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Animais de rua em Brumado, um problema de todos, mas que vive sem solução

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Por Jamille Amorim/Fillipe Lima/Natália Silva

Embora não haja dados oficiais que aponte o número de abandono de cachorros e gatos nas cidades brasileiras é possível perceber a grande quantidade desses animais, a maioria deles abandonados pelos próprios donos, perambulando a procura de alimentos e de atenção nas vias públicas das sedes e Povoados e Distritos dos municípios em todas as regiões do País.

Em Brumado essa é uma triste realidade. Andando pelas ruas, avenidas, estradas e demais vias da sede e zona rural do município essa cena se mostra comum. Independentemente do local, animais de pequeno porte, principalmente cães, circulam livremente sem nenhum cuidado ou atenção.

Sem donos, eles vagam dia e noite pela cidade à procura de água, comida ou, simplesmente, de alguém que lhes dê um pouco de atenção. Esse cenário, além de doloroso para os animais, representa um grave problema de saúde pública para a cidade e uma ameaça ao meio ambiente.

Atualmente não há uma estimativa do número de cães e gatos de rua que a cidade “abriga”. Os riscos são grandes para a população e envolvem as zoonoses, acidentes, tanto envolvendo veículos e motocicletas, quanto os incidentes causados diretamente pelos animais, mordeduras e demais agravos.

Já os animais sofrem com a fome, a sede e maus tratos. Para citar alguns exemplos, no centro da cidade, no entorno das Praças Capitão Francisco de Souza Meira (da Matriz) e Armindo Santos Azevedo ou da Praça Pompílio Leite (Praça do Jurema), ou ainda, na Praça Abias Azevedo (Praça da Câmara Municipal), ou na área externa e cercanias do Mercado Municipal, cachorros ficam zanzando em meio as pessoas. Além da sujeira, são possíveis portadores de doenças (Leishmaniose, Sarna e Cinomose), parasitas, pulgas e carrapatos, que podem afetar tanto a saúde do ser humano, como a do animal. Não fosse só isso há denúncias de que alguns animais são agressivos e andaram atacando pessoas que passam pelos locais. Fora as brigas que ocorrem entre eles mesmos, principalmente quando tem fêmea no cio. 

Geralmente em grupos, os cães errantes vagam pela cidade em busca de alimentação – Foto: Fillipe Lima

De acordo com o veterinário Leandro Viana, os riscos oferecidos pelos animais soltos nas ruas são grandes para a população. Segundo o veterinário, além das doenças, que qualquer animal pode transmitir, os cães e os gatos podem ser agressivos e, por não entender o seu espaço, arranhar e morder pedestres, sem contra que podem causar acidentes envolvendo veículos e/ou motocicletas. Por outro lado, destaca o veterinário, há um grande risco também para o animal – maus tratos, fome e sede – que podem causar a morte ou na maioria dos casos vulnerabilidade da proliferação de doenças e vírus entre eles. Outro ponto abordado pelo veterinário Leonardo Viana é a falta de conscientização da população. “Se fizermos um levantamento aqui na cidade, metade dos animais de rua nasceram em residências e são os próprios donos que os abandonam”, afirma Viana, acrescentado que essa ação é a maior causa do descontrole populacional dos animais.

O educador e comunicador social Paulo Esdras Oliveira da Silva Júnior, que esteve à frente como coordenador da Organização Não Governamental AuAu – Adote Um Amigo Único, entidade protetora de animais de Brumado, garante que uma das melhores soluções para o problema dos animais de rua é a castração. “Uma medida que, paralelamente às ações realizadas por voluntários que dedicam parte do seu tempo para ajudar animais de rua, pode reduzir em até 50% o número de animais soltos que vagam pela cidade”, afirma. Paulo Esdras lamenta que em Brumado, embora existam voluntários dedicados à causa, inexistem política públicas para tratar a situação. “O poder público municipal é omisso e não tem demonstrado, na prática, preocupação com a situação que é grave”, lamenta.

Ex-Coordenador da Ong AuAu, o educador Paulo Esdras Oliveira da Silva Júnior, lamenta a omissão do poder público e destaca atuação dos voluntários – Foto: Fillipe Lima

Esdras destaca que, com interferência da Ong AuAu – uma das signatárias – foi celebrado em 2006 um Termo de Ajustamento de Conduta entre a Prefeitura Municipal e o Ministério Público Estadual, para construção de um Canil/Gatil. A assinar o TAC, a Prefeitura Municipal comprometeu-se a construir o equipamento em um terreno, no entorno do Aterro Sanitário, localizado na Fazenda Lagoa de Dentro, distante quinze quilômetros do centro da cidade – cerca de dois quilômetros da BR-030 [Brumado/Sussuarana/Tanhaçu], próximo a fábrica de cimento, local que destacou, oferecia as condições necessárias e adequadas para receber os animais retirados das ruas para castração e cuidados necessários. A obra, orçada em cerca de R$ 135 mil, embora tenha sido inclusive “inaugurada” no final da gestão do ex-prefeito Aguiberto Lima Dias (PDT), por não atender às recomendações e especificações do projeto original, está aguardando novas intervenções para poder ser utilizada.

