Da Redação
João Teixeira de Faria, o médium João de Deus, até o início do último mês de dezembro atendia milhares de pessoas na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO). Turistas, brasileiros e de todo o mundo, estiveram na Casa Dom Inácio de Loyola para serem atendidos pelo “homem santo”. No rol dos fiéis que buscaram a cura física e espiritual em Abadiânia (GO) estão celebridades internacionais, como a atriz americana Shirley MacLaine; a apresentadora de televisão, atriz e empresária norte-americana Oprah Winfrey e a supermodelo e atriz britânica Naomi Campbell. Há também, nos registros da Casa Dom Inácio de Loyola, uma lista de políticos, empresários, artistas e intelectuais brasileiros, entre os quais o empresário e político Paulo Skaf; os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Vana Rousseff e Michel Miguel Elias Temer Lulia; o deputado federal mineiro Aécio Neves da Cunha; o publicitário Nizan Mansur de Carvalho Guanaes Gomes; o ex-jogador Ronaldo Luís Nazário de Lima; a apresentadora de TV Maria da Graça “Xuxa” Meneghel; a cantora Wanessa Godói Camargo Buaiz e a artista plástica Marina Abramovic.
A fama e a crença de milhares de pessoas no médium João de Deus, cuja imagem de “homem santo” foi construída ao longo dos últimos 44 anos, foi colocada sob suspeita e transformou-se no maior escândalo sexual dos últimos anos, muito maior e mais repugnante, inclusive, que o protagonizado pelo médico Roger Abdelmassih, na medida em que explorou a fé de pessoas desesperadas, algumas buscando a cura para o câncer, começou a ser desmascarada na noite da sexta-feira, 7 de dezembro de 2018, quando o jornalista Pedro Bial revelou em seu talk show, na Rede Globo de Televisão, a história de dez mulheres que acusavam o médium de assédio sexual. Uma, inclusive, não se constrangeu em mostrar o rosto, a coreógrafa holandesa Zahira Lieneke Mous, que deu um depoimento estarrecedor. “Ele abriu a calça, colocou a minha mão no pênis dele e começou a movimentar a minha mão. Eu estava em choque” – e ele disse: “não é tesão, mas preciso te curar e aí ele me penetrou por trás”, apontou a holandesa.
Os depoimentos ao jornalista Pedro Bial foram a senha para que se multiplicassem os relatos de abusos praticados pelo “homem santo” de Abadiânia (GO). Ás vésperas do Natal, o Ministério Público de Goiás, que formou uma força-tarefa para acompanhar o caso, já havia recebido 596 relatos por e-mail denunciando o médium, desses, 255 de potenciais vítimas, segundo os Promotores de Justiça que cuidam do caso. E as denúncias não param de chegar aos Promotores de Justiça e Delegados da Polícia Civil que cuidam das investigações. Além de mulheres de diversos Estados do Brasil, a força-tarefa do Ministério Público de Goiás já recebeu relatos provenientes de Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Suíça e Bolívia contra o médium. Até a sua filha Dalva Teixeira o denunciou, dizendo que ele abusava sexualmente dela desde os 11 anos de idade.
Que lições podemos tirar do que até agora se sabe sobre os supostos abusos praticados pelo médium João de Deus? A principal, talvez, seja a que nos convida a uma reflexão sobre o respeito à vítima e à religiosidade. Confirmada uma das centenas de denúncias, restará comprovado que a conduta do homem que usou o nome de Deus para praticar os atos libidinosos não deve ser usado como pretexto para colocar no banco dos réus a doutrina espírita, da mesma forma que não devem prosperar os questionamentos às religiões católica e evangélicas em razão dos desvios de conduta e dos abusos sexuais praticados por padres e pastores.
Que os abusos sexuais praticados pelo médium “João de Deus”, que estão sendo denunciados, sirvam de alerta e para uma reflexão. O alerta é para que as pessoas, mesmo quando já não existirem mais esperanças na Medicina e no aparato tecnológico disponível, não se deixem levar por “promessas” de deuses e profetas que estão em toda parte prontos para “vender ilusões”. E a reflexão é no sentido da necessidade das pessoas, independentemente da fé que professem, entender que as religiões são conduzidas por seres humanos, portanto, seres imperfeitos e sujeitos a cometer toda sorte de desregramentos morais e físicos.
