Os escritórios ainda desempenham funções importantes, como garantir equidade, fortalecer a cultura empresarial e manter vida profissional e pessoal separadas. Empresas também vêm investindo em escritórios atrativos; criando espaços flexíveis e que oferecem diversas amenidades aos colaboradores
Por: Marina Martini (Dialetto)
Qual é o papel – e a importância – dos escritórios no mundo corporativo pós-Covid 19? “A tendência é que o espaço físico da empresa seja visto, cada vez mais, como um lugar onde se pode desenvolver relacionamentos profissionais e fazer trocas mais efetivas de ideias”, diz Odile Aidar, Diretora Comercial da empresa de arquitetura corporativa Spaceplan. “Para muita gente, o escritório também é um espaço de socialização. Para outras pessoas, ao contrário, é um lugar onde elas conseguem se isolar e se concentrar melhor – caso de quem não mora sozinho ou tem crianças em casa, por exemplo. Cada um sente falta do escritório por um motivo específico.”
Justamente em função da pluralidade de demandas e dos diferentes pontos de vista dos colaboradores a respeito do trabalho presencial ou em home office, Mário Verdi, CEO da empresa de gestão do workplace Deskbee, diz que é importante preservar a flexibilidade: “É fundamental dar voz aos colaboradores e levar em consideração suas opiniões e necessidades, tendo em mente que cada pessoa tem um background diferente”, ele afirma.
Mas quais são, então, as principais funções de uma sede física no mundo de trabalho pós-pandemia?
Estimular a inovação e a colaboração
Qualquer um que já esteve em um cargo presencial sabe que muitas ideias surgem em conversas nos corredores, durante o almoço, ou simplesmente a partir de um comentário feito com a pessoa trabalhando ao seu lado. “Escritórios são uma ponte de colaboração entre as pessoas, e devem ser redesenhados para privilegiar encontros”, afirma Mário Verdi, da Deskbee. “É um erro achar que as pessoas vão querer ir ao escritório para fazer tarefas que demandam apenas foco, trabalhando individualmente em um computador; mas a coisa muda quando estamos falando de tarefas que exigem interação.”
Recentemente, Gianpero Petriglieri, professor do INSEAD (Instituto Europeu de Administração de Empresas), publicou um artigo na Harvard Business Review em que afirma que o trabalho 100% remoto pode estimular duas tendências nocivas: o “presenteísmo”, em que o colaborador permanece conectado (mas sem estar necessariamente produzindo) apenas para ser bem avaliado por gestores; e o “neotaylorismo”, em que mesmo demandas que deveriam ser criativas e intelectuais são reduzidas a uma espécie de linha de produção online. Na análise do especialista, esses fatores podem contribuir para a mecanização e a desumanização do trabalho.
Manter a cultura empresarial
As experiências dos colaboradores no dia a dia do escritório influenciam a reputação de uma empresa e sua capacidade de atrair e reter talentos. É mais difícil implementar atividades e práticas destinadas a criar uma cultura empresarial forte sem um espaço físico que concentre tudo isso. Além disso, interagir pessoalmente com colegas – falando não apenas de trabalho, mas, eventualmente, compartilhando experiências e problemas pessoais – fortalece conexões, criando uma sensação de pertencimento e incentivando o espírito de equipe.
Renato Navas, Head de People Success da Pulses, startup que tem soluções de medição contínua de clima organizacional, explica: “Naturalmente, quem estiver trabalhando presencialmente vai acabar tendo mais convívio com o ‘calor humano’ de compartilhar aquele ambiente com outras pessoas que não a própria família, como é o caso de quem permanece em home office.” Ele comenta que, por essa razão, empresas que atuam no modelo híbrido, por exemplo, precisam “tomar medidas para que todos estejam sempre na mesma página, recebendo as mesmas informações e materiais de trabalho, participando igualmente na tomada de decisões e sendo atualizados ao mesmo tempo sobre as novidades da empresa.”
Impactar a percepção física da marca
Empresas podem comunicar suas identidades, valores e pilares éticos por meio de sua sede física – o que é percebido por funcionários e também por eventuais parceiros, clientes e visitantes. Além do reforço de identidade de marca, esse processo também ajuda na atração de talentos e mesmo no fechamento de novos negócios e oportunidades.
