Por Jamille Amorim/Fillipe Lima
Sempre que o assunto é Segurança Pública em Brumado, as autoridades descrevem a Cadeia Pública da 20ª Coordenadoria de Polícia Civil do Interior/Delegacia Territorial de Brumado como “barril de pólvora”. E, de fato, a situação daquela Unidade é preocupante.
Informações extra oficiais obtidas pela reportagem do JS dão conta de que por diversas vezes o juiz titular da Vara Crime, Júri, Execuções Penais e Infância e Juventude da Comarca de Brumado, Genivaldo Alves Guimarães, teria cogitado a interdição da Cadeia Pública.
Publicamente, em diversas oportunidades, embora manifestando que os presos custodiados na carceragem da 20ª Coorpin estariam tendo seus direitos preservados, o magistrado fez questão de enfatizar a necessidade da construção do Centro de Detenção Provisório, apontando os comprometimentos estruturais do prédio da Cadeia Pública.
Com sua estrutura carcomida pelo tempo e que há muito tempo mostra-se inadequada à segregação de detentos, a carceragem da 20ª Coorpin tem sido palco de princípios de rebelião, sempre contidos sem que haja necessidade do uso de força, graças a habilidade e profissionalismo das equipes das Polícias Civil e Militar chamadas a intervir. Regularmente, por causa de tensões entre os presos, vários deles são transferidos para Presídios de Vitória da Conquista ou Salvador. Também são rotineiras as tentativas de fuga abortadas e de arremesso de drogas, celulares e outros materiais também coibidas pelos Agentes da Polícia Civil e efetivos da Polícia Militar.
Se considerado a afirmativa feita pelo juiz Genivaldo Alves Guimarães, os presos na carceragem da 20ª Coorpin, embora ressaltada a precariedade da sua estrutura física, não afronta os direitos dos custodiados, o que justificaria haver no local um clima permanente de tensão? A resposta é simples, em parte, a tensão se deve à superlotação. Com capacidade para receber 16, no máximo vinte presos, a Cadeia Pública da 20ª Coorpin de Brumado abriga, em média, quarenta detentos.
Sem nenhum conforto e com as condições de higiene comprometidas, as quatro celas são focos de doenças, que acarretam a necessidade de destinação de equipes da Polícia Militar para realizar a escolta de presos para o Hospital Municipal Professor Magalhães Neto ou para dar segurança à equipes do Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (Samu 192) que fazem o atendimento na própria Delegacia Territorial.
Há, ainda, a necessidade das autoridades policiais terem de destinar uma das quatro celas para abrigar os presos acusados de estupro. Que precisam ser isolados dos demais detentos para ter suas integridades físicas preservadas. “Acusados de estupro ou condenados por esse crime formam a população mais execrada, assustada e desesperada não apenas da carceragem de Brumado, mas de um modo geral das cadeias e presídios do País”, afirmou à reportagem do JS um Policial Militar que solicitou tivesse sua identidade preservada. Segundo ele, o ódio ao estuprador faz parte de uma “Lei da cadeia”. O delegado titular da Delegacia Territorial de Brumado, Bacharel Samuel Bruno Paz, reforça essa tese destacando que os presos vêm o estuprador como uma ameaça a suas mulheres e filhas que estão lá fora e que o crime é tão vil que o culpado merece morrer. Essa “Lei”, segundo o Policial Militar ouvido pela reportagem, também funcionaria fora dos muros da cadeia, sem que as autoridades do Judiciário ou da Polícia possam intervir. “Para o estuprador não há salvação”, observa.
Atualmente, além de uma cela reservada para suspeitos de estupro, há outra, ocupada, segundo o delegado Samuel Paz, provisoriamente, por duas mulheres – uma envolvida no sequestro de um empresário no início do ano e a outra assalto e sequestro de uma Auto Escola. As outras duas, com cerca de 31 custodiados, abriga homicidas, traficantes, assaltantes, entre outros.