Com objetivo de aprofundar na reflexão em torno do “escândalo do médium, de Abadiânia”, o JS convidou mulheres de diversos segmentos da sociedade para comentar o caso. Sete aceitaram o convite. Confira os depoimentos:
MARCELLA LUIZA DE CARVALHO LACERDA,
DE BRUMADO, ADVOGADA
João Teixeira de Faria, conhecido no Brasil como João de Deus, seria em tese para muitos o mais novo Chico Xavier, até por ter sido apadrinhado pelo médium mais famoso do Brasil. No início do mês de dezembro de 2018, João de Deus foi denunciado por dezenas de mulheres por meio de entrevistas em jornais e na televisão no Brasil e fora dele. Segundo as denúncias, João que é intitulado um médico curador espiritual, aproveitava das sessões para praticar abusos contra as pacientes. Casado com Ana Keyla Teixeira, pai de onze filhos, cada filho com uma mulher diferente, o mesmo atuava principalmente na cidade de Abadiânia, no estado de Goiás, na Casa Dom Inácio de Loyola, onde atendia seus pacientes gratuitamente, vendendo a eles apenas um “remédio denominado passiflora” que os ajudaria em seus tratamentos, tendo também realizado trabalhos em países como Alemanha, Grécia, Suíça, dentre outros.
Porém, as horríveis atitudes deste denominado CURADOR vieram à tona e ele está sendo alvo de todos os holofotes pela acusação de abusar sexualmente e violentar mais SEISCENTAS mulheres até o presente momento, segundo o Ministério Público de Goiás. Do dia 07 de dezembro até dia 28, a Federação Espíritas Brasileira (FEB), famosos que já se consultaram com o médium e cidadãos de Abadiânia já se manifestaram escandalizadas com o fato. Na data do dia 16 de dezzembro de 2018, após ter a prisão decretada pela Justiça de Goiás na sexta-feira, dia 14, e ter sido considerado foragido desde o dia 15, o mesmo se entregou a polícia e foi preso.
A mídia como um todo vem realizando uma enorme cobertura a respeito dos casos absurdos proferidos por João de Deus seja em mídias sociais, comunicação impressa, rádio ou TV. A sociedade tomou nojo, repulsa, ojeriza a tudo isso que aconteceu e principalmente pela forma como se deram esses abusos. O médium aproveitava da fé das pessoas e da situação na qual as mulheres se encontravam vulneráveis e iam em busca de curas para seus problemas e, a partir disso, ele praticava tais atos horrendos.
João de Deus está preso até hoje, e até o presente momento se declara INOCENTE em relação a todas as acusações, e sua esposa afirma nunca ter visto nada, e estar totalmente espantada com tudo que lhe fora imputado e que confia plenamente na inocência do seu marido. Deixando claro o fato de que o caso ainda não foi julgado, logo sua culpabilidade ou inocência não estão legalmente estabelecidas. Não cabendo a mim impor qualquer vertente de pensamento.
MILENA RABELLO DE OLIVEIRA, DE SALVADOR, ADVOGADA
Sempre me propus a acreditar no melhor das pessoas, dos seres humanos. Confesso que a tarefa têm sido cada vez mais árdua, e constatar isso, é muito triste.
Um líder religioso de prestígio nacional e internacional foi acusado de abuso sexual e estupro, recentemente, por centenas de mulheres. O homem é conhecido como João de Deus.
O que pensar sobre ele então? Nada. Sobre ele, espero que a justiça cumpra de forma eficaz o seu papel. Que ele tenha um julgamento justo, e se condenado, que pague pelos crimes que cometeu. Acredito também na justiça divina, e essa é perfeita.
Ao invés de pensar nele, quero me solidarizar com todas as mulheres que sofreram algum abuso nas suas mãos. Foram mães, filhas, sobrinhas, tias, avós, mulheres jovens, adolescentes, e outras mais experientes. Mulheres de diversas idades que buscaram cura, e ao invés disso, receberam doença, trauma, constrangimento, medo. Pessoas que confiaram, e foram traídas, violadas no seus corpos e suas almas.
Por mais empatia que um homem tenha em relação a uma mulher, ele nunca poderá entender o que somente as mulheres passam, apenas pelo fato de serem mulheres. Os medos, preocupações e temores que aprendemos a ter, desde muito novas.
Apesar de vivermos um momento de muitas elucidações, desenvolvimento e esclarecimento sobre a mulher e o seu papel e importância na sociedade, ainda há um longo e árduo caminho a ser percorrido. Conquistas precisam ser feitas, e preconceitos combatidos.
Nós, como sociedade, temos a obrigação de “dar voz” a todas as mulheres que sofreram ou ainda sofrem qualquer tipo de abuso e violência. Esse é um tema doloroso, mas que precisa ser tratado, a fim de que consigamos viver com mais justiça e liberdade.
