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Cem anos do rádio no Brasil: o nascimento do radiojornalismo

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Por: Por Sumaia Villela / Repórter da Agência Brasil 

 

Basta um celular e um bom repórter. A combinação desses dois elementos, ligados a uma emissora de rádio, transporta o ouvinte para o local da notícia, no momento em que o fato acontece. Sem grandes estruturas, sem necessidade de publicar. O jornalismo de rádio é o rei do imediatismo. E sua história se confunde com os principais acontecimentos políticos que moldaram o país.

Do impresso ao falado

No início, era o jornal impresso. Na década de 1920, esse era o meio de informação reinante na sociedade antes do rádio e da televisão – mesmo se tratando, à época, de um país com 65% de analfabetismo na população de 15 anos ou mais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E foi o jornal que, mesmo depois do início das transmissões regulares de rádio no Brasil, continuou dando o tom das notícias. Mas, agora, ele era lido para quem pudesse ouvir.

Foi na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que entrou no ar em 1923 e é tida como a primeira emissora oficial do país, que o radiojornalismo teve início. Com papel essencialmente educativo, a rádio também reservou lugar para informações jornalísticas. Roquette-Pinto, fundador da Sociedade e intelectual de múltiplas formações, apresentava os noticiários – o primeiro deles o Jornal da Manhã.

Nessa época, no entanto, não havia produção própria de notícias para o rádio: a fonte era o impresso. As reportagens eram lidas no ar por Roquette-Pinto, como posteriormente foi feito por outras emissoras na fase dos jornais falados. No caso dele, porém, com sua ampla bagagem cultural e interesse por diversas áreas do conhecimento, o conteúdo extrapolava as linhas impressas e ganhava contexto nas ondas do rádio.

“Era a partir da leitura dos jornais, mas ele complementava com informações que ele buscava e entrevistas que fazia. Ele procurava contato com as fontes das notícias dos jornais. Então a gente pode identificar o Roquette-Pinto como um dos precursores da reportagem radiofônica”, afirma a coordenadora da Rede de Pesquisa em Radiojornalismo e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Valci Zuculoto.

Roquett-Pinto
Roquette-Pinto – Acervo EBC

Gilette press

Com a multiplicação de emissoras de rádio no país, mais jornais falados foram criados. Um símbolo desse primeiro período foi o “gilette press”, nome jocoso dado à técnica desenvolvida para tirar locutores de saias justas ao lerem no ar termos próprios do jornal impresso e que não faziam sentido por voz. Também chamado de “tesoura press”, a técnica consistia em recortar as notícias dos jornais impressos retirando os trechos que não deveriam ser lidos no ar e ordenando o conteúdo para facilitar a vida do locutor.

“O locutor, distraído, lê para o ouvinte a notícia que termina com um infalível ‘… continua na página x’, ou então ‘… como se pode ver na foto ao lado’, etc. Tentando evitar os riscos que esse procedimento representava e solucionar o problema, passou-se a utilizar o recurso”, explicou, em sua tese, a professora Gisela Swetlana Ortriwano, já falecida, uma das principais pesquisadoras do rádio no Brasil.

Cobertura esportiva

Mas nem só de “copia e cola” eram feitos os primórdios do radiojornalismo, que, aos poucos, perde a formalidade das notícias políticas e cai em campo com os narradores esportivos. Mesmo que ainda não tão profissionalizado, como ressalta Valci Zuculoto, esses profissionais podem ser encarados como os precursores do repórter de rádio.

Embora outras competições esportivas, como remo, também despertassem o interesse do rádio, foi sobretudo a cobertura do futebol que se destacou nesse meio de comunicação. E não faltam anedotas. “Eles faziam o trabalho da forma mais inusitada, como Amador Santos [considerado o primeiro locutor de futebol], que foi impedido de entrar no estádio para fazer a cobertura de uma partida do Fluminense. Ele então subiu no telhado de um galinheiro de uma casa próxima e, a partir de lá, narrou a partida”, conta a professora.

Revolução constitucionalista

Outro marco citado por Gisela Ortriwano se deu em 1932, na chamada Revolução Constitucionalista de São Paulo. A Rádio Record realizou ampla cobertura do episódio, abertamente a favor dos revoltosos paulistas. O conteúdo era editorial, com a conclamação ao povo para se somar à mobilização, o que rendeu à emissora o apelido de “A Voz da Revolução”, segundo Ortriwano.

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de livros que são referência no estudo do rádio no Brasil, Luiz Artur Ferraretto, contesta que essa cobertura possa ser enquadrada como jornalística. “Eu não concordo com essa ideia. Na realidade, a Rádio Record é um dos capítulos do uso político da rádio. [A cobertura] não tem nada de jornalismo, é propaganda.”

