Por Lucimar Almeida
No dia 11 de agosto é comemorado, no Brasil, o Dia do Advogado. A data foi escolhida para, anualmente, lembrar da importância dos profissionais que são imbuídos do dever de representar os legítimos interesses das pessoas físicas ou jurídicas, em juízo ou fora dele, quer seja entre si ou ante ao Estado. A data diz respeito ao dia em que foram instituídas, em 1827, as duas primeiras faculdades de Direito do Brasil: a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo; e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco; de forma que a data de 11 de agosto é, antes de tudo, o marco do início do ensino jurídico no país.
A data comemorativa é tida também como um momento de reflexão sobre a realidade do Direito e do Judiciário como um todo. Pensando nisso, na última semana, o JS entrevistou, com exclusividade, o advogado Rone Clei Amaral. O baiano de Riacho de Santana, que atua como advogado e consultor jurídico na região Sudoeste, como sócio do escritório Amaral & Santos – Advocacia e Consultoria, realizando, também, participações como palestrante em eventos sobre temas jurídicos e de conjuntura, falou acerca dos currículos dos cursos de Direito da região, os atuais desafios da profissão levando-se em conta essa realidade regional e a possibilidade da retirada da obrigatoriedade de inscrição profissional em órgãos de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Além disso, o profissional discorreu sobre o que chama de sucateamento do Judiciário baiano, que, segundo afirmou, “está em colapso” e é “o grande problema atualmente para o exercício da advocacia na nossa região”. Confira os principais trechos da entrevista:
JORNAL DO SUDOESTE: Sabemos que atualmente existem muitos cursos de Direito, inclusive em cidades da nossa região, que são procurados por muitos jovens e até pessoas mais maduras. O que o senhor diria para uma pessoa interessada em iniciar ou que esteja iniciando o curso de Direito? Quais conselhos e dicas?
RONE CLEI AMARAL – De fato existem muitos cursos de Direito em funcionamento no país, a ponto de existir quem afirme que o Brasil tem mais faculdades de Direito que todos os demais países somados. O certo é que nos últimos anos assistimos a interiorização dos cursos jurídicos e essa realidade não é, de cara, algo ruim, tudo vai depender de como os órgãos governamentais e a entidade de classe, no caso a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], acompanham o desenvolvimento desses cursos. Aqui, próximos da gente, já temos cursos conhecidos em Brumado, Guanambi e, este ano, salvo engano, teremos abertura do curso em Bom Jesus da Lapa. Como se vê é uma realidade nova e se eu pudesse dar uma única dica a quem se interessa pelo curso ou que já esteja cursando seria a de se dedicar muito à leitura, pois diferentemente de muitas profissões nas quais a prática é essencial para o aprendizado, no mundo jurídico o aprendizado de verdade vem do estudo, que, no nosso caso, é basicamente ler o máximo que você conseguir. A prática é importantíssima, mas num primeiro momento o que vai moldar o profissional do Direito é a leitura incansável. Então, eu diria, como conselho, que se a pessoa não é muito “curtidora” da leitura, pense duas vezes antes e se matricular. Outra coisa que ajuda muito na condução do curso é participar de eventos jurídicos, grupos de pesquisa e extensão dentro das Faculdades, esses momentos ajudam a inserir o estudante nas discussões atuais do mundo jurídico, que está sempre em mudança. Por fim, diria que nos anos finais do curso, caso a pessoa já tenha uma direção do que irá fazer: se vai advogar ou se vai se dedicar aos concursos, por exemplo, é crucial que comece a direcionar sua ação no sentido da escolha feita – os que quiserem advogar precisam procurar um estágio com bons profissionais e os que querem concurso devem começar a se dedicar ao estudo voltado para essa finalidade, que é uma forma muito diferente do estudo feito na faculdade.
JS: E para um advogado recém chegado no mercado, o que diria? Sobretudo, levando-se em consideração a realidade profissional da nossa região?