A atual Coordenadora da Ong AuAu, Marli de Oliveira Lôbo, que será responsável pela administração do Canil/Gatil construído pela Prefeitura Municipal, reforçou que o equipamento estaria fora dos padrões exigidos para acomodação e cuidado dos animais a serem recolhidos das ruas. Segundo Coordenadora da AuAu, foi realizada uma inspeção no equipamento e constatada a impossibilidade de sua utilização para receber os animais, além de falta de estrutura para os voluntários. Um dos problemas identificados foi que a área, de um hectare, foi murada, apenas cercada. O projeto original também, de acordo com Marli de Oliveira Lôbo, previa um espaço adaptado para abrigar gatos, o que não se concretizou. “Durante a vistoria constatou-se que não há espaço suficiente para habitar gatos e cachorros, não há possibilidade do convívio tão perto um do outro”, aponta Marli Lôbo.

A vistoria, feita em meados de maio, por uma comissão formada por representantes da AuAu [Marli de Oliveira Lôbo e duas voluntárias]; Ministério Público (Promotor de Justiça Ruano Fernando da Silva Leite); Prefeitura Municipal (então secretário municipal de Infraestrutura, Serviços Públicos e Desenvolvimento Urbano, engenheiro André Luís Cardoso), e pela veterinária Ariadna (Lila) dos Santos Mansano, constatou uma série de problemas que impossibilitavam o funcionamento do equipamento. O Ministério Público arbitrou o prazo de quarenta e cinco dias – que já se esgotaram – para que o Governo Municipal providenciasse as intervenções solicitadas pela Ong AuAu e pela veterinária Ariadna (Lila) dos Santos Mansano para que o equipamento pudesse ser utilizado. 

Marli de Oliveira Lôbo, Coordenadora da Ong AuAu, diz que a situação somente não é pior graças ao trabalho de voluntários e doações que recebe da comunidade – Foto: Fillipe Lima

De acordo com a Coordenadora da AuAu, a Prefeitura Municipal já teria concluído as obras para ligação da água e da energia elétrica, acrescentando que, mesmo com as melhorias acordadas, o espaço não será o suficiente para receber todos os animais que estão vagando pelas ruas. “No máximo 30 animais de uma população incalculável serão atendidos no Canil”, reforçou, reafirmando que no equipamento não há, a princípio, condições para acolhimento de gatos.

Enquanto não se define a situação do Canil/Gatil, o acolhimento aos animais recolhidos nas ruas pela Ong AuAu, têm sido direcionados para um canil improvisado pela Entidade na área do Setor de Obras do Governo Municipal, localizado nos fundos do Ginásio Poliesportivo Dr. Antônio Alves Ribeiro, que é mantido com doações de voluntários. A Coordenadora da AuAu lembra que na gestão do ex-prefeito Aguiberto Lima Dias (PDT) a Prefeitura Municipal disponibilizava materiais de limpeza e seringas suficientes para uso durante um mês, mas que atualmente, além da burocracia, o material disponibilizado é insuficiente para atender às necessidades, que são complementadas por doações de voluntários.

Além do canil improvisado, outros quatro espaços também vêm sendo utilizados para acolhimento de cães recolhidos nas ruas. Todos pertencem a Coordenadora do AuAu – uma casa alugada onde abriga cerca de trinta animais, dois lotes no Bairro Santa Tereza onde estão seis animais (três em cada) e um no Bairro Baraúnas, onde está um animal. “Esses locais estão sendo mantidos com doações de voluntários e apoio dos veterinários [Ariadna (Lila) dos Santos Mansano e Leandro Viana]”, apontou Marli de Oliveira.

De acordo com Marli de Oliveira Lôbo, a ideia inicial da Ong era recolher e realizar a castração das fêmeas e, após a recuperação, solta-las. Mas a situação se agravou e o número de animais abandonados pelos donos, muitas vezes com sinais de maus tratos ou doentes, ganhou proporções inimagináveis, obrigando a revisão da proposta inicial.  “Não tem sido uma tarefa fácil. É uma situação que precisa de muito apoio e temos poucos voluntários e falta espaço. Hoje, por exemplo, se chegar um animal não podemos recebê-lo, não temos mais espaço físico”, lamenta Marli de Oliveira, acrescentando que o Canil Municipal, da forma como foi construído, será paliativo, pois além de estar localizado em uma área isolada e muito distante da cidade – portanto, perigosa para os animais e voluntários – sem a expectativa de que a Administração Municipal vai disponibilizar apoio logístico, principalmente transporte para os voluntários, terá capacidade máxima para abrigar 30 cachorros.