Outra grave deficiência da carceragem de Brumado diz respeito a inexistência no quadro funcional de Agentes especializados para a função de carceragem. Por falta de pessoal, os Policiais Civis da 20ª Coorpin se revezam na vigilância. A segurança é reforçada por Policiais Militares nos dias de visita.
Outra situação que fragiliza a segurança do prédio e carceragem da 20ª Coorpin é a proximidade com uma Escola de Ensino Fundamental [Centro Municipal de Educação Agamenon Santana], do Hospital Municipal Professor José Maria de Magalhães Neto, do Fórum Duarte Moniz, de Clínicas Médicas e estar encravado em uma área densamente povoada. Objetos e drogas costumam ser lançadas para dentro da cadeia a partir da área de entrada dos estudantes no Centro Municipal de Educação Agamenon Santana. Moradores da vizinhança também temem por sua segurança. Distante poucas quadras do centro da cidade, uma rebelião com fugas acarretaria enorme pânico.
Provavelmente, o potencial de ameaça à segurança pública proporcionado pela carceragem da 20ª Coorpin, possivelmente uma das piores do Estado, considerando os municípios de porte médio, ainda não foi levado suficientemente a sério pelas autoridades. Adiado inúmeras vezes, a conclusão da construção do Centro de Detenção Provisório – que posteriormente foi transformado em Presídio Regional – um projeto que custou a sair do papel, foi transformado em um enorme e caro elefante branco graças a uma decisão da juíza Dorotéia Silva de Azevedo Mota, titular da Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, em favor do Ministério Público do Trabalho, que proíbe o Governo do Estado da Bahia de contratar trabalhadores terceirizados para exercerem as funções de Agentes.
A construção do Presídio de Brumado, concluída em novembro de 2016, com capacidade para 590 internos, exigiu investimentos de aproximadamente R$ 22 milhões, financiados com recursos do Tesouro do Estado, mesmo já tendo suas instalações aprovadas pela Secretaria Municipal de Infraestrutura, Serviços Públicos e Desenvolvimento Urbano de Brumado e do 7º Grupamento de Bombeiros Militar da Bahia (Vitória da Conquista), permanece sem data para entrar em operação. E, enquanto a Unidade permanece fechada, a população convive com o medo.
Delegado Territorial assume que carceragem da 20ª Coorpin é um ‘barril de pólvora’ prestes a explodir
JAMILLE AMORIM/FILLIPE LIMA
Há quase dois anos em Brumado e titular da Delegacia Territorial desde o último dia 8, o Bacharel Samuel Bruno Paz tem consciência das dificuldades que terá pela frente, principalmente pela falta de estrutura e por estar sentado em cima de um ‘barril de pólvora’, que é como define a carceragem da 20ª Coordenadoria de Polícia Civil do Interior, onde está sediada a DT.
Na tarde do último dia 11, o delegado Samuel Bruno Paz recebeu a reportagem do JS e, com serenidade, lamentou a falta de estrutura funcional, as péssimas condições e a superlotação da carceragem, que poderia estar sendo evitada se o Presídio Regional, pronto a mais de um ano e meio, estivesse funcionando.
Para o delegado, o problema – falta de estrutura funcional, principalmente – é uma questão de ineficiência do Estado brasileiro, não apenas da Bahia. E, ressalta que a situação em Brumado não está pior em razão da dedicação da equipe e a celeridade com que a Justiça brumadense tem proferido as sentenças e autorizado transferência de presos para Presídios em Vitória da Conquista e Salvador, principalmente.
Confira os principais trechos da entrevista:
JORNAL DO SUDOESTE – Qual a real situação da carceragem da 20ª Coorpin que o senhor encontrou ao assumir a Delegacia Territorial de Brumado? Procede a informação de superlotação?
