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Cuidados paliativos: hospitais SUS encontram alternativas e se tornam referência no acolhimento a pacientes com doenças graves

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Apenas 5% dos hospitais com mais de 50 leitos do país têm equipes capacitadas nesse tipo de tratamento; 50% deles são públicos

Por: Central Press

Todos os dias eles se dedicam a respeitar o tempo da morte, a lembrar que cuidar é mais importante que curar e a questionar-se sobre prolongar a vida ou aceitar o fim. Situações assim se repetem na rotina de profissionais da saúde que trabalham nos cuidados paliativos do Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR). Quem chega para receber esse atendimento, muitas vezes tem poucas chances de cura, mas ao entrar nos corredores do hospital, logo se surpreende. Num lugar onde a morte é encarada de frente, há sempre alguém contando uma história e perto de quem ama. A tristeza é amenizada pela convicção de que não se está sozinho, nem para enfrentar a dor física da doença nem para lidar com a dor psíquica da proximidade da morte.

Diante de uma doença incurável ou de um diagnóstico pessimista, é possível ter esperança e conforto. Um estudo americano que analisou a evolução de pessoas com câncer de pulmão avançado mostrou que aquelas que receberam cuidados paliativos precocemente, associados ao tratamento usual da doença, tiveram melhor qualidade de vida e menos sintomas depressivos do que as que receberam só a terapia convencional. E, apesar de ter se submetido a menos procedimentos agressivos no fim da vida, o grupo dos paliativos viveu quase três meses a mais. O experimento foi considerado um divisor de águas e influenciou a Sociedade Americana de Oncologia Clínica a recomendar a introdução dos cuidados paliativos ainda na fase do diagnóstico.

É provável que boa parte das pessoas ainda não saiba o que são cuidados paliativos ou só entenda a sua real necessidade após receber o diagnóstico de uma doença grave. A prática é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a assistência promovida por uma equipe multidisciplinar de saúde que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, da avaliação e do tratamento da dor e demais sintomas físicos, psicológicos e espirituais. “São medidas que devem ser feitas em conjunto com outras especialidades e o tratamento é indicado para qualquer paciente portador de doença grave, progressiva e crônica, não apenas próximo de sua morte”, explica a médica clínica-geral no hospital de Curitiba, Larissa Hermann Nunes.

Em todo o mundo, anualmente, estima-se que mais de 56,8 milhões de pessoas necessitem de cuidados paliativos, incluindo 31,1 milhões com doenças graves e progressivas e 25,7 milhões perto do fim da vida, de acordo com o Atlas Global de Cuidados Paliativos, publicado em 2020 pela Organização Mundial da Saúde e pela ONG Worldwide Palliative Care Alliance. Já no Brasil, em cada dez habitantes, nove enfrentam uma doença grave antes de morrer. E isso pode significar um longo e cruel percurso de sofrimento. Nesse cenário, ainda é escasso o acesso a serviços de cuidados paliativos no país, com apenas 191 unidades. Estima-se que somente 5% dos 2,5 mil hospitais com mais de 50 leitos oferecem cuidados paliativos. 50% deles são públicos. Os dados são do Atlas dos Cuidados Paliativos no Brasil, publicado em 2019.

Paciente como protagonista

“Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudar o paciente a morrer em paz, mas também para que ele tenha conforto até o dia de sua morte.” A frase da médica Daniela Thomaz resume a abordagem que coloca o paciente com doença incurável no cerne do cuidado, respeitando até o último momento os seus desejos e a sua individualidade. E essa é uma das vertentes do trabalho que ela realiza na enfermaria de clínica médica do Hospital Universitário Cajuru, de atendimento 100% SUS. “De tempos em tempos, são realizadas reuniões para melhorar o serviço e trocar aprendizados. Hoje, nosso hospital é referência nos cuidados paliativos na capital paranaense”, conta a profissional que atua junto à coordenação de cuidados paliativos da instituição.

Falar sobre a perspectiva da finitude, sobretudo no Brasil, ainda é tabu. Mas é preciso abordar a questão e olhar o paciente de uma forma mais humana, compartilhando suas dores. “Cuidar com qualidade passa por detalhes corriqueiros e por questões logísticas, como liberar o horário de visitas na UTI, pois o convívio afetivo melhora o desânimo e os desconfortos. E até por pequenas extravagâncias, como proporcionar um jantar especial a um idoso internado que está celebrando o aniversário”, relata a médica Larissa Hermann.

Os princípios dos cuidados paliativos são aliviar a dor, não antecipar a morte, respeitar escolhas e apoiar famílias. Para alcançá-los, o Hospital Universitário Cajuru lança mão de diversas abordagens, entre elas, as terapias com voluntários do grupo Anjos Solidários e cães da ONG Amigo Bicho, com interações que trazem ganhos importantes para pacientes. “O objetivo principal é humanizar o atendimento e dar dignidade em todas as fases de uma doença. Há casos em que o paciente, já sem esperança e vontade de viver, melhorou com os cuidados que recebeu, e muitos, até conseguem receber alta para voltar para casa”, conta a clínica-geral Daniela Thomaz.

Nessa perspectiva, a espiritualidade pode ser um suporte importante para o enfrentamento do luto dos familiares diante do processo de adoecimento do paciente. Oferecer auxílio espiritual, independentemente da opção religiosa, é essencial para minimizar as dores do corpo e da alma. “A parte espiritual é um dos setores mais profundos do ser humano e se torna ainda mais importante num momento como esse. Por isso, não nos preocupamos apenas com a parte física, mas também com a emocional. Ao se sentir cuidado, a melhora do paciente já é perceptível”, explica o analista de pastoral do Hospital Universitário Cajuru, Tiago Machado.

“Receber o diagnóstico de uma doença grave, não significa abrir mão da qualidade de vida”, complementa Tiago. Mas é preciso fazer algo que quase ninguém quer fazer: pensar sobre a própria morte e se programar para ela. ”Conversamos com pacientes e familiares para ajudar a encontrar significado na dor e num momento tão delicado. Mesmo com pouco tempo para a preparação, fazemos de tudo para acolher a família. E, aos poucos, mostramos que pensar em como queremos morrer faz parte do viver”, encerra.

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