SHAYNA AGUIAR SANTANA,
DE MALHADA DE PEDRAS, 16 ANOS, ESTUDANTE
Como não nos entristecermos com o que está acontecendo não só no caso do João de Deus, mas no mundo todo? Pessoas tentando tirar vantagem sobre o desespero de outras. As vezes não enxergamos os falsos profetas, o anticristo que está ao nosso lado, por estarmos desesperados demais por uma cura, um milagre, e não vemos quem está intercedendo esse suposto “milagre”.
João de Deus se revestiu como um bom homem, praticando a caridade, curando pessoas. A sociedade precisava de alguma coisa pra acreditar, mas pessoas assim só nos deixa ver o que querem que vejamos. Por trás disso, temos um homem acusado de abusar em torno de 300 mulheres durante as suas curas, descoberto recentemente em 2018.
Cadê a voz da mulher? Por que tanto medo de denunciar o caso? Quantas mulheres passaram por isso e ficaram caladas. É o que me entristece mais, saber que isso tudo acontece porque as mulheres permitiram ser controladas dessa forma absurda, por não denunciarem antes, terem medo, serem acusadas de mentirosas, e por consequência desse medo muitas foram violadas dessa forma.
PALOMA FERNANDES MARTINS, DE CAETITÉ, PSICÓLOGA
O número de mulheres que foram estupradas, assediadas e também vítimas de pedofilia por João de Deus, líder espiritual, ainda não é certo, pois a cada dia que passa mais mulheres são encorajadas a denunciarem, pois veem outras fazendo o mesmo.
Logo surge o questionamento: Porque o caso não veio à tona antes?
Pelo fato de que muitas mulheres sentem vergonha de expor os assédios que sofrem, pois juntamente com o assédio vem uma mistura de sentimentos, como: dor, tristeza, revolta. Nesse caso especifico, as vítimas tiveram a fé abalada, sentindo-se mais vulneráveis ainda, já que procuravam a cura na espiritualidade, devido à grande fé que tinham. Justamente a fé que João de Deus utilizava para assediá-las, usando argumentos como “você não está disposta a se livrar das maldições” caso elas refutassem o comportamento do médium, deixando-as mais frágeis ainda.
Essas mulheres carregaram esses sentimentos caladas por anos, mas agora, acredito eu que graças ao empoderamento feminino, um grupo pequeno de mulheres deram início as denúncias, as quais encorajaram e vêm encorajando mais mulheres a se unirem e denunciarem o médium João de Deus.
Porém, mesmo após as investigações e a prisão dele, o trauma que essas mulheres carregam não diminuirá, as mesmas devem procurar tratamento psicológico, contar com o apoio da família, para assim amenizar e/ou extinguir todos os traumas relacionados aos abusos sofridos.
MARGARETH FERNANDES CARDOSO DE CASTRO, EDUCADORA, SECRETÁRIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E AÇÃO SOCIAL DE RIACHO DE SANTANA
Os desdobramentos do caso João de Deus, figura de referência no ambiente religioso, que atualmente está sendo acusado de ter assediado diversas mulheres durante os seus atendimentos espirituais, abusando psicologicamente, fisicamente e financeiramente dessas pessoas, bem como, aproveitando o momento de vulnerabilidade ao qual estavam passando. Mulheres que estavam em busca de tratamento e que depositaram esperança na sua cura, no líder religioso.
Esse caso teve uma repercussão nacional, o que nos faz pensar sobre algumas atitudes de homens em posição de liderança, que usurpam a dignidade dessas mulheres, reforçando o modelo patriarcal que tanto combatemos na sociedade em que estamos inseridas. Esperamos que o caso seja devidamente apurado e que a Justiça tome as providências cabíveis.
LOUISE REVENSTER DE CASTRO, DE BRUMADO, RADICADA EM CAETITÉ, ADMINISTRADORA DE EMPRESAS, SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL
Quando fui em Abadiânia, em maio de 2018, acompanhar minha tia, não tinha muitas expectativas nem conhecimento aprofundado sobre o lugar. Lembrei de já ter visto alguma reportagem sobre o médium que fazia cirurgias espirituais, mas nada além disso. No entanto, me vi envolvida na atmosfera mística da cidade, onde tantas pessoas de diferentes lugares vinham buscar cura e paz.
Tudo era muito grande, organizado e pacífico. O pôr do sol dava para um vale e as pessoas se reuniam num mirante em preces e meditação.
