Já sentiu saudade?
Saudade é uma doença que ataca quem é picado pelo Aesaudes.
É um bichinho miudinho, bem miudinho, que se multiplica em larga escala nos meses de novembro e dezembro.
Durante o restante do ano também é encontrado, porém em menor quantidade.
Ele chega assim, sem ser visto, como quem não quer nada e pica lá longe, em um cantinho esquecido que você só se lembra que tem quando ele dói, tipo lá perto do tornozelo.
Como sua picada é indolor e não causa vermelhidão, calombo ou febre a criatura nem fica sabendo que está infectada, a não ser quando os primeiros sintomas aparecem:
Você ouve uma música e lembra que um dia, lá longe escutou aquela mesma canção com alguém.
Vê a propaganda de um filme da Sessão da Tarde e se recorda que aquele filme assistiu no cinema com a mesma pessoa de quem se lembrou quando a música tocou.
Aí, no outro dia, sem ter nem pra quê, sente um perfume e de novo outra vez se lembra do ser agora distante.
Mas aí vem o golpe final: é quando você vai dormir sem nem lembrar que a tal pessoa existe e sonha com ela.
Putz!
Quando isso acontece é o fim, faz-se necessário tomar uma providência!
Corre atrás de descobrir o número do telefone, pois esse sintoma já é de quem encontra-se em estágio terminal de saudade.
Você acha o número entra em contato com o motivo da sua doença.
Aproveita o ensejo e chama também a galera que andava junto com vocês.
Marcam de sair.
Quando se encontram são mil e um beijos trocados, abraços apertados.
E conversa vai, conversa vem, conversa para.
Em dado momento você se vê mexendo no telefone e quando se dá conta do fato, envergonhado, levanta a cabeça para descobrir que todos, assim como a sua pessoa, estão com a cara enfiada no telefone.
O que é isso, meu Pai do céu?
Tanto tempo sem ver o povo e agora que enfim se reúnem só temos corpos presentes?
Cadê a atenção?
Onde foi parar o coração?
Será que dez minutos é tempo suficiente para curar a doença?
Ninguém consegue ficar realmente onde está?
Você dá um grito, joga seu telefone no centro da mesa e decreta:
“Joguem todos seus telefones no centro da mesa. Agora!”
Incrivelmente todos obedecem.
Você, turbinado com sua água com gás continua:
“O primeiro a tocar em um telefone essa noite, paga a conta.”
Ruidosamente todos concordam e trazem o coração para junto do corpo.
E assim, recarregados, todos são capazes de viver mais uma temporada, até o próximo ataque de Aesaudes.
Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz ás segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.wordpress.com