Quantos boqueirões hão de surgir na vida política brasileira? Poucas vezes vimos tantas “bocas grandes” (para o bem ou para o mal) nas cercanias do Palácio do Planalto. Sucessivamente, ministros, senadores, deputados e toda sorte de gente à-toa estão rasgando o verbo à imprensa num exercício esquizofrênico de suas diatribes. E nesse balaio tem de tudo: ex-ministro esmurrando a tribuna e gritando que não é lixo; tem senador imortal chamando ministra de gorda; deputado alcunhando seus pares de “viado” e “sapatão”; e agora surge o ministro da Defesa dizendo que votou no candidato da oposição e que dentre as ministras do núcleo duro de poder da presidenta Dilma Rousseff, uma seria “muito fraquinha” e a outra seria uma perdida que “sequer conhece Brasília”. Resultado: caiu, perdeu o cargo.
Há duas questões que merecem ser observadas nessa onda verborrágica. A primeira delas reflete um comportamento que vem dominando a sociedade. Ao longo das últimas décadas, diante do universo avassalador e incontrolável da corrupção, uma verdadeira endemia que aniquila o Estado, e da certeza absoluta de impunidade, independente do crime cometido, a República perdeu sua credibilidade junto ao povo, aquele que, por origem e significância, ser-lhe-ia a razão. Eis que, não gozando de qualquer deferência dos cidadãos comuns, o próximo movimento natural é o desarraigamento das noções de respeito, educação e diplomacia entre os próprios cidadãos de poder, aqueles que lá estão para representar a massa já tão incrédula. A política, como ciência ou arte, está na UTI. Restaram ao país a politicagem, a mesquinhez, a súcia de colarinho branco e a camarilha nossa de cada dia a assaltar os cofres da nação.
Observada a primeira questão, eis a segunda: o estabelecimento de uma realpolitik tupiniquim, onde é impossível governar sem uma maioria trambiqueira. Como a coisa pública virou coisa de ninguém, não há mais qualquer critério para o preenchimento de cargos no primeiro escalão dos governos federal, estaduais e municipais. Ministros, secretários, diretores e afins são, em sua maioria, apaniguados dos partidos políticos que sustentam a falsa governabilidade daquele que é majoritário. Por óbvio, não há uma análise curricular criteriosa, um princípio referencial para contratações e nem mesmo uma rápida e essencial consulta de bons antecedentes. A consequência é que qualquer um é nomeado para administrar a coisa de ninguém.
Dito isso, é importante ressaltar que o ex-ministro Nelson Jobim não caiu apenas por suas declarações polêmicas, ainda que descontextualizadas, afinal, num cenário como o supramencionado, falar bobagens é o mínimo que rotineiramente acontece. Ele foi um bom titular para a pasta da Defesa: saneou o Ministério; era respeitado pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica; tinha boa voz junto aos outros países, em especial com nossos problemáticos vizinhos da América do Sul; conseguiu conter a sanha lulista na duvidosa licitação dos caças; e, principalmente, atuava como forte interlocutor, mesmo que nas sombras, entre o governo petista e os partidos de oposição. Até o mês passado, não tinha qualquer indício de ser um perfil problemático para a Presidência da República. Mas os ares mudaram e a casa caiu.
De início, foi teoricamente obrigado a nomear o ex-deputado José Genoíno, réu no processo dos mensaleiros de Lula, como assessor especial de seu gabinete com a desculpa apaniguadora de ser o petista um ex-integrante da famigerada guerrilha do Araguaia. Dias depois, a presidenta Dilma Rousseff anunciou um duríssimo corte no orçamento da União para equilibrar as contas do governo. A área mais afetada com a tesourada da equipe econômica foi justamente o Ministério da Defesa. Por fim, avessa à valsa política, Dilma jamais convidou o ex-ministro para as reuniões onde as decisões são tomadas e isso, em termos de Brasília, é um evidente adesivo de pouca importância e nenhuma influência. Em suma, Nelson Jobim foi literalmente esvaziado por Dilma Rousseff. Considerando a genética garibaldiana do ex-ministro gaúcho, seria difícil imaginá-lo deixando o governo sem que sua queda fosse com armas em punho e canhões disparando. É daí que nascem suas recentes declarações desnecessárias e desrespeitosas.
Por fim, é interessante examinar que todos os três ministros que já caíram no governo Dilma (seja na “faxina” ou não) são remanescentes do pacote polítiqueiro deixado pelo ex-presidente Lula. Em sendo um dos atuais ministros na condição de apaniguado lulista, eu colocaria minhas barbas de molho, porque vem chumbo grosso por aí. Leia-se: os próximos a entrar na lista de “varridos” podem ser Carlos Lupi, do Trabalho; Orlando Silva, dos Esportes; Fernando Haddad, da Educação; Edson Lobão, das Minas e Energia; e o próprio Guido Mantega, ministro da Fazenda. Porque, até agora, diante de tantos boqueirões a vazar sigilos e falar bobagens, fica difícil saber exatamente de onde estão partindo as idiotices fatais: se é o tal “fogo-amigo” da base aliada; ou se é uma articulação aguilhada da presidenta Dilma Rousseff para, com seu estilo intransigente e pouco político, colocar os bois em seus devidos lugares. Ainda que esse lugar seja o olho da rua.