A problemática da infância e adolescência em desvio de conduta jamais poderá ser superada se não houver sensibilidade da sociedade para se comprometer, de modo efetivo, com essa questão que, segundo avaliam diversos estudiosos do assunto, atingiu um nível insustentável.
Indiferente a esse processo, a sociedade, em todos os níveis, trata o problema da infância e juventude brasileira como se fosse apenas uma conseqüência da ineficiência do aparato estatal. No entanto, na linha do artigo 227 da Constituição Federal, a primeira instituição chamada à responsabilidade para garantir, com absoluta prioridade, a proteção integral desse público menoril, é a família, seguida pela sociedade para, só então, ser suscitada a participação do Estado.
Como se pode perceber, o encargo pela efetivação dessa proteção a que se reporta o Legislador Constituinte de 1988, inserta no já mencionado artigo 227, é da sociedade global e não apenas dos órgãos públicos.
Exemplo dessa falta de conscientização dos diversos segmentos sociais para com a grave dificuldade da infância e da juventude pôde ser sentido na ausência de representantes de vários organismos, governamentais e não governamentais, bem como do povo, à audiência pública realizada na Câmara, no último dia 04 do mês de outubro, quando aqui esteve o eminente Professor de Direito da UESB e FTC, de Vitória da Conquista, Dr. Michael Farias, ocasião em que foi apresentado o tema: A Proteção da Criança e do Adolescente e o Município.
A sociedade brumadense, mais uma vez, demonstrou sua total falta de interesse e de compromisso ante a situação crítica que envolve crianças e adolescentes, que não se constitui num caso isolado, mas sim ocorrente em toda a comunidade brasileira.
Conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente é o melhor caminho para compreender a intenção do legislador ao elaborar esse instrumento legal, assim possibilitando a participação de toda a sociedade na efetivação dos direitos dessa parcela da população, viabilizando, de maneira concreta, sua inclusão social.
Não tem sido fácil enfrentar a transformação radical ocorrida no modo de educar nos dias atuais. Crianças e adolescentes deixaram de ser objetos do direito passando a ser sujeitos de direitos. Essa novidade não foi devidamente assimilada pela sociedade, nem mesmo por muitos operadores do Direito. Confundiu-se tudo! Crianças e adolescentes passaram a acreditar que haviam sido “emancipados” e muitos adultos se tornaram inseguros sem saber o que permitir e o que proibir.
Por outro lado, muitos pais, que deveriam ser os primeiros a disciplinar seus filhos, preparando-os para uma sadia convivência em grupo, onde estarão sujeitos a regras que devem ser obedecidas, se omitem, permanecendo na postura cômoda de tudo permitir, pois é mais fácil ceder do que dialogar com a criança ou o adolescente a respeito das razões das limitações impostas à sua idade. Outros adotam essa atitude em virtude do entendimento distorcido a respeito dos direitos e garantias das crianças e adolescentes, novidade introduzida pela CF e pelo ECA e que poucos compreendem. E não só os pais estão sob essa influência, os próprios filhos, insuflados por mensagens divulgadas através de filmes, novelas etc., acreditam ter o direito de proibir determinadas coisas aos genitores, alegando, por exemplo, “invasão de privacidade” ou “pagar mico” e até mesmo “ficar traumatizado para sempre”.
Filhos têm direitos, sim, mas não exatamente esses que eles estão a exigir (roupas de grife, celular, carro, não dar satisfações aos pais, mentir e esconder fatos, ficar na rua até tarde, freqüentar festas que antes eram apenas para adultos, assistir a qualquer filme ou programa de televisão, etc.) Os pais têm deveres, os filhos também. Os pais têm, porém, muitos direitos relacionados ao compromisso de educar os filhos que, se não exercidos, podem causar danos graves, inclusive refletindo na sociedade.