Meu encontro com João de Deus foi breve. Percebi quando o senhor sentado no fim da fila me notou entre o corredor de gente com vestes claras. Coisa de segundos. Até pensei ser coisa da minha cabeça. A fila correu mais rápido, ele me parou, segurou minha mão e disse que me conhecia, conhecia meu pai. Perguntou meu sobrenome e reafirmou que me conhecia. Mandou eu ficar. Ficar nesse caso era na corrente de meditação. Recordo que me senti especial. No meio de tanta gente, eu fui escolhida. Me tocou tanto esse encontro que fui em busca de uma reunião com o médium. Queria saber se ele tinha visto alguma coisa, se tinha algo pra me dizer, se minha angústia um dia teria fim – faço tratamento contra depressão a alguns anos.
Me desarmei ali. E todo meu ceticismo se transformou em esperança.
Não me encontrei com João de Deus porque ele só atendia pessoalmente quem queria essa audiência na sexta-feira e fomos embora na quinta.
Quando vi a chamada do programa Conversa com Bial, acho que entrei em choque. Apesar de ouvir os relatos, comecei uma busca ensandecida para me convencer que aquelas mulheres estavam loucas, que queriam prejudicar a imagem de João de Deus ou algo pior. Mesmo vendo uma semelhança nas histórias, eu joguei minhas dúvidas nelas.
Nos dias seguintes as denúncias se multiplicavam junto com a minha agonia. Me vi presa no ciclo da criação social machista onde pode-se julgar a mulher, duvidar dela, culpá-la. Eu estava fazendo isso. Mesmo com aquela familiaridade horrenda nas narrativas. Essa familiaridade estava martelando em minha mente na forma de frases soltas como: “ele me avistou na fila e não tirou os olhos de mim”, “eu me senti especial por ser escolhida”, “isso não está acontecendo, isso não está acontecendo” …
Uma mulher que já sofreu assédio sabe como isso na maioria das vezes paralisa. É um torpor, tudo vira névoa. Uma espécie de pesadelo. Duvidamos inclusive se aquilo aconteceu ou se fizemos algo para provocá-lo. Será que minha roupa é muito curta? Será que meu jeito é apropriado? Será que eu ri de uma forma errada?
Não fui molestada por João de Deus, mas já fui assediada por homens e me culpei por anos. E mesmo reconhecendo o constrangimento de quem denuncia quando torce as mãos ou engole o choro, ter experienciado por anos o silêncio sobre os abusos que sofri no trabalho, por vergonha e culpa, eu apontei as mulheres. Pois esse parecia o caminho “natural” a seguir. E esse foi meu incômodo maior. Ver que eu não estava apenas dando um voto de confiança para o homem João. Eu estava dando todos os meus votos de desconfiança para as vítimas.
Por fim, não me arrependo de ter ido na Casa Dom Inácio de Loyola. Reencontrei minha espiritualidade, vi como as pessoas são capazes de criar uma atmosfera de energia agradável. Sim, houve uma decepção com um indivíduo. Está nas mãos da Justiça e creio que ela prevalecerá. Pra mim ficou o entendimento mais claro dos meus julgamentos e a decisão de reaprender a viver melhor nesse mundo machista e de preconceitos velados.
JOANINA BATISTA SILVA MORAIS SAMPAIO, DE RIO DE CONTAS,
VICE-PREFEITA DE LIVRAMENTO DE NOSSA SENHORA (REDE). EMPRESÁRIA.
Estamos falando sobre a maior quebra de silêncio da história! Quantas mulheres, que por muito tempo sofreram assédios, estupros, abusos por João de Deus, que usava a fé para atrair essas mulheres? Como mulher, saber disso é muito triste, gera repúdio, nos colocamos no lugar de cada uma delas, e o que mais queremos é Justiça e mudança. E por que elas não contaram antes? MEDO. Submissão.
Infelizmente, milhares de mulheres são abusadas diariamente, geralmente por homens de poder, como seus próprios chefes e sentem medo de contar. Medo de não acreditarem nelas, medo das ameaças dele, medo de perder o emprego, medo dos maridos não reagirem bem. Essa realidade tem que mudar! Essas centenas de mulheres só tiveram coragem de denunciar quando se sentiram seguras por conta de uma onda de denúncias. E a primeira reação das pessoas é questionar a vítima, não o agressor. Será que foi mesmo? Será que não está inventando pra ganhar fama? Por que só falou agora?
Esse tempo acabou. Essa é a hora das mulheres! De empoderamento, de coragem! Era de todas por uma! Só com denúncias e não aceitando mais esse sistema de opressão machista é que vamos vencer! Essa luta é nossa! E a vitória também será!