RONE CLEI AMARAL – Esse é um ponto importante. Por muitos anos a gente ouviu que o mercado jurídico estava saturado, mesmo com uma sociedade cada vez mais complexa e propensa a conflitos de várias naturezas. Para um advogado que acabou de receber seu número de inscrição na Ordem (OAB – Ordem dos Advogados do Brasil) o essencial é que as pessoas do local onde ele pretende se apresentar como profissional tenham conhecimento dessa nova realidade, ou seja: de que ele é advogado e está advogando. Parece algo banal, mas é essencial para os advogados iniciantes, pois diferentemente de outras profissões onde são permitidas publicidades, abordagens mais comerciais, a advocacia é recheada de restrições vindas do nosso Código de Ética, que acabam por limitar o advogado no oferecimento dos seus serviços. Então, o advogado que está chegando no mercado precisa mostrar que “chegou para ficar”. Que tem qualificação para tomar conta de um problema da vida de determinada pessoa, porque no final das contas, somos isso: profissionais que cuidam de problemas, situações surgidas na vida dos indivíduos ou de seus negócios. Para nossa região, formada sobretudo por cidades pequenas, o advogado precisa estar disposto e buscar entender de ramos diversificados do Direito, desde questões familiares às questões criminais, de forma que a realidade local demanda essa dedicação dos advogados e advogadas que resolvem militar de modo efetivo, serem de fato operários do Direito. E para fechar é preciso um pouco de paciência também. Diante da situação de sucateamento do Judiciário baiano é preciso ter paciência e coragem para lidar com a demora da Justiça, além de uma boa dose de altivez para peitar essa realidade quando necessário, o advogado não pode ter uma conduta passiva diante das situações, mas sempre de forma educada e civilizada: ser duro, quando preciso, mas sem perder a ternura, como diriam os guerrilheiros.
JS: Qual a opinião do senhor sobre a grade curricular dos cursos de Direito aqui da região? O que o senhor acha que precisa ser modificado para preparar melhor esses advogados para o mercado?
RONE CLEI AMARAL – Veja bem, os cursos acadêmicos no geral atendem a uma normatização muito definida do Ministério da Educação, de modo que a grade curricular não pode ser muito regionalizada, as matérias e cargas horárias exigidas são bem padronizadas em todo o país, com disciplinas obrigatórias a serem ministradas, mas cada Instituição pode, sim, acrescentar disciplinas ou até mesmo estágios obrigatórios nos seus cursos. Até onde tenho conhecimento de alguns dos cursos daqui de nossa região, as disciplinas oferecidas estão em sintonia com o que deve ser feito mesmo, mas acho que é preciso um enfoque, seja por meio de oferecimento de disciplinas opcionais ou estágios, de temáticas que nos são mais presentes. Nesse sentido, acredito que o Direito Agrário mereceria uma dedicação maior dos nossos profissionais, porque temos uma vocação econômica historicamente ligada à Agropecuária, veja o oeste do nosso estado, cada vez mais forte no Agronegócio. Outro ramo importante que caberia, inclusive, investir em linhas de pesquisa e extensão seria o Direito Urbanístico: existe uma legislação muito complexa hoje sobre organização urbana das cidades, por meio dos planos diretores, mas nossas pequenas cidades acabam por não implantar políticas públicas urbanísticas ou utilizar de instrumentos legais que ajudam no ordenamento urbano, como o IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] progressivo, por falta de quadros com domínio sobre a temática. Por último, lembraria da legislação relacionada ao associativismo, que é uma realidade dos nossos municípios, que contam com um número muito grande de associações, que se bem orientadas, e com suas vidas burocráticas em dia, podem acessar muitas políticas públicas e parcerias com governos e entidades privadas, então um estudo direcionado da legislação aplicável à pauta do associativismo seria, ao meu ver, um acréscimo nos cursos de Direito mais próximos dessa nossa realidade.
JS: O que o senhor poderia destacar de aprendizado durante sua atuação profissional como advogado aqui na região, que não foi ensinado na faculdade?
RONE CLEI AMARAL – Posso ser muito sincero? Não seria capaz de destacar somente uma ou outra situação de aprendizado. Eu diria que toda, simplesmente toda atuação profissional acumulada nesses anos de profissão, foi de grande aprendizado. Por que digo isso? Porque na Faculdade, se você for dedicado, vai aprender a lógica jurídica, aprender conceitos e informações da legislação, mas advogar só se aprende advogando, vivenciando o Direito na prática. Mas se eu tivesse que citar uma certeza adquirida na atuação profissional seria a de que o verbo mais importante na nossa lida é ouvir. Temos uma população que chega para a gente com uma necessidade muito grande de ser ouvida, entendida. Não é necessidade de falar, mas de se sentir ouvida, de interagir com o profissional.
JS: Recentemente, nos deparamos com uma polêmica envolvendo uma proposta do Ministério da Economia que, aparentemente, pretende retirar a obrigatoriedade de inscrição profissional em órgãos de classe. Como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reage a isso? O que o senhor acha da atuação da OAB para os advogados e também para a sociedade em geral?
