Escritor compartilha sua trajetória marcante desde a infância rural até as influências literárias que moldaram sua perspectiva, ressaltando a importância de ler entrelinhas e estabelecer um vínculo íntimo com os autores
Por Ana Paula Gonçalves/ LC Agência de Comunicação
Minha infância se desenrolou em meio aos campos de uma fazenda em Minas Gerais, onde os alicerces dos meus sonhos começaram a ser moldados. Recordo-me de ter aproximadamente sete anos quando minha mãe me apresentou ao meu primeiro livro: “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway. Foi assim que, naquele instante, mergulhei na história de um pescador que embarcou em uma jornada marítima determinado a capturar um gigantesco peixe.
Ao final da leitura, uma pergunta foi lançada: Qual é a sua conclusão sobre o livro? Minha resposta foi simples – eu havia compreendido a história literalmente, focalizando no relato do velho pescador que, com tenacidade, enfrentou a luta para trazer sua captura à praia. Contudo, minha mãe abriu portas para interpretações mais profundas e metafóricas do embate entre o protagonista e o peixe. Ela me transmitiu a mensagem de que o pescador não saíra derrotado, pois mesmo diante das adversidades, ele perseverou e deu o melhor de si. A vida, ela enfatizou, muitas vezes não segue nossos desejos, mas o que verdadeiramente importa é a luta, a dedicação total.
Foi então que comecei a desvendar a necessidade de enxergar além das palavras, de desvendar as intenções do autor e suas emoções subjacentes. Minha primeira experiência literária me ensinou que o mundo literário é uma esfera rica em nuances e que, para apreciá-la em sua plenitude, é crucial penetrar nas entrelinhas.
A partir desse ponto, o nome de Hemingway tornou-se um ponto de partida para minhas incursões literárias. Aprofundei-me em uma diversidade de livros, aprendendo a compreendê-los, compartilhar as emoções e sentimentos dos autores e avaliar suas mensagens. Amar um autor, eu percebi, era mais do que uma admiração superficial; era a capacidade de mergulhar em sua alma, vivenciar suas dores, alegrias e sonhos, e estabelecer um vínculo único e gratificante.
Na estante de meus pais, descobri a “História da Civilização”, de Will Durant, uma série em quinze volumes que se revelou uma obra monumental. Enquanto me recostava sob uma laranjeira no pomar, embarquei em viagens pelo antigo Egito, Grécia e Roma, maravilhando-me com suas contribuições perenes para a civilização. Hoje reconheço que meu estilo foi influenciado pela maneira envolvente de escrita de Will Durant.
Minha jornada literária prosseguiu com autores como Kafka, Sartre e clássicos como Balzac, Machado, Eça e Zola. Finalmente, cheguei a um dos meus favoritos, Dostoiévski, cujos romances são verdadeiros ensaios de psicologia humana. Além disso, a História do Brasil, as décadas subsequentes à república velha e eventos marcantes como o suicídio de Vargas, o governo Jango e o golpe de 1964 capturaram minha atenção.
Um dilema comum enfrentado por amantes de livros é o espaço para acomodá-los. Meu modesto apartamento tornou-se um refúgio para incontáveis volumes e, embora eu evite comprá-los, confesso que é uma missão quase impossível resistir. Meus filhos frequentemente sugerem doações, a fim de compartilhar o prazer da leitura com outros. No entanto, eles não compreendem o meu amor visceral pelos livros, a conexão profunda que mantenho com eles. Cada livro nas prateleiras ecoa a contextualização de momentos da minha vida em que foram lidos, carregando as emoções que experienciei. Não conseguem perceber que, de muitas maneiras, sou um Dom Quixote enfrentando moinhos de vento na busca contínua pela sabedoria contida entre as páginas.