Projeto realizado em parceria com a EMBRAER ajuda a diminuir em 20% o ruído emitido pelos veículos aéreos, permitindo a criação de um dos aviões mais silenciosos do mundo
As alterações foram propostas na parte frontal da asa, nos chamados ‘slates’ – abas móveis que ajudam a sustentar o avião – e na região traseira, na ponta dos “flaps”, que também auxiliam na sustentação da aeronave, principalmente nas etapas de decolagem e aterrissagem. “Nos ensaios, nós propusemos alterações no modelo da asa original para que, no momento em que o flap é acionado, uma espécie de borda fique exposta, resultando na redução de seis decibéis do ruído gerado. Também foram propostas modificações na geometria dos slates, reduzindo ainda mais o ruído emitido, explica o professor e coordenador do estudo, Fernando Catalano, do SAA.
As soluções são baratas, de fácil aplicação e ainda deixam o nível de som externo bem abaixo dos futuros limites planejados pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). As novidades são fruto do projeto “Aeronave Silenciosa”, o terceiro maior programa de estudos em aeroacústica do mundo, realizado em parceria com a EMBRAER. Recentemente, a empresa entregou o primeiro E195-E2 para a companhia aérea KLM, da Holanda, que é líder global em sustentabilidade no setor.
Para comprovar a redução de ruídos, os pesquisadores da USP fizeram uma série de testes no Túnel de Vento do Laboratório de Aerodinâmica da EESC e na pista de pouso da EMBRAER, em Gavião Peixoto. O Túnel conta com ventiladores que produzem ventos de até 180 km/h e microfones ultra sensíveis que apontam qual a origem do barulho. “Colocamos as peças dos aviões na câmara de ensaio e fizemos várias alterações até encontrarmos a geometria ideal para as asas”, explica o docente. Outros testes ainda foram realizados por alunos da USP e técnicos da EMBRAER na NASA, a agência espacial norte-americana, que também trabalha para diminuir o ruído dos veículos aéreos. Além disso, ensaios em túneis de vento de grande porte na Holanda e Alemanha foram realizados para a consolidação das propostas.
Apesar das aeronaves terem se tornado mais silenciosas com o passar dos anos em todo o mundo, milhões de pessoas que moram ao redor de aeroportos ainda sofrem com o barulho provocado pelos aviões. No Brasil, os principais atingidos são os vizinhos do aeroporto de Congonhas, na capital paulista. De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), o ruído aeronáutico excessivo pode causar efeitos adversos sobre a população. O ruído intenso é capaz de provocar problemas de saúde, como o aumento dos batimentos cardíacos e pressão sanguínea, desencadeando complicações cardiovasculares. A perturbação do sono também é outro agravante, que pode aumentar as chances do aparecimento de distúrbios de saúde mental, como depressão e ansiedade. Até mesmo o desenvolvimento cognitivo de crianças pode ser comprometido.
O professor Fernando Catalano explica que as principais fontes de ruído, causado pelo atrito da aeronave com o ar, são as asas e o trem de pouso, já que com o avanço da tecnologia os motores se tornaram mais silenciosos. “Os ruídos provocados pela estrutura da aeronave ficaram em evidência. Durante o voo, o ruído é mais emitido no momento da decolagem e do pouso. É aquele barulho que a gente ouve quando o avião está se aproximando, principalmente no momento da descida”, descreve. A ANAC defende um equilíbrio cuidadoso entre a proteção dos moradores e o reconhecimento das contribuições econômicas e sociais da aviação, mas afirma que as áreas mais afetadas pelo som não deveriam ser ocupadas por residências, escolas e hospitais.
Para poder voar, as aeronaves precisam atender a diversos critérios de segurança, dentre eles, a emissão de ruídos também é avaliada. “O avião passa em cima de pequenos e potentes microfones que medem a quantidade de ruído emitido em decibéis”, esclarece o docente da EESC, que representa o Brasil em uma comissão de especialistas internacionais que produzem novas tecnologias para o setor de aviação. Ao redor dos aeroportos existe uma área de controle de intensidade do som. Neste perímetro, as empresas responsáveis por aeronaves que ultrapassam o limite permitido de 60 decibéis podem ser penalizadas.
Com o passar dos anos, essa regulamentação foi ficando cada vez mais rígida e diminuindo o nível de ruído permitido. No entanto, segundo Fernando, ainda falta fiscalização no Brasil. Na Europa e Estados Unidos, principalmente, existem legislações bastante severas. Dessa forma, a EMBRAER tem investido, por exemplo, em ciência e tecnologia para diminuir o ruído de seus aviões, além de aplicar recursos na capacitação de profissionais. Os estudos do projeto, que foi criado em 2010 e está sendo concluído neste ano, foram financiados pela própria EMBRAER, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Durante a última década, mais de 150 pesquisadores brasileiros estiveram envolvidos no desenvolvimento das inovações tecnológicas.
De acordo com o professor da USP, os processos de engenharia avançaram muito com base nas pesquisas realizadas em São Carlos. Agora, antes mesmo de um avião nascer conceitualmente, essa tecnologia é considerada como prioritária. “Até então, essa área de pesquisa no Brasil estava bem atrasada em relação aos estudos desenvolvidos no exterior, principalmente em países da Europa e nos Estados Unidos. Diante dos esforços empenhados na produção desse longo trabalho, o Brasil se tornou referência no assunto e espero que os engenheiros aeronáuticos possam estar cada vez mais preocupados com a acústica dos aviões”, conclui Fernando.
O SUCATÃO DOS PRESIDENTES – No Brasil, até avião presidencial já foi proibido de pousar em vários aeroportos ao redor do mundo por não atender a normas de ruídos. O antigo KC-137 da Força Aérea Brasileira (FAB), mais conhecido como “Sucatão”, serviu a todos os presidentes eleitos após a redemocratização até Luiz Inácio Lula da Silva. Com muitas reclamações e caras manutenções, o avião foi aposentado em 2013. Em 2014, a aeronave fez jus ao apelido e virou sucata depois de ser vendida em um leilão online. “Dava pra saber que o avião estava chegando muito antes dele aparecer”, brinca o professor Fernando Catalano.