População reclama e cobra medidas

Enquanto o Canil Municipal não fica pronto, a população e os animais sofrem com a situação. A comerciante Suzana Silva Souza, dona de uma lanchonete no centro da cidade, diz não saber mais o que fazer com os animais que circulam em seu estabelecimento. “São muitos animais(cães), às vezes com feridas expostas e, as crianças chegam a pegar neles para fazer um carinho. Quando um cliente reclama, a única maneira de afasta-los é jogando água, tenho pena, mas já notificamos (a Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde) e ninguém faz nada”, lamenta.

A comerciante Suzana Silva Souza está assustada coma situação e a omissão do poder público -Foto: Fillipe Lima
É comum cães, alguns aparentemente doentes, invadirem lanchonetes e restaurantes em busca de alimentos – Foto: Fillipe Lima

Outra situação incomoda para os moradores, como relata a dona de casa Vitória Amorim Souza, é a questão do lixo. Segundo a dona de casa, os cachorros que perambulam pela cidade reviram o lixo a procura de alimentos e deixam o rastro de sujeira pelas ruas, além do risco de transmissão de doenças e a sujeira causada pelas fezes e mal cheiro da urina nas calçadas e Praças. 

 

Soltos nas ruas, os cães reviram o lixo, sujam ruas e passeios e são potenciais transmissores de doenças – Foto: Fillipe Lima

 Importância do trabalho dos voluntários

O trabalho dos voluntários e dos colaboradores são de extrema importantes para o controle dos problemas causados pelos animais errantes, reforça a Coordenadora da Ong AuAu, Marli de Oliveira Lôbo. Uma das voluntárias que tem se destacado no apoio a Entidade e na assistência aos cães errantes na cidade, segundo Marli de Oliveira, é a veterinária Ariadna (Lila) dos Santos Mansano, que inclusive tem colocado a estrutura de sua Clínica (Animal & Cia) a serviço da AuAu, disponibilizando castrações, cirurgias e medicamentos para os animais que chegam debilitados à Ong. 

A médica veterinária Ariadna (Lila) dos Santos Mansano tem se dedicado, voluntariamente, a apoiar a Ong AuAu – Foto: Fillipe Lima

A veterinária inclusive elaborou e encaminhou à Prefeitura Municipal um projeto para criação de um sistema de castração, que contaria com ajuda e participação de outros profissionais da área. Caberia, pela proposta encaminhada, à Prefeitura Municipal disponibilizar os materiais a serem utilizados nos procedimentos cirúrgicos. Na proposta, caberia aos veterinários realizar duas cirurgias de castração semanais, tendo como alvo os cães errantes. De acordo com Ariadna (Lila) Mansano, essa ação poderia resolver significativamente a questão do controle populacional.

Infelizmente a proposta não prosperou. “A Prefeitura não aceitou (a proposta). A forma que (a Prefeitura) encontraram foi colocar uma única veterinária para realizar o procedimento e apenas nos animais machos. Mas esse procedimento não me parece ser a melhor opção para resolver a situação. Enquanto você castra um macho, outro já emprenhou três fêmeas”, lamenta Ariadna Mansano, acrescentando que essa medida não atende ao problema enfrentado por Brumado. “Pelo projeto que apresentamos, um único profissional poderia realizar a castração de machos e fêmeas, num total de 96 cirurgias anuais”, pondera.

A Coordenadora da AuAu, Marli de Oliveira Lôbo, lamenta que, além dos donos que abandonam os animais, não haver em Brumado políticas públicas e, principalmente, conscientização da população para que o problema possa ser resolvido.

É o que pensa, também, o educador e ativista cultural Paulo Esdras. Para ele, a responsabilidade pelos animais de rua é do poder público, que tem obrigação por Lei de implementar políticas para controle da reprodução de cães e gatos. “Infelizmente esse compromisso com os animais e com a população, considerando ser um caso de saúde pública, não tem merecido atenção da Prefeitura Municipal”, lamenta, ressaltando, no entanto, que a população também tem sido omissa. “Há diversas formas da população contribuir, seja como doador, voluntário ou até mesmo adotando um animal, contribuindo, dessa forma, para o controle populacional”, pontuou.