SAMUEL BRUNO PAZ – Sim, mas esse problema [superlotação] ocorre em razão da carceragem pertencer à sede de uma Coordenadoria que reúne vinte e um municípios e, em algumas das Delegacias Territoriais não haver carceragem ou estar com sua Unidade interditada pela Justiça. Mas estamos tentando solucionar o problema. Hoje mesmo (11/05), autorizados pela Justiça, transferimos sete detentos, que eram de Tanhaçu, para o Presídio de Vitória da Conquista. De Brumado, temos atualmente doze presos, o restante são dos municípios que fazem parte da 20ª Coorpin.
JS – Qual a dificuldade que a Polícia Civil enfrenta para promover a transferência de presos para Presídios Regionais, como o de Vitória da Conquista?
SAMUEL BRUNO PAZ – Nossa principal dificuldade para recambiamento de presos é não termos autonomia sobre os custodiados. Os presos estão à disposição da Justiça e as transferência deles depende de autorização do Juízo da Vara Crime. Não basta a gente querer fazer a transferência para efetivá-las, precisamos de autorização da Justiça. Esse, sem dúvida, é o principal entrave.
JS – Quantos presos estão custodiados atualmente?
SAMUEL BRUNO PAZ – As quatro celas da carceragem foram projetadas para receber quatro presos cada, acredito que até, no máximo, vinte presos. Mas, como já disse anteriormente, por ser sede da Coordenadoria, Brumado acaba recebendo presos dos outros vinte municípios que fazem parte da 20ª Coorpin. Estamos com um número muito acima do projetado, mas temos nos esforçado para conseguir junto à Justiça a transferência de custodiados para Presídios em outras cidades. Temos hoje, também, duas mulheres custodiadas, mas provisoriamente, que já estão para ser transferidas.
JS – As condições da carceragem apontam para a possibilidade de incidência de doenças. É comum a ocorrência de doenças entre os custodiados?
SAMUEL BRUNO PAZ – Sim, é uma situação recorrente. Mas temos agido com rapidez sempre que constatamos ou somos alertados, seja encaminhando prontamente para atendimento no Hospital ou acionando o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência]. Hoje (11/05), por exemplo, tivemos uma ação de vacinação na carceragem. Todos os custodiados foram vacinados contra a Gripe H1N1.
JS – E a questão das visitas intimas, que é uma reclamação feita pelos presos?
SAMUEL BRUNO PAZ – Não há visitas intimas na carceragem da 20ª Coorpin. Não há ambiente para isso, até porque aqui não é um Presídio, mas uma carceragem provisória, pelo menos deveria ser. Os presos deveriam ser flagranteados e a Justiça providenciar sua remoção para um Presídio, mas como temos um expressivo déficit de vagas no Estado, a cadeia Pública acaba se tornando uma espécie de Presídio, embora sem oferecer condições para tal. Temos um Presídio em Brumado que ainda não foi inaugurado e que não temos notícia e nem previsão de quando será. Se o Presídio Regional de Brumado estivesse funcionando, a situação aqui seria outra. A situação não é pior porque a Justiça, em Brumado, tem sido célere, proferido rapidamente as sentenças, permitindo que os presos sejam transferidos para Vitória da Conquista.
JS – Em média, quanto tempo um preso fica custodiado na carceragem aguardando remoção para o Presídio?
SAMUEL BRUNO PAZ – Cada crime tem o seu trâmite processual, mas acredito que no máximo em dois meses já tem a sentença proferida, embora seja preciso ressaltar que cada caso é diferente, podendo resultar em prazos menores ou maiores que esse.
JS – Há uma preocupação na separação dos presos pelos crimes cometidos ou que são acusados?
SAMUEL BRUNO PAZ – Sim. Até para preservar a segurança deles. Os presos têm suas próprias leis lá dentro. Por exemplo, os presos acusados de estupro ficam separados dos outros, pois se não for feita essa triagem, eles serão agredidos. Isso ocorre não apenas nas Cadeias Públicas, mas também nos Presídios. Isso é um “código de conduta” que eles criaram e está presente em todas as carceragens. Acredito que eles veem a situação das mães, esposas, irmãs, filhas. Eles não querem, sequer admitir, que essas pessoas sejam vítimas desse tipo de crime, que na visão deles é horrendo, por isso há essa separação. Esse é o caso específico que temos, separamos os acusados de estupro dos demais. Os outros ficam juntos.