RONE CLEI AMARAL – Sim, existe uma proposta de Emenda Constitucional que está em trâmite e será analisada pelo Congresso. A Emenda altera a Constituição para inserir a determinação de que não haverá obrigatoriedade de inscrição em conselhos profissionais. Dessa forma, caso seja aprovada pelo Congresso, a alteração atingirá todos os conselhos, me parece que apenas os relacionados aos profissionais da Saúde podem não ser atingidos, mas a OAB seria. Até onde se soube, de acordo com o que tem sido divulgado na imprensa, a OAB tem defendido junto ao governo e ao legislativo a impropriedade da proposta e teria assegurado que a ela, a Ordem, ficará de fora dessa alteração, mantendo-se a obrigatoriedade de inscrição para aqueles que pretendem advogar. Quanto à atuação da OAB, existem, no âmbito da classe, queixas recorrentes, muitos colegas dizem que a Ordem fica muito alheia às necessidades da classe, sobretudo dos jovens advogados e da advocacia interiorana. Dentro dessas queixas, existem de fato muitas questões que precisam ser debatidas pela entidade na busca por melhorias, mas eu acho que, no geral, a Ordem dispõe de uma estrutura muito boa e de mecanismos capazes de socorrer os advogados nas labutas da vida profissional, mas tudo isso depende da busca do advogado, que precisa se informar sobre a entidade. Em relação à sociedade civil, a OAB tem como grande papel fiscalizar a atuação dos advogados e advogadas, prezando pela conduta ética e proba de seus inscritos. Além disso, a OAB pode prestar um auxílio diferenciado, tendo em conta a possibilidade de articulação junto às instâncias governamentais ou do Judiciário no sentido de debater questões de interesse da sociedade, como tem ocorrido recentemente com o fechamento das Comarcas pelo Tribunal de Justiça.
JS: Qual a importância do Exame da Ordem? Qual a sua opinião sobre a discussão acerca da obrigatoriedade ou não do Exame?
RONE CLEI AMARAL – O exame é de suma importância, sobretudo para a sociedade, que irá utilizar os serviços oferecidos pelos profissionais inscritos nos quadros da Ordem. Mas é preciso dizer que muitas pessoas com boa qualificação não conseguem a aprovação em razão de questões outras, como as instabilidades emocionais, por exemplo. Na verdade, o exame é um primeiro e importante filtro, ficando a cargo da prática a definição daqueles que, de fato, apresentam vocação para a advocacia. Acredito que o Exame é um importante instrumento e deveria ser utilizado cada vez mais em outras profissões também. Atualmente, para conseguir a inscrição na Ordem, o bacharel em Direito precisa ser aprovado no Exame, não vejo com bons olhos a ideia de retirar a obrigatoriedade. Se mesmo com esse filtro inicial já vemos tantas barbaridades, imagine sem ele.
JS: E quais dicas daria para alguém que está estudando para se submeter ao Exame da OAB?
RONE CLEI AMARAL – Em primeiro lugar é importante saber escolher a área para a segunda fase, que é aberta, de maneira que a escolha precisa levar em conta a proximidade e afinidade que o estudante tem com a disciplina. Durante algum tempo diziam que fazer a segunda fase em Direito Administrativo ou Direito do Trabalho era garantia de êxito por serem disciplinas com segunda fase mais fácil, mas isso vai variar muito da aptidão de cada um, existem estudantes que sabem tudo de Penal e Processo Penal e apenas o básico de Direito do Trabalho. Então, escolha para a segunda fase uma matéria que você tem afinidade para se dedicar ao estudo. Depois, acho importante fazer um curso preparatório nessa área, ajuda a direcionar e organizar seu estudo, às vezes é tudo uma questão de organização, pois não adianta ter muito tempo disponível para estudo, se você faz tudo de forma desorganizada, sem foco.
JS: Olhando para nossa realidade, como o senhor analisa as condições de atuação do profissional do Direito na nossa região? Quais são os campos de trabalho?