American way of news e o repórter na rua

É no bojo de outro capítulo histórico – a Segunda Guerra Mundial – que chega ao rádio brasileiro um jornal que mudaria a forma com que as notícias são apresentadas ao público. Um noticiário que, segundo os estudiosos, é o dono da maior credibilidade já conquistada por um programa de rádio no país: o Repórter Esso . O programa fez parte de uma política de aproximação com os Estados Unidos, e era dedicado, em sua primeira fase, a dar notícias da guerra. Seu formato marcou o radiojornalismo brasileiro e rendeu algumas das melhores histórias do rádio.

Apesar das mudanças introduzidas pelo Repórter Esso no radiojornalismo, o marco decisivo reside na figura do repórter, na avaliação de Luiz Artur Ferraretto. “O jornalismo no Brasil vai engatinhar durante muito tempo até surgir de fato. E vai surgir, se formos analisar a rigor, com o repórter. Alguns vão falar da revolução do Repórter Esso, e é verdade. Mas ele não conta com o repórter: a produção de notícias é por uma agência e dentro do interesse da Esso, dentro da política de boa vizinhança nos Estados Unidos.”

Para Ferraretto, o jornalismo de rádio começa a se constituir de fato em dois momentos: primeiro, na Rádio Nacional, no final dos anos 1940, quando é criada a Seção de Jornais Falados e Reportagens, idealizada por Heron Domingues (vale citar outra redação que surgiu na mesma época: a do Grupo Globo), e, depois, com mais força no início dos anos 1950, quando a Rádio Continental passa a ter repórteres na rua.

Heron Domingues
Heron Domingues – Arquivo Nacional/Imagem do Fundo Correio da Manhã

A professora Valci Zuculoto considera esse um momento fundamental para a produção jornalística de rádio. Os avanços tecnológicos da época, especialmente o transistor, permitiram que as transmissões fossem feitas do local dos fatos. E foi isso que a Continental fez. Batizados de Comandos Continental, as unidades móveis de transmissão mudaram a forma como se produzia notícia.

“Eles criaram equipes que saíam para fazer reportagem em carros dotados de equipamentos que podiam fazer a transmissão. Não precisavam ligar para a emissora e pedir para gravar. A partir daquela unidade externa eles falavam ao microfone como se estivessem em estúdio”, conta a pesquisadora. Os microfones, aliás, estão longe do que conhecemos hoje: eram grandes, pesados e davam mais trabalho para usar.

As eleições de 1960

Um momento emblemático da cobertura jornalística do país é o levantamento feito em 1960, em uma combinação de esforços da Rádio Nacional com a Rádio Guaíba, de Porto Alegre, em torno das eleições presidenciais que culminaram com a eleição de Jânio Quadros para presidente e João Goulart para vice. A Rádio Guaíba tinha feito uma cobertura intensa das eleições do Rio Grande do Sul, em 1958 – trabalho comandado pelo jornalista Amir Domingues, primo e cunhado de Heron Domingues, da Rádio Nacional. Dois anos depois, as duas emissoras, então, articularam a cobertura nacional a partir do que havia sido feito pela Guaíba. Profissionais percorreram o país inteiro para estabelecer que tipos de circuitos e ondas de rádio poderiam ser usados para transmissão de dados para fazer uma apuração paralela à da Justiça Eleitoral. “É um marco do jornalismo numa época em que a televisão já estava presente, mas não tinha se desenvolvido ainda”, pontua o professor Luiz Artur Ferraretto.

Controle rigoroso

Essa exitosa caminhada acabou por minguar durante a ditadura militar, iniciada em 1964. As transmissões ao vivo foram cada vez mais controladas e, depois de algum tempo funcionando com rigorosa vigilância, a reportagem da Continental chegou ao fim.

É nessa época em que a história do radiojornalismo começa a ficar pulverizada, e há dificuldade de se encontrar detalhes sobre grandes inovações ou marcos. A guinada ocorre justamente quando radiojornalismo se firmava como a aposta do rádio, depois que o meio de comunicação perdeu o entretenimento, os grandes investimentos, estrelas e contratos e publicidade para a televisão.

O professor Luiz Artur Ferraretto afirma que foi especialmente depois de 1968 que a situação ficou mais difícil. “Até o AI-5 [Ato Institucional nº 5], as emissoras ainda conseguiam fazer algum jornalismo, mas depois o silêncio passa a ser a norma. As rádios recebem comunicados dizendo que tais fatos estão proibidos. Daí em diante, os avisos vêm por uma ligação de agentes de segurança. Nesse contexto, é impossível fazer jornalismo. Ele começa a voltar no fim da década de 1970, quando passa a ser desconstruído o arcabouço de repressão”.

É o início de um novo capítulo do radiojornalismo no Brasil.

 

 

Foto da capa:  Acervo da Rádio Nacional/EBC

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