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Analógicos, graças a Deus!

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Nasci em modo analógico. E gostei. Sempre estive adaptada e não me custava tanto esperar as coisas se sucederem. Cultivar desejos, aguardar uma oportunidade, semear e aguardar pelo tempo da colheita seja de lá o que fosse não me era um fardo assim tão pesado. Era a vida em modo  analógico. E eu estava em paz. Procurar por algo numa loja, varrer quilômetros quadrados atrás daquilo que fosse desejado, até esperar numa fila tinha lá o seu encanto, porque era uma pausa obrigatória no dia para ler aquele livro que sempre carregava comigo na bolsa, quando, de outro modo, o tempo “usurpado” para a leitura seria julgado pelo mundo como “ócio”. Enfim, a vida era assim. E éramos felizes.
Chegaram os “escafandristas” com a sua tecnologia, sorrateiramente, e passaram a subverter a ordem das coisas, sobretudo a ordem cronológica delas. Vieram as máquinas e substituíram as mentes. Subsistiram os mártires…e eu me consagrava um deles. Máquina de fazer doido, já diria Ponte Preta (e quanta coisa ele diria se ainda por aqui estivesse). Gostava do cheiro do papel, do tique do relógio e até de ter que trocar a sua pilha…sobretudo porque, em escolhendo não ter tempo para trocá-las, o tempo passaria somente quando se lhe fosse reposta a bateria…ou não passaria! Gostava do pegar, do sentir. Resistia bravamente dentro do (des-já diziam)conforto do meu mundo analógico. Bater em retirada não estava no meu horizonte; desistir era um vocábulo que faltava sem fazer falta no meu dicionário. Dizia eu  ter um certo complexo de traça, que se alimenta da matéria impressa, que se nutre no esquecimento na prateleira, um esquecimento que, em verdade, em nada pode ser deletado, está ali, eu podia ver e tocar e fazer daquele objeto, o livro, o que bem me aprouvesse…
Mas o modo NADAlógico, perdão, tecnológico instalou-se. E está. E se impõe. Ralhei, fechei os olhos, ensaiei irreverência, quando tomaram por ignorância! E, a despeito de todo o meu despeito, ele está. Não consigo entender-lhe. E me dizem: “não se afobe, não, que nada é pra já”. Como assim? Parece que já é pra ontem! Esperar é um vocábulo que falta no seu dicionário – e como me faz falta. Assisti-los na sua urgência, na sua intolerância ao tempo, ou melhor, ao sem tempo me desatina. Tantos ais que doem em mim, ai fud, ai fone, ai pédi. Hoje não entendo como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo “gemiam” tanto, se é neste mau século que tanto se conclama o “ai”…minhas honras ao poeta condoreiro, mas com dor é o hoje, meu ca(st)ro Alves. E com a sua licença, Drummond, mas, no seu tempo, os homens já eram partidos assim, em mega pixels?
Prossigo então no meu (des)caminho. Cedendo aqui, enfrentando ali. Ignoro sendo ignorante, mas justo que eu penso por mim e existo!? Olhos nos olhos, quero ver o que você faz ao sentir o que eu digo…deleta, cancela, photoshopa, não sente. Pra quê?  Tecnológico, NADAlógico. Claro! Lógico! Analógicos, graças a Deus.

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 745