvio que não. O dogma da infalibilidade é uma dedução teológica com origem no próprio ato de instituição da Igreja por Jesus Cristo após pedir a tripla confirmação de Pedro. Graças ao que ali aconteceu, a Igreja Católica, exceção feita ao sempre lamentável Cisma do Oriente, se manteve hígida e como tal chegou até nós.
O dogma da infalibilidade foi proclamado em 1870 por Pio IX através da constituição dogmática Pastor Aeternus. O documento estabelece como dogma que, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, ao definir uma doutrina de fé ou de moral, o Romano Pontífice conta com a assistência divina prometida a seu antecessor Pedro e esta lhe assegura a infalibilidade desejada por Jesus à sua Igreja.
Para que estes requisitos se verifiquem, a proclamação de um dogma – repito: sempre sobre doutrina de fé, ou de moral – é preciso que o Papa o faça na precisa e anunciada condição “ex-cathedra”, vale dizer, desde a cadeira de Pedro. Fora isso, ele tem a falibilidade inerente à condição humana.
Resta claro, portanto, que a opinião do Papa sobre a política brasileira é mera opinião pessoal, notoriamente de esquerda, transparente nas suas manifestações. Em virtude das repercussões, muitas passam longe das funções da “cathedra” e, obviamente, abastecem o arsenal das narrativas mundo afora.
Na longa tradição que acompanhei de perto, como leigo católico estudioso dos documentos oficiais emitidos pelos pontífices de meu tempo, eu os reverenciei e admirei pela prudência e contenção de suas manifestações públicas.
Eu seria o último a negar, a quem quer que seja os diretos de opinião, palpite e achismo. Mas se quem opina, palpita ou acha é meu líder religioso e diz um disparate, alimentando a tensão política local, eu me permito opinar, palpitar ou achar que perdeu uma oportunidade de ficar calado.