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Diante dos ataques históricos aos Guarani e Kaiowá no MS, o Departamento Jurídico da Apib pede no STF que a violência policial no Estado seja investigada

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A ADPF aponta que o Estado do Mato Grosso do Sul tem violado direitos fundamentais dos povos indígenas, garantidos de forma ancestral e nos âmbitos nacionais e internacionais

Por: APIB Comunicação

Com a violência sistemática contra os povos indígenas Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou nesta segunda-feira (17/04) uma nova Arguição de Descuprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF). A medida é histórica e tem como objetivo combater a violência e as violações de direitos dos povos indígenas no Estado. Entre as propostas, a ADPF pede que seja concedida uma medida cautelar e que a secretaria de segurança pública elabore um plano de enfrentamento à violência policial.

A ADPF também propõe a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança com o devido armazenamento digital dos arquivos, além da elaboração de um plano, no prazo máximo de 90 dias, visando o controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança. O plano deve conter medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais, protocolos públicos de abordagem policial e busca pessoal e prever a participação de lideranças das comunidades afetadas em todo o processo de elaboração do plano.

O Coordenador jurídico Maurício Terena que conduziu o processo de construção da ADPF, afirma que “não nos restou outra alternativa senão recorrer ao Supremo Tribunal Federal, pois a política de segurança pública no Estado tem sistematicamente violado os direitos dos povos indígenas na região, neste final de semana inclusive, houve operação policial por parte da polícia militar na comunidade Kurupi”.

A petição inicial aponta que ao longo dos anos o Estado do Mato Grosso do Sul tem violado diversos direitos fundamentais dos povos indígenas, garantidos de forma ancestral e nos âmbitos nacionais e internacionais. Um exemplo disso é a violação do princípio da vinculação territorial ou não remoção, do preceito fundamental da segurança pública, do direito à vida e da Convenção n. 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário.

O protocolo ocorre após a prisão de dez indígenas dos povos Guarani, Kaiowá e Terena durante a retomada de parte do território ancestral tekoha Yvu Vera, no município de Dourados (MS), que aguarda a demarcação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Um idoso Kaiowá de 77 anos que estava entre os presos foi liberado, mas os demais foram transferidos para o presídio da cidade após decisão da Justiça Federal, que negou o pedido de liberdade da Defensoria Pública da União (DPU) e a posição do Ministério Público Federal (MPF) contra as detenções e decretou a prisão preventiva do grupo.

A Grande Assembléia do povo Guarani (Aty Guassu), organização de base que integra a Apib, afirma que a prisão do grupo foi feita de maneira ilegal e arbitrária pela Polícia Militar do Estado, visto que a corporação não possuía mandado judicial. Em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil entrou com pedido de habeas corpus contra a prisão arbitrária dos indígenas.

Na ADPF, a Apib ressalta que operações sem mandado judicial é prática comum por parte da segurança pública do Mato Grosso do Sul, onde a PM realiza operações sem considerar determinações legais e opera como milícia privada dos fazendeiros da região. O documento da Articulação também aponta que as operações nos territórios ancestrais ocorrem sem a presença de um representante da União ou da Funai.

“Tais operações culminam no uso desproporcional da força policial, tendo em vista a utilização de helicópteros, gás lacrimogêneo e a realização de disparos de armas letais e não letais para atacar comunidades inteiras, composta por adultos, idosos e crianças, ocasionando mortes, lesões corporais e trauma coletivo. Também ocorrem sem a presença ou participação de representante da União ou da Funai apto a mediar o conflito que envolva indígenas. Há registro, inclusive, de caso em que as forças policiais foram responsáveis por impedir o acesso de servidores da Funai que visavam mediar os conflitos”, diz um trecho do documento.

Homicídios

A taxa de homicídios praticados contra a população indígena no estado de Mato Grosso do Sul é alarmante. De acordo com dados do Atlas da Violência de 2021, em 2019 a taxa contra indígenas era de 44,8 para 100 mil habitantes, representando uma média superior à média geral do Estado de 17,7 e mais que o dobro da média nacional de 21,7.

Em 2022, a Apib denunciou ao menos dois casos de homicídios contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. O primeiro deles foi no dia 24 de junho quando o indígena Vítor Fernandes foi morto na retomada do território ancestral Guapoy, atualmente registrada como uma fazenda. Vítor foi vítima de uma ação violenta da Polícia Militar, que deixou cerca de dez feridos e ficou conhecido como Massacre de Guapoy.

Semanas depois, Márcio Moreira foi assassinado em uma emboscada no dia 14 de julho. Lideranças Guarani Kaiowá apontam que o crime foi uma retaliação contra a ação de retomada e a repercussão do massacre.

“Além da violência direta praticada pelos agentes de segurança pública, o Estado tem se omitido a partir da demora na tramitação de processos judiciais envolvendo disputas territoriais com indígenas e, por isso, ADPF torna-se passo importante e histórico no combate a violência sistêmica contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. A Apib e organizações internacionais têm acompanhado e denunciado constantemente esta situação, agora é preciso aguardar o acolhimento do Supremo Tribunal Federal”, reforça Terena.

Violência histórica

Norivaldo Kaiowá, coordenador executivo da Apib, lembra que a violência contra os Guarani e Kaiowá se intensificou com o confinamento de terras na região. Segundo ele, o Estado Brasileiro declarou boa parte das terras do Mato Grosso do Sul como aptas para comercialização e criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), responsável pelo recolhimento compulsório de famílias Guarani e Kaiowá que foram levadas para áreas reservadas que ao todo somam 3.500 hectares.

“Essa ação desconsiderou a presença indígena no Mato Grosso do Sul e tirou os Guarani e Kaiowá dos seus territórios ancestrais, fazendo com que famílias vivessem em pequenas áreas ou se dispersassem pela região. Essas operações da PM, a omissão do poder público e os ataques dos empresários e fazendeiros ferem o nosso ancestral de direito de retomada e da manutenção da nossa cultura e da busca pelo bem-viver”, explica o coordenador.

De acordo com o Atlas Agropecuário, um projeto do Imaflora em parceria com o GeoLab e a USP, o Mato Grosso do Sul possui a maior proporção de terras privadas com 92% de seu território. As terras indígenas correspondem a 2,2%.

“A violência contra os povos indígenas é histórica, mas também é resultado de uma política de morte do último governo brasileiro. Tivemos quatro anos em que os processos de demarcação foram totalmente paralisados e os nossos direitos foram constantemente atacados. Desde então, as estratégias de violência dos agentes públicos, principalmente da segurança, do Mato Grosso Sul só se intensificaram. É preciso agir e acabar com este genocídio”, ressalta Val Eloy, coordenadora executiva da Apib pelo Conselho Terena.

Foto de capa: Agência Brasil

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