Garantir equidade
Nem todos os trabalhadores têm, em casa, as condições ideais para desempenhar suas tarefas – de equipamento a uma boa conexão de internet, passando por uma escrivaninha e cadeira adequadas, e mesmo ausência de interrupções. Um escritório disponível durante toda a semana a quem quer que, por um motivo ou outro, precise trabalhar na sede física da empresa assegura que todos os funcionários tenham condições adequadas para realizar suas funções.
Manter vida profissional e vida pessoal separadas
Um artigo publicado em julho de 2021 pela Ernst & Young, empresa multinacional de serviços profissionais, dividiu os trabalhadores em dois perfis: “segmentadores”, aqueles que mantém períodos de trabalho e períodos de folga claramente separados; e “integradores”, aqueles que parecem sempre estar entre as duas coisas, ou fazendo ambas ao mesmo tempo.
Segundo a EY, os segmentadores conseguem se concentrar com tranquilidade na vida pessoal, mesmo quando a vida profissional está em uma fase estressante (ou vice-versa); e também têm mais facilidade em “se desligar” mentalmente do trabalho ao fim do expediente. Integradores têm uma maior tendência a sofrer stress ou burnout, por se sentirem trabalhando o tempo todo – e podem se beneficiar de uma distinção mais clara entre vida profissional e vida pessoal, na forma da separação física fornecida pelo escritório.
Muito mais que um escritório
Se, por um lado, há trabalhadores que não veem a hora de retornar ao escritório, há outros que preferem não ter que encarar o trânsito das grandes cidades (ou sequer tirar o pijama) para poder trabalhar. Pensando nestes últimos, cada vez mais empresas têm investido em escritórios cheios de atrativos – que incluem não apenas prédios modernizados e diferentes espaços para diferentes demandas, mas também serviços de conveniência e até cuidados como salão de beleza e sessões de yoga ou massagem.
A Stoque, empresa de soluções de automação digital para processos e documentos, é um exemplo dessa tendência: a companhia inaugurou no mês de março sua nova sede no centro de Belo Horizonte (MG). O diferencial é que o escritório fica em um espaço onde funcionava um antigo teatro, fechado há mais de 10 anos. O local foi totalmente revitalizado e projetado para oferecer aos colaboradores um ambiente moderno, integrado e adaptado ao modelo híbrido de trabalho. “A escolha desse importante espaço para a cidade reflete a cultura e valores da empresa. Poder receber o nosso time em um ambiente mais dinâmico e ainda cheio de história é um presente”, ressalta Thiago de Assis, CEO da Stoque.
O projeto aplicou conceitos da neuroarquitetura e biofilia (ou seja, usando elementos da natureza) para construir ambientes amplos e integrados. Logo na entrada, parte da arquibancada foi transformada em uma praça, com uma jabuticabeira e assentos descontraídos. O restante da plateia recebeu estações de trabalho, enquanto os camarins foram transformados em salas de reuniões, diretoria e espaço de convivência. No terceiro andar, foi criado um terraço, com ambiente para relaxamento, eventos e descompressão. A antiga cafeteria do teatro também foi recuperada. No total, são 230 posições de trabalho e quatro salas de reuniões, que os mais de 420 colaboradores podem reservar, via aplicativo, para determinados dias e horários, conforme a necessidade.
Na WK, empresa referência em softwares de gestão empresarial (ERP), a decisão de adotar o modelo híbrido veio, principalmente, em função dos funcionários mais jovens. A empresa até então nunca tinha experimentado o home office, mas viu o trabalho a distância aumentar a produtividade e o índice de satisfação dos colaboradores. “Nosso time de desenvolvimento é bastante jovem, e muitos produzem melhor fora do escritório. Nós percebemos que a opção foi e é muito aderente para alguns colaboradores, então entendemos que o formato funcionou e que trabalhamos muito bem também dessa forma”, destaca Cláudia Rutzen, diretora administrativa da WK.
Para fazer essa mudança, a empresa adotou uma mentalidade remote first, com todas as iniciativas, como reuniões, eventos e ações comemorativas, prevendo que parte dos colaboradores estão em casa. E, mesmo para quem prefere voltar ao escritório, ainda dá pra ter um gostinho de estar em casa: na sede, é totalmente permitido (e encorajado) trabalhar de pantufas, chinelos e roupas confortáveis, além de ser possível levar seu pet. “Queremos possibilitar que cada um, baseado nas suas necessidades pessoais e especificidades das suas condições, possa fazer a melhor escolha sobre como quer trabalhar”, finaliza Cláudia.