Legal ou legítimo?
O grande ex-ministro Pedro Malan tem uma célebre frase para explicar o Brasil: “No Brasil, até o passado é incerto”. Se até o passado é incerto, como seria possível elaborar um bom planejamento para a sua carreira?
É difícil, eu sei, mas se entendermos algumas particularidades da nossa pátria amada, conseguiremos ter uma maior probabilidade de êxito. E, para ajudar você nessa tarefa, caro leitor, gostaria de trazer um importante aprendizado que tive com os mais experientes: no Brasil, é melhor fazer o errado certo, do que o certo errado.
Entenderam?
Confesso que a primeira vez que ouvi, não entendi muito bem suas implicações. O que seria fazer o errado certo? E o certo errado? Fiquei confuso. Depois de alguma pesquisa, cheguei a conclusão que a melhor forma de colocar esse conceito em palavras era: no Brasil, é mais importante fazer o legal do que o legítimo. Ou seja, como temos legislações específicas para quase tudo, toda vez que for tomar alguma decisão, é importante consultá-la. Digo isso, pois há coisas que, mesmo legítimas, isto é, imbuídas das melhores intenções, podem ser consideradas ilegais ou até mesmo criminosas.
Basicamente, pode-se definir legal como o que está previsto na lei, ou seja, o que é legalizado. Já legítimo, que emana da vontade popular, baseando-se no direito, na razão e na justiça. Um exemplo clássico é a questão tributária. Qual seria a melhor forma de planejar sua carreira? Tornar-se funcionário celetista? Abrir um MEI (Microempreendedor Individual)? Ou uma empresa de pequeno porte?
A carreira e os tributos
Quando comecei a trabalhar, após a minha formação, optei por trabalhar na empresa da família por um tempo. Lá, havia a opção do vínculo celetista ou, então, abrir uma empresa para prestar serviços de consultoria. Como tinha em mente atender a outras empresas depois, decidi pela consultoria. Era legal e legítima essa opção. Ao fazer isso, meu contador me aconselhou a adotar o CNAE de consultoria de serviços especializados e a operar fora do SIMPLES Nacional, atuando no chamado lucro presumido. Na época, pagava 13,3% de impostos sobre cada nota fiscal emitida.
Até então, como meu salário era de R$ 5.000, se fosse celetista pagaria 27,5% de imposto de renda. A opção legal de abrir a empresa de consultoria era mais vantajosa frente a do vínculo empregatício. Isso, na lógica de um recém-formado que sonhava em empreender. Tempos depois, fui aprender que poderia utilizar a opção de serviços administrativos em meu CNAE, já que era basicamente o que fazia aos meus clientes. Essa modalidade significava uma alíquota de 6% ao ano, pela minha faixa de faturamento. Perceberam o imbróglio entre o legítimo e o legal?
Qual deveria ser a alíquota a ser paga? Para exercer a mesma atividade, cumprindo
todos os requisitos legais, eu poderia pagar de R$ 3.900 em impostos por ano até R$ 17.875. Ou seja, o planejamento tributário me renderia R$ 13.975 a mais por ano. Para alguém em começo de carreira, você pode imaginar o impacto.
Como havia optado pela consultoria, acabei recolhendo R$ 8.645, R$ 4.745 a mais do que o mínimo legal permitido para minha atividade. Na época, para reforçar o orçamento, dava aulas na Engenharia de Produção durante as noites ao valor de R$ 22 por hora. A falta do conhecimento legal me custou 215 horas-aula, ou 71 dias de trabalho, se preferir. Portanto, caros leitores, se tivesse investido uma semana toda, ou seja, 40 horas estudando legislação tributária, teria economizado 215 horas de aulas de que dei. Para facilitar, o estudo teria um retorno de 5,3 vezes.
Se houvesse optado pelo MEI, a partir de 2008, pagaria somente R$ 77 mensais, ou seja, R$ 924 por ano. Nessa comparação, paguei R$ 7.721 a mais – ou 350 horas-aula. Para exercer a mesma atividade no Brasil, o impacto tributário é enorme. Um mesmo profissional poderá acumular quase R$ 650 por mês, 10% do valor do faturamento mensal.
Antes de empreender, calcule
Eu sei, pelos comentários e respostas que chegam até mim, que muitos de nossos leitores e alunos são consultores individuais. Por isso escrevi esse texto, lembrando do mote que aprender com o erro dos outros é melhor e dói menos do que com nossos próprios.
Por fim, reforço mais uma vez: façam contas. No Brasil, estudem muito as peculiaridades tributárias dos seus negócios. Focar no legal é algo que valerá muito o investimento de tempo, pois qualquer negócio que parta com 10% de desvantagem frente aos concorrentes, terá mais dificuldade de se estabelecer no longo prazo.
E por último, fujam dos atalhos. Nunca soneguem os impostos. É ilegal e ilegítimo. Além, é claro, de gerar uma vantagem econômica desleal e de vida curta, que o impedirá de crescer e alcançar seus sonhos.