E aí você está com a pessoa durante boa parte da sua vida e pensa que sempre será assim.
Jura que vai ligar para a mesma sequência de números e ouvir aquele velho e conhecido “alô”, as mesmas piadas, as mesmas risadas.
Que após falar aquela besteira tantas vezes repetida vai haver a pausa cronometrada e a gargalhada escandalosa. Aquela que é trilha sonora de todos os seus momentos.
Tem certeza de que invariavelmente será assim.
Até que, um dia, a velha sequência de números ganha um 3 antes de tudo.
A outra, que não é tão velha assim, mas já faz parte do repertório dos seus “números de emergência” ganha um 9 também antes de tudo.
O acréscimo de números às velhas e familiares sequências é apenas um sinal claro da passagem do tempo.
A necessidade de gravar o que era tão familiar na memória de um telefone móvel também.
O intervalo entre uma gargalhada e outra vai aumentando.
E a cumplicidade que não necessitava de palavras se esvai de maneira quase imperceptível.
Até que, um dia, após procurar o número e clicar apenas uma vez, ouve do outro lado um “alô” seco e por pouco desconhecido.
Após conversarem por uns cinco arrastados minutos, silêncio.
Não há mais o que dizer.
Como isso pôde acontecer?
Quem não se calava, quem mal conseguia respirar entre uma frase e outra, agora, não tem mais motivo para continuar falando?
Espanto.
E aí a reflexão:
Onde foi que se perderam?
Em que curva os caminhos se separaram?
Quando exatamente o silêncio se instalou?
Não se sabe.
Ninguém sabe.
Será que ainda há tempo de um reencontro onde houve a separação?
Será que existe chance de retomar, mesmo sem saber, onde na verdade, um caminho virou dois?
Melhor tentar.
Enquanto o som da gargalhada ainda é familiar.
Melhor tentar agora antes que a distância aumente.
Agora, enquanto a sequência de números ainda é a mesma.
Melhor tentar, nesse instante, enquanto a voz ainda é conhecida.
Antes que as sequências, a voz, um, o outro, enfim, tudo mude e aí sim, nunca mais se encontrem.