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Caminhada

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– Então você vai se casar outra vez?

“Vou. E tenho certeza que será maravilhoso.”

– Sério mesmo que vai ter coragem de começar tudo de novo?

“Não vou começar tudo de novo. Vou continuar daqui. Não tem jeito de começar de novo.”

– Como não? Claro que tem jeito. Você vai conhecer alguém, começar a namorar, noivar, casar…

“Mas isso não é começar de novo! Quem te disse isso?”

– Se não é começar de novo é o quê, então?

“É continuar de onde se parou. Parei aqui, sozinha e agora vou caminhar com uma nova companhia.”

– O mesmo caminho?

“O caminho da minha vida. Ele é um só. Algumas vezes tem curvas, atalhos, mas é o mesmo caminho, o meu caminho.”

– E o que muda?

“O que muda? Ao longo do caminho algumas pessoas caminharam ao meu lado. Algumas por longos dias, outras passaram rapidamente. Mas foi sempre no meu caminho, na minha vida. Com algumas pessoas, andei lado a lado, com outras, de mãos dadas.”

– E com esse agora? Como será?

“Ah! com esse será com os dedos entrelaçados.”

– Que romântico…

“Espero mesmo que seja muito, que seja realmente bem romântica a caminhada.”

– Você sabe que eu não estou gostando dessa ideia, né?

“Mas por que não? Ele é tão especial, gosto tanto de estar ao seu lado.”

– Não vejo a menor graça na pessoa dele.

“Eu também não vejo a menor graça na pessoa com que você resolveu andar ao lado em seu caminho e nunca te disse nada.”

– Ué? Você não gosta dele?

“Não gosto. Aliás, nunca fui com a cara.”

– Você só pode estar brincando. Sempre o tratou bem, sempre foi tão gentil com ele. Só está falando isso agora porque disse não gostar do seu escolhido.

“Claro que não! Nunca gostei dele, mas sempre te respeitei, por isso o meu silêncio em todos esses anos.”

– Mas você poderia ter me falado.

“Para quê?”

– Sua opinião sempre foi importante para mim, como espero profundamente que a minha tenha algum valor para você.

“Minha querida, olhe bem para mim. Você acha mesmo que com todas as rugas que carrego, e com as inúmeras marcas do tempo que levo para todos os lugares aonde vou, eu me importo mesmo com as opiniões que as pessoas têm sobre a minha vida?”

– Sinceramente, eu esperava que você se importasse.

“Eu me importo quando elas são sobre um assunto relevante, algo sobre minha saúde ou onde vou morar, mas sobre meu namoro?”

– Namoro? Já é namoro?

“Claro! É um namoro. Você acha que sou de brincadeira? Se estou com ele, é para uma caminhada séria.”

– Pelo amor do céu! Daqui a pouco, ele não consegue mais nem ficar em pé!

“Relaxa, quando ele não conseguir mais ficar em pé, a gente senta e continua conversando.”

– Mas ele tem o papo muito ruim!

“Com você, comigo é ótimo!”

– Ele não tem onde morar.

“Eu tenho. Ele pode vir morar aqui quando nos casarmos.”

– Casarmos???

“Você parece que não me conhece. Sou mulher séria, não quero ficar de fuleragem por aí.”

– Mas pensei que era só uma amizade mais aprofundada…

“Já viu alguém namorar inimigo?”

– Ai, meu pai do céu.

“Preciso que você vá, daqui a pouco tenho um encontro com meu noivo e não posso me atrasar.”

– Noivo? Você quer me matar de desgosto?

“Quero matar a minha solidão, só isso. Se você me dá licença, preciso me arrumar. Antes que me esqueça, o seu par, aquele que você escolheu há trinta anos para ser seu companheiro e eu fiz o casamento, é um moço bem distinto. Nunca fui de fato com a cara dele, mas o respeito e admiro como um filho, com cuja cara não vou muito, mas como um filho.”

Disse isso, apoiou-se na bengalinha e deu as costas lentamente a sua filha estarrecida.

“Não se esqueça de trancar a porta ao sair. E você não solicitou, mas que Deus te abençoe. Tchau.”

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 745