RONE CLEI AMARAL – Embora muitos acreditem que existe uma saturação do mercado, os bons profissionais, que assumem a advocacia de corpo e alma, vestindo a camisa da profissão, terão sempre espaço. Como disse antes, vivemos numa sociedade cada dia mais complexa e com conflitos, que exigem, na maioria das vezes, a execução de serviços judiciários. O grande problema atualmente para o exercício da advocacia na nossa região é a precariedade do Judiciário baiano. Mas cruzar os braços não ajudará em nada, é preciso saber conviver com essa situação adversa e, na medida do possível, buscar respostas para aqueles indivíduos que depositam no seu trabalho a esperança de solução dos seus problemas. Então, sobre os campos de atuação, eu diria que a gama é variada, mas, obviamente, as ações relacionadas aos conflitos e questões familiares ainda são dominantes, sobretudo diante de um mundo com relações humanas cada vez mais efêmeras e frágeis. Mas existe muito que fazer pelas questões trabalhistas aqui na região, também pela profissionalização das atividades empresariais, que acabam sendo muito informais. Há também cada vez mais demanda por atuação na área criminal, que revela, infelizmente, uma disfunção social. O crime, seja de que natureza for, é sempre um mal para toda sociedade, revelando que há algo de errado, disfuncional naquela sociedade, mas tem sido uma área cada vez mais recorrente, de modo que a criminalidade não está mais restringida aos grandes e médios centros, é uma lástima. Então, as áreas tradicionais, como Direito das famílias, continuam sendo muito presentes, mas vejo, como disse antes, um campo a ser explorado, seja na questão do Direito Agrário ou até mesmo do Urbanístico.
JS: Existem muitas críticas direcionadas às condições do Judiciário baiano. Como o senhor enxerga o Judiciário aqui da nossa região?
RONE CLEI AMARAL – É verdade, e, infelizmente, as críticas são pertinentes. No geral, essa região Oeste do estado, começando aqui por nós, do Sudoeste, chegando até o Extremo Oeste, sempre foi, historicamente, vista pelos poderes instituídos num segundo plano. Com o Judiciário não seria diferente, e vivemos, já há algum tempo, uma situação muito complicada, com falta de juízes titulares, deficiência no quadro de servidores, a ponto de Comarcas passarem anos sem um juiz titular ou um substituto com possibilidades de dar os encaminhamentos necessários, de maneira que a quantidade de processos parados é preocupante e significativa. Temos na Bahia um segundo grau razoavelmente célere, pois o Tribunal de Justiça costuma ser diligente no julgamento dos recursos, mas, em contrapartida, temos um primeiro grau que na imensa maioria de suas Comarcas vive em estado de letargia, praticamente terminal, acumulando demandas sem perspectiva de melhora: a máquina não funciona e o cidadão é o grande prejudicado. Na semana passada, depois de uma “novela” que vem se arrastando desde 2017, o Tribunal decidiu pela desativação de algumas Comarcas, tendo como justificativa a dificuldade financeira de manutenção delas. É uma situação muito delicada, mas precisamos ser bem objetivos e realistas: manter uma Comarca sem servidores e magistrado oficiante, gerando apenas gastos com a estrutura sem o andamento saudável nas demandas protocoladas não serve à sociedade. Porém, desativar Comarcas e encaminhar processos para outras Comarcas igualmente desestruturadas é, como se fala no popular, trocar seis por meia dúzia. O Judiciário baiano está em colapso, precisamos falar sobre isso. Não é normal que um divórcio consensual, que é aquele em que existe acordo por parte do casal, demore anos e anos para ser finalizado, não é normal que uma ação de pensão alimentícia demore meses a fio para ter seu primeiro despacho proferido. Isso pode ser qualquer coisa, só não é Justiça. Dentre as desativadas na semana passada, estão as Comarcas de Igaporã e Tanhaçu, as populações dessas cidades terão maior dificuldade de acessar o Sistema Judiciário. Em contrapartida, o Tribunal poderia assegurar que os processos terão uma atenção mínima, serão mais céleres. São questões que iremos averiguar nessa nova realidade.
JS: E como o senhor lida com as dificuldades desse Sistema Judiciário?
RONE CLEI AMARAL – Com uma dose cavalar de paciência. Também com muita coragem para se dedicar a essa profissão que exige tanto daqueles que se dedicam a exercer com seriedade a advocacia. Não é fácil, não tem sido fácil, porque as pessoas esperam e precisam de respostas e chega um momento do processo que o andamento não depende mais do advogado, depende do sistema, da máquina da Justiça, que ou não anda ou então anda muito lentamente e aí só resta aos advogados ficar correndo atrás de um andamento, um despacho, algo que movimente o processo, pois são vidas entrelaçadas naquela situação, pessoas que precisam de uma posição para seguir seus caminhos. Para driblar toda essa situação, os advogados tendem cada vez mais a trabalhar, quando o caso permite e é possível, pela conciliação, o acordo entre as partes, evitando que a questão fique num litígio que levara muito tempo para ter uma definição do Judiciário. Por fim, é preciso, como já disse, de altivez, de garra e gana, para peitar essa realidade quando necessário, pois o advogado não pode ter uma conduta passiva, de expectador em meio às ocorrências, é preciso enfrentar essa realidade complexa, porém de forma educada e civilizada sempre.