A passividade e a omissão das famílias, acuadas por esse desequilíbrio entre direitos e deveres, acabam deixando os jovens sem metas e objetivos. Nos dias atuais a juventude, em razão do comportamento dos genitores (e até de muitos educadores), confunde liberdade com permissividade. Não há limites ao seu desejo de aprender, experimentar, desafiar, participar, consumir. E muitos pais vão se abstendo cada vez mais de interferir (com o objetivo de educar), para tentar conter essa “independência” precoce dos seus filhos. Não impõem regras, permitindo tudo, na suposição equivocada de que essa postura é a mais adequada aos tempos pós-modernos.
Querem se mostrar “avançados”; receiam ser chamados de “caretas”. Crianças passam cada vez mais rápido pela fase da infância, chegando cedo demais à adolescência, com ares e imposições de adultos. E todos acham normal. É uma conseqüência do modo de vida atual e da incorreta compreensão da legislação.
Acesso ilimitado à Internet, festas de rua até madrugada – regadas a bebidas alcoólicas – namoricos aparentemente inocentes e iniciação sexual precoce. Tudo é aceito, às vezes com certa relutância, mas aceito, porque ser moderno exige esse comportamento. Meninas de oito, nove anos, já freqüentam salões de beleza, fazem unhas, depilação, tingem os cabelos e colocam mechas. Usam sapatos cada vez mais altos e até maquiagem. Os meninos de doze, treze anos, já sonham em “pegar” uma menina para a primeira relação sexual. O controle se perdeu.
Podemos e devemos ser democráticos e modernos, mas jamais deixando de lado nosso papel de formadores da ética das novas gerações. Afinal, é bom chamar a atenção para o fato de que inúmeros estudos recentes apontam para o fato de que o novo perfil da delinqüência é o resultado acabado da crise nas relações do grupo familiar, da educação permissiva e do bombardeio de setores do mundo do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de valores.
Diante desse novo panorama, as regras da educação tradicional, aquela em que a obediência disciplinadora decorria da autoridade paterna ou materna, muitas vezes conquistada pelo medo, repressão e até por agressões físicas, foram abandonadas, dando lugar às técnicas apresentadas pela Psicologia, como sendo esta a maneira de garantir um crescimento integralmente sadio a crianças e adolescentes.
Esse método, porém, como mostram os mais diversos acontecimentos envolvendo menores de todas as classes sociais, observados e noticiados em variados veículos de comunicação, falhou fragorosamente. Pais e Mestres ainda se encontram aturdidos, sem saber exatamente como fazer para garantir um desenvolvimento socialmente ajustado aos seus filhos e alunos.
É comum encontrarmos famílias que, impotentes ante a rebeldia de sua prole, confessam sua incompetência (e impotência) para criar e educar essa nova geração, arrogante e “cheia de direitos”, acreditando-se pessoas prontas para enfrentar o mundo, prescindindo da orientação dos pais e professores, que julgam ultrapassados.
Acredito e defendo que a melhor forma de educar é através do diálogo, do amor, seguindo algumas orientações da Psicologia. No entanto, acredito também, que há momentos em que, falhando todos os argumentos psico-pedagógicos na tentativa de impor limites aos filhos, de fazê-los obedecer a uma ordem, de compreender que ainda não é o momento de participar de determinadas atividades, uma psico-palmada ou a restrição temporária da liberdade ou de um direito, através do castigo, não fazem mal algum.
Por tudo isso, é lamentável que a sociedade brumadense tenha perdido uma excelente oportunidade de debater o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao deixar de comparecer à audiência pública que aconteceu na Câmara no último dia 04 de outubro.
Garantia de direitos não pode ser confundida com liberdade em excesso, sem disciplina. Criança precisa de amor, carinho, cuidados e, principalmente, de imposição de limites, o que só ocorre quando se faz valer a autoridade.
Precisamos urgentemente retomar as rédeas da educação das nossas crianças e adolescentes, sob pena de estarmos comprometendo, irreversivelmente, o futuro das próximas gerações.
(*) ANGÉLICA COELHO OLIVEIRA, SOTEROPOLITANA RADICADA EM BRUMADO, É ADVOGADA, DEFENSORA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE BRUMADO