A Menina adolescente conta ao pai um acontecido com o amigo.
No dia seguinte, outro acontecimento.
No terceiro dia um elogio ao Garoto.
E assim vai.
A cada dia uma história, um elogio, uma gargalhada envolvendo o dito.
Tão engraçado, tão inteligente, tão lindo!
De uma hora para outra desaparece.
As histórias somem e não se escuta mais falar nada do rapaz.
“Cadê aquele seu amigo?”
– Que amigo? Eu não tenho amigo.
“Como assim não tem amigo, menina? E aquele Garoto que até semana passada era tão engraçado, tão inteligente, tão lindo?”
A Menina olha o pai como quem vê um alienígena:
-Ué, ele tá lá.
O pai, um tanto admirado:
“ Você passou dias e dias falando nele e agora simplesmente: “Ele tá lá”? Está lá aonde?”
– Aaa pai. Está cuidado da vida dele. Acho que está bem, já me mandou mensagem hoje de manhã.
“O que aconteceu que você nunca mais falou nele?” – o pai curioso insistiu.
A mocinha faz a cara mais desiludida desse mundo e dispara:
– Ele me mandou uma carta.
“Que bacana. Uma carta? Nunca mais ouvira falar de alguém enviando cartas.” – falou admirado.
– Bacana o quê, pai? – falou a Menina arregalando os olhos .
“O Garoto te mandou uma carta. Isso é muito legal. Já sei! Tem muito erro de português? É isso?”
– Não! Ele acabou de passar em um vestibular concorrido, tirou nota máxima na redação.
“O garoto é gente boa, inteligente, lindo, engraçado, acabou de passar no vestibular e ainda manda carta? Qual o problema do rapaz?”
A Menina sentada na ponta do sofá, completamente ereta, em posição de ataque, respondeu falando rápido e gesticulando como se quisesse convencer uma multidão:
-Pai, você não está entendendo. O Garoto me entregou uma carta que tinha no final um coração desenhado. Ele desenhou um coração! E tem mais!
“Que coisa mais linda, minha filha. Ele é romântico!”
– Romântico? Que romântico coisa nenhuma. – continuou revoltada- Ele é um bocó. Além da carta, eu não te falei, mas outro dia ele mandou flores, bombons. E depois de toda essa marmotada ele agora apareceu com a conversa que quer te conhecer!
“Conhecer a minha pessoa? Pra quê?”
– Então, pra quê? – ar desiludido tomou conta da sua expressão – Eu também queria saber o motivo de tamanho interesse dele no meu pai. Mas dia desses ele me revelou.
“Conta! Conta!”
– Ele quer falar com você.
“Falar o que, minha gente?”
– Que ele quer me namorar!
O pai a essa altura já estava em pé, empolgação proporcional ao desinteresse da Menina:
“Que coisa mais linda. Quando iremos nos conhecer?”
A Menina indignou-se:
– Coisa mais linda, não é ? – falou com sarcasmo – Já pensou ? Todo mundo sabendo que o Garoto me pediu em namoro ao meu pai? Eu ia morrer de vergonha. E além do mais ele desenhou um coração no pé da carta!
O pai, visivelmente espantado:
“Eu não te entendo. Simplesmente não te entendo! Você falou dias e dias que ele é engraçado, inteligente e lindo. Agora me conta que mandou flores, bombons e carta. Detalhe importante: carta sem erro de português, coisa rara nos dias de hoje, e exatamente por isso você não mais se interessa pelo rapaz? Explique a esse velho pai o que se passa em sua cabecinha, minha filha, explique!”
A Menina até então empoada se encolhe no sofá como se uma gata fosse e dispara:
– É por isso mesmo pai, esse modelo não existe mais, então não tem manual de uso nem peça para reposição. Melhor fugir enquanto é tempo.
Ao pai admirado só restou se conformar:
“Mulheres, cada geração entendo menos.”