JS: Em tempos de redes sociais e de comunicação cada vez mais intensa, qual a função do advogado na formação da opinião pública? Qual o valor da imprensa no ramo do Direito?
RONE CLEI AMARAL – Antigamente se dizia que de médico e louco todo mundo tinha um pouco, hoje todo mundo também é um pouco advogado, economista, jornalista, crítico de arte e por aí vai. É um incômodo, pelo menos eu acho, essa maluquice atual de que todo mundo precisa demonstrar ter opinião a respeito de tudo e de todos. Não, minha gente, nós não precisamos ter opinião sobre tudo. A não ser que você entenda sobre determinado assunto ou fato, você não precisa sair opinando sobre tudo que acontece. Vira uma superficialidade enorme. Veja que até mesmo dentro de cada área existem campos diversos: um advogado, por mais dedicado que ele seja, não terá condições de opinar e sair dando lições de todas as áreas da ciência jurídica. Então, vejo que o advogado tem uma função de ser facilitador, debatedor de temas que ele domina, mesmo sabendo que ele será contestado, por exemplo, por um jovem que ainda está no Ensino Médio, mas viu um “meme” na internet sobre determinado assunto e já se acha na autoridade de dizer que não, que não é assim. Percebe? São tempos estranhos esses. Mas, o profissional da advocacia precisa, sempre com muito respeito à ética e aos parâmetros da profissão, tentar informar a sociedade, clarear certos temas e debates e, sempre e acima de tudo, cumprir seu juramento de proteger e promover a nossa ordem constitucional e o estado democrático de Direito. Nesse sentido, a imprensa livre e independente tem um papel de grande importância, quando possibilita e instiga a discussão qualificada de determinados temas jurídicos, informando e esclarecendo controvérsias, por isso a liberdade de imprensa é um valor tão caro à democracia. Um debate qualificado, promovido pelos veículos de imprensa, quando dão espaço aos pontos de vista divergentes, possibilita que a sociedade saia do ambiente rasteiro e senso comum das redes sociais, eleva o debate, entende? Isso é o que eu acho de mais necessário atualmente: elevar a qualidade do debate das questões públicas nacionais.
JS: O senhor considera que aqueles profissionais que agem de forma questionável recebem as devidas punições?
RONE CLEI AMARAL – Olha, a legislação que trata da nossa profissão tem muitas previsões de punições severas, que são previstas de forma gradativa, dando a oportunidade ao advogado que cometeu alguma irregularidade de se redimir e corrigir seu caminho. Porém, a entidade para promover essas punições precisa ser acionada, comunicada de que um de seus inscritos cometeu algum desvio ético em sua conduta profissional. De maneira que, quando acionados, os Conselhos de Ética costumam agir com isenção e aplicar as sanções previstas na legislação, mas tudo depende muito de que o cidadão leve ao conhecimento da entidade e acompanhe o desenrolar do caso.
JS: Quais qualidades e atitudes o senhor considera preponderantes para uma boa atuação profissional?
RONE CLEI AMARAL – Volta e meia quando me deparo com esse questionamento eu costumo fazer referência a uma fala que ouvi certa vez num evento da Ordem em São Paulo, quando um palestrante afirmou que advogar é, na verdade, mais uma questão de ser escolhido do que propriamente de escolher. Essa mensagem nunca saiu de minha mente e a vida só tem me confirmado ela. Acredito, de verdade, que existem certas características pessoais que são de suma importância para a profissão. Às vezes, é preciso ser mais duro, outras tantas mais maleável, mas, independentemente da situação, estar sempre em estado de serenidade. As dificuldades são muitas e há muito a fazer, por isso diria que a paciência também é uma virtude necessária. Eu diria, por último, que os profissionais da advocacia precisam de um agir que seja marcado pela capacidade de se colocar no lugar do outro, de seu cliente, e em muitos casos, até mesmo da parte adversa. É preciso exercitar a chamada empatia, permitir que ela sobreviva mesmo diante da aridez dos tempos modernos.
JS: Gostaria de acrescentar alguma coisa?
RONE CLEI AMARAL – Apenas desejar que todos nós, profissionais e cidadãos, tenhamos mais motivos para acreditar no sistema estatal de pacificação dos conflitos: o Judiciário. Muito obrigado.