Um anjo da guarda de animais abandonados chamado Luiza Silva

A aposentada Luiza Silva, com ajuda de doações voluntárias, cuida de 80 animais – Foto: Fillipe Lima

Entre tantas más notícias sobre abandono e maus-tratos de animais, omissão do poder público, costumam ser reconfortantes as histórias de pessoas que se dedicam a resgatar e a cuidar de animais que são abandonados pelos donos, muitos deles doentes, e ficam desamparados e andando sem rumo pelas ruas. É o caso da aposentada Luiza Silva, 64 anos, saúde debilitada e poucos recursos financeiros, dificuldades inclusive para pagar o aluguel, que em sua casa (acaba de mudar para uma casa com um quintal maior) cuida de 62 gatos e dezoito cachorros recolhidos nas ruas.

A paixão da aposentada pelos animais vem desde que resgatou o primeiro cão abandonado e doente. De tão grande o afeto que sente pelos animais, que trata como se fossem filhos, dona Luiza, que bem poderia estar curtindo a tranquilidade da aposentadoria por uma vida dedicada aos cães e gatos. E para que o trabalho seja realizado, dona Luiza, sem ajuda da família, usa os vencimentos da aposentadoria e conta com doações para alimentar e cuidar dos animais. E, se depender do coração, a “família” não vai parar de aumentar. “Eu tenho pena, não aguento ver eles com fome e maltratados”, afirma dona Luiza, acrescentado que semanalmente novos animais são abandonados em sua porta e, que não tem coragem de abandona-los.

Questionada sobre a relação com os vizinhos, dona Luiza diz que nunca teve problemas. “Sempre deixei tudo limpo, não saio d casa sem lavar o quintal e lavo pelo menos 3 vezes ao dia”, ressalta, lembrando que há seis anos mantém uma rotina de cuidar dos animais. “Há seis anos não viajo”, lembra, enfatizando que nunca sequer pensou em deixar os animais, que carinhosamente chama de “meus”, pois ama o que faz.

Sozinha, com doações e apoio de voluntários, a aposentada Luiza Silva cuida de 62 gatos e dezoito cães – Foto: Fillipe Lima

Para dar conta de tanto animal, a aposentada conta com apoio da veterinária Ariadna Mansano e de diversas pessoas que fazem doações. O trabalho feito por dona Luiza tem sensibilizado e chamado a atenção outras pessoas que têm contribuído para que não falte nada em seu “abrigo”.

Prefeitura de Brumado mantém silêncio

Possivelmente seguindo uma orientação superior, embora insistentemente procurados pela reportagem do JS, os secretários municipais de Saúde e da Agricultura, Recursos Hídricos e Meio Ambiente, respectivamente Cláudio Soares Feres e Charles de Almeida Granger, não se manifestaram em relação ao aumento da população de cães errantes na cidade.

Inicialmente, por se tratar de uma questão que também envolve a Saúde Pública, a reportagem do JS tentou contato com o farmacêutico Cláudio Soares Feres, titular da Secretaria Municipal de Saúde, sem sucesso. Cláudio Feres não foi localizado na Secretaria e não retornou as ligações feitas, mesmo tendo sido cientificado do assunto a ser tratado.

Uma fonte do JS no Governo Municipal informou que retirada e controle dos animais – principalmente cães – abandonados que perambulam pela cidade não faz parte das preocupações da Secretaria Municipal de Saúde, apesar dos riscos de doenças que esses animais oferecem para a população. “Não há, nem mesmo pessoal para cuidar dessa questão. O número de Agentes de Endemias lotado na Secretaria é mínimo e não há sinalização do gestor para realização de concurso público ou contratação temporária para atender às demandas. Portanto, a população tem de se contentar com as ações dos voluntários, pois não há nenhuma ação efetiva e nem estratégias para retirada e controle dos animais abandonados que perambulam pelas ruas da cidade”, apontou.

Já o secretário municipal de Agricultura, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Charles de Almeida Granger, cuja pasta seria responsável pelo controle e retirada dos cães errantes das ruas, segundo informou ao JS, por telefone, a Coordenadora de Endemias da Secretaria Municipal de Saúde, Ilka Lima, chegou a marcar e desmarcar uma entrevista cinco vezes.

O que diz a legislação vigente

Abandono e maus tratos à animais é crime. É o que está previsto no Artigo 32 da Lei Federal 9.605/1998, que trata sobre o crime contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, a prática se enquadra em maus-tratos, uma vez que abandonar o animal o expõe em situação de vulnerabilidade. O entendimento é legitimado pelo Artigo 164 do Código Penal, que prevê o crime de abandono de animais para aqueles que introduzirem ou deixarem animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito. A pena previstas no Artigo 163 do CP é de detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa.

 

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