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Dói + Motos voadoras + A menina no espelho

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Ficou ali ouvindo a confusão que a chuva e o vento faziam lá fora.

De onde estava sua cama, no décimo andar, as janelas tinham os vidros chacoalhados violentamente.

No meio daquela tempestade, Ela pensou ter ouvido a campainha tocar.

– Não pode ser. Quem chegaria aqui em pleno domingo em meio a essa tempestade?

Cobriu-se mais ainda e fechou os olhos.

Quando fez isso, uma lagrimazinha do seu último choro deslizou de mansinho.

Foi quando ouviu novamente.

Dessa vez, não foi a campainha.

Ela deu um pulo da cama quando ouviu a porta ser esmurrada.

Saiu tropeçando e, no outro minuto, se viu com a mão na maçaneta e o olho grudado no olho mágico.

O irmão, mais molhado que um passarinho caído do ninho, tiritava do lado de fora.

– Irmão do céu, o que você está fazendo aqui ? – disse ela abrindo a porta e puxando o rapaz para dentro de casa.

“Eu aqui querendo só saber como está minha irmã, que resolveu virar urso, hibernar e desaparecer do mundo e olha minha situação.”

Ela o pegou pela mão e foi guiando até o banheiro.

– Entre aí e tome um banho quente, vou fazer um chá. Você já comeu hoje?

“Claro que não. Você sabe que horas são? Ainda não são sete da manhã. Acordei e vim te ver.”

– Era só telefonar, criatura.

“Eu venho aqui, tomo um banho de chuva e ainda estou sendo dispensado?”

– Menino, toma banho que vou arrumar uma comida pra você.

Bateu a porta do banheiro e foi para cozinha.

Assou pão de queijo, fez leite com chocolate. Tudo quente pra tirar o frio de sua visita.

Ele apareceu na porta da cozinha usando um roupão:

“Achei isso no seu guardarroupas. É tamanho homem, era dele?”

Ela ergueu os olhos e deu de cara com o irmão dentro do roupão que um dia abrigara o dono dos olhos azuis mais lindos do mundo.

– Era sim. Ele esqueceu. Disse que viria buscar, mas nunca mais voltou.

O irmão, que já comia pão de queijo e bebia o leite fumegante, não se conteve:

“Ainda bem, né? Tomara mesmo que nunca mais apareça. Por falar nisso você já trocou o segredo da sua fechadura?”

Ele estava tão distraído comendo que não percebeu, Ela já não estava mais ali.

“Irmã, cadê você?” – disse ele procurando a moça pela casa.

Encontrou-a no quarto, deitada embaixo de uma montanha de cobertas como se um feto fosse, chorando desesperadamente.

“Minha maninha, o que é isso?” – ele falou e foi se enfiando com Ela embaixo das cobertas, abraçando aquele corpinho que chacoalhava com choro.

Entre um soluço e outro, Ela conseguiu que Ele ficasse sabendo:

– Nunca troquei o segredo da fechadura porque espero que ele volte todos os dias.

O Irmão colocou-a sentada na cama:

“Olhe bem pra mim. Ele não vai voltar. Foi embora porque não quis mais viver com você. Escolheu, por livre e espontânea vontade, não estar mais ao seu lado e, por isso e só por isso, foi embora.”

Parecia que Ela não estava ouvindo nada:

– Eu sei. Ele disse que não me ama mais. Que tudo que sentia por mim acabou e, agora, só tem olhos para aquela lá.

O Irmão estava cada vez mais indignado:

“Não acredito que te disse isso!”

– Falou. E ainda disse que preciso emagrecer.

Ele abraçou a irmã com carinho, ternura, e a amparou até que o choro fosse embora:

“As lágrimas acabaram.”

– Acho que elas nunca secarão de fato – falou enquanto dava um suspiro longo, dolorido.

O irmão passou a mão em seus cabelos, secou suas lágrimas e falou pausadamente:

“Já deu, né? Vamos parar de chorar e sofrer, não vamos?”

Ela que ainda fungava:

– Eu não dou conta.

Ele pegou o rosto magrelo com as duas mãos e falando sério como nunca:

“Você quer dar conta? Você quer ao menos tentar parar de sofre? Ou vai escolher sofrer para todo o sempre?”

– Eu quero.

“Então, vamos lá.” – falou e já foi arrastando a moça pela mão até o banheiro.

Colocou-a em frente ao espelho e começou:

“Quem você vê?”

Ela que estava sem entender nada:

– Ué, aquela sou eu.

Depois disso, Ele a obrigou a olhar para si mesma no espelho e conversar com aquela pessoa em que Ela havia se transformado. A pessoa triste que não se cuidava mais, que, além de ter sido abandonada, havia se abandonado.

“Então, Irmã. Bora reagir? Até o sol já deu um jeito de mandar a chuva embora e voltar a brilhar. Você também tem de voltar a espalhar sua luz por aí.”

Ela sorriu.

O primeiro sorriso depois de dias.

Prometeu que iria trabalhar para esquecer.

Que iria conversar com a moça tristinha que olhava para ela no espelho e que voltaria a sorrir.

Como o sol havia voltado, a roupa dele secado, eles saíram de mãos dadas pela cidade.

Foram brincar nas poças de água assim como faziam quando eram crianças.

Ele pensando que jamais desistiria dela.

Ela pensando que nunca mais desistiria de si mesma.

FIM.

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 745