JS – Quantos Agentes fazem a vigilância e cuidam da segurança da carceragem da 20ª Coorpin?
SAMUEL BRUNO PAZ – Nós trabalhamos com desvio de função, porque é uma função que não é nossa, não fizemos concurso para carcereiro, estamos cuidando disso por ineficiência do Estado que não nos dá um suporte de ter um Presídio para abrigar os presos e pessoal de apoio para cuidar dos custodiados temporários, então somos obrigados a fazer esse papel de carcereiro. Os investigadores de plantão têm de se desdobrar para cumprir suas atribuições e ainda cuidar da carceragem – dar comida, acionar o socorro médico, etc. Há falta de pessoal por ineficiência do Estado de um modo geral, não apenas do Governo do Estado da Bahia, é no âmbito geral. Sempre acionamos a Polícia Militar, que tem sido parceira, para realizarmos as revistas periódicas das celas para verificar se entrou alguma coisa – drogas, telefones celulares, materiais diversos – que geralmente são arremessados de fora do prédio, para prevenir e evitar qualquer problema.
JS – Quantos Policiais Militares acompanham esses procedimentos (revista de celas)?
SAMUEL BRUNO PAZ – Pelo menos oito Policiais Militares nos dão suporte para realizarmos esses procedimentos.
JS – A vigilância da carceragem é feita, como o senhor disse, pelos Investigadores plantonistas. Como é feita a segurança nos horários de banho de sol?
SAMUEL BRUNO PAZ – Os custodiados têm um período de banho de sol, quando eles saem das celas para uma área de luz e ficam durante todo o dia, sendo recolhidos às celas às 17 horas. Nesse período também há a hora do banho, quando são abertas as torneiras para eles tomarem banho.
JS – Como a carceragem está localizada em uma área densamente povoada e com Unidades de Saúde e Escolas em seu entorno, como a Polícia Civil encara, sob o ponto de vista da segurança pública, essa situação?
SAMUEL BRUNO PAZ – Nós compartilhamos do mesmo sentimento de insegurança da população. Temos de estar e estamos sempre atentos e intervimos a qualquer sinal de anormalidade para evitar que não ocorra a explosão desse ‘barril de pólvora’. Em razão disso é que procedemos regularmente às ações de revista das celas e o Serviço de Inteligência se mantém atento para interceptar eventuais e possíveis comunicações entre os presos e pessoas de fora. É, principalmente, pelo trabalho eficiente de revistas periódicas das celas e do Serviço de Inteligência que temos evitado que esse, repito, ‘barril de pólvora’ venha a explodir.
Presos e familiares reclamam das condições da carceragem
JAMILLE AMORIM/FILLIPE LIMA
Exceto os acusados de estupro, que até mesmo para se preservarem e pelo medo explicito que sentem em relação aos demais, os presos custodiados na 20ª Coorpin reclamam da superlotação e das condições da carceragem e cobram solução. Eles, em resumo, reclamam das más condições do local, alegam condições sub-humanas e pedem socorro.
Segundo a companheira de um dos custodiados na 20ª Coorpin, que solicitou tivesse sua identidade preservada, os presos são submetidos a péssimas condições dentro da carceragem. Segundo ela, o espaço é pequeno para abrigar tantas pessoas e o mau cheiro domina o ambiente. Ela disse, também, repetindo o que os presos já haviam afirmado, que a qualidade da alimentação é muito ruim e em pequena quantidade, além de faltar água e até mesmo papel higiênico. “Eles [os presos] são tratados como porcos. Não há como uma pessoa, por mais grave que tenha sido seu erro, sair de lá disposto a recomeçar a vida. Eles saem de lá pior