Os recentes episódios que exigiram protagonismo do Palácio do Itamaraty revelam o momento dramático vivido pela diplomacia brasileira. Nos últimos dias, o Barão do Rio Branco deve ter revirado no túmulo treze vezes. Depois do imbróglio provocado pela fuga de um senador boliviano e da rocambolesca importação de médicos cubanos com evasão de divisas para a ditadura castrista, a política externa do jabuticabal trombou com um evento de grande envergadura: a denúncia de que os Estados Unidos da América espionaram até o“Nego” – labrador mascote da “presidenta”, presente do “chefe da quadrilha” José Dirceu -, quiçá a violação das comunicações de Dilma Rousseff e seu staff.
Em seu primeiro grande momento à frente do Ministério das Relações Exteriores, o recém-nomeado chanceler Luiz Alberto Figueiredo agiu com a firmeza que lhe permitia a estreita margem de manobra das relações entre Brasil e EUA. Convocou o embaixador Thomas Shannon e exigiu do governo norte-americano premente explicação oficial – por escrito! – a respeito da interceptação de e-mails, telefonemas e mensagens de celular da Presidência da República.
O que o democrata Barack Obama dirá – se o fizer – pouco importa. Umbigo do mundo, os Estados Unidos nunca se importaram com direitos de soberania. Sistematicamente, ao arrepio de tratados e convenções internacionais, estupram esse instituto em nome de seus interesses. Fique claro, não há qualquer vestígio de antiamericanismo, “vermelho” e pedestre, em tal assertiva. A maior potência planetária criou-se sob tal signo e ponto final. Portanto, qualquer coisa que o presidente dos EUA diga sobre o caso será mera tergiversação pseudodiplomática.
Esses recentes episódios deploráveis lançam luz sobre algo digno de inquietação maior: a diretriz da política internacional brasileira. Na última década, o governo petista fez questão de esvaziar o papel do Itamaraty, permitindo chanceleres no palanque e filiados a siglas partidárias, além de seguir ouvindo um assessor especial – que mais parece um filhote do chavismo – em total desprestígio aos ministros da pasta. Não por acaso, o governo brasileiro passou a confundir o interesse pela integração regional da América do Sul com uma “companheira” subserviência aos abusos e desregramentos de alguns vizinhos esquizofrênicos.
Sem qualquer contato com a realidade, quando o então presidente Lula da Silva precisava de uma manchete populista, tratava de bradar aos quatro ventos seus telefonemas para o “colega” norte-americano George W. Bush com toda sorte de diatribes. Do sucessor ouviu um sonoro e visível deboche: “Esse é o cara!”, disse Obama a Lula durante uma reunião do G20. Sob administração de Dilma Rousseff, a esculhambação deu lugar à indolência. Isso sem falar o vexame da “presidenta” querendo dar aulas de economia e“governance” à Europa em crise, mas que não consegue sanear as contas de seus domínios ou conter os ímpetos irresponsáveis de aliados e da turma de desqualificados que gravita nas cercanias palacianas.
Paradoxalmente, o grande momento – se é que podemos chamar assim – da diplomacia brasileira na gestão dilmista foi a visita do presidente Barack Obama ao Brasil, em 2011. Muito rapapé, muito rococó, muito teatro e resultados efetivos próximos à nulidade. Não avançamos um único milímetro nas relações bilaterais entre os dois “gigantes” das Américas. Considerando a desvelada — e deslavada — violação de soberania, é possível afirmar que, na verdade, recuamos. No entanto, a visita iníqua rendeu boas fotos de apertos de mão entre os chefes de Estado, amplamente servidas à bandeja da propaganda política do PT.
Foi com esse viés politiqueiro e de olho na campanha de reeleição que a diplomacia petista fermentou o próximo encontro oficial entre Dilma e Obama, em Washington, no próximo mês de outubro. Farsescas, as autoridades brasileiras estão a afirmar que o evento está em xeque. Balela! Foi a própria “presidenta” – sob tutela de seu quase invisível 40º ministro, responsável pelo marketing eleitoral da gestão – quem cavou a ida à Casa Branca e exigiu sua classificação como “Visita de Estado”, com todo rapapé, rococó e teatrinho inseridos no protocolo.
Por pura ironia, uma das fotos mais emblemáticas da passagem do presidente norte-americano pelo Brasil foi exatamente o momento de artística descontração e sorrisos fakes diante do “Abaporu”, obra-prima de Tarsila do Amaral, à época em exposição no Palácio do Planalto. Como Obama e Michelle não têm algo do gênero para exibir, Dilma sairá bastante contente com fotografias da reunião no Salão Oval. Elas serão utilizadas pela “diplomacia” do PT para gerar manchetes de prestígio e, quem sabe, até narrativas ficcionais sobre algum safanão contra a espionagem. Foto semelhante foi exibida em larga escala durante a vitoriosa campanha presidencial de 2010. Nossas relações exteriores estão reduzidas a essas ideias mirabolantes geridas na antessala da Presidência.
O “Abaporu de Barack” tem nome e cognome. Há mais de dez anos ocupa uma sala confortável no Palácio do Planalto, contígua ao gabinete presidencial. Na era petista, saíram de lá as principais (des)orientações da política externa brasileira. Apologeticamente, esse senhor atende pelo carinhoso apelido de “Top-Top”. Enquanto essa escabrosidade permanecer, o Brasil seguirá sem destaque real no cenário internacional. Uma cabeça apequenada disposta sobre um corpanzil desgovernado. É urgente que nossa sequestrada diplomacia seja devolvida a quem entende do rabisco: o Palácio do Itamaraty.