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Doutor Filinto e Zé Pezão

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Filinto era originário de uma família humilde. Seus pais eram pessoas sem instrução, trabalhavam na roça com ajuda dos filhos. Filinto foi para a capital, levado por uma família que se condoeu da inópia deles, que se compunham de dez membros. O menino fora escolhido aleatoriamente, por pura sorte. Teve o apoio do casal que o levou e era considerado como filho verdadeiro, que a família adotiva não teve.  Lá trabalhou e estudou até se formar em Direito e prestar concurso para juiz, sendo aprovado com louvor.

Com o status adquirido, sentia vergonha dos pais biológicos, roceiros e analfabetos, por isso não os permitia visitarem-no na comarca. Visitava-os no lugarejo onde moravam, isso acontecia de caju em caju. Os irmãos e os pais, se alegravam com a visita do doutor. Ele alegava que o trabalho o consumia, era assoberbado de serviço, portanto não tinha tempo para dar-lhes maior atenção. Contudo, tempo lhe sobrava para visitar e ver os pais “adotivos”, pessoas requintadas e socialmente influentes, de quem se dizia ser filho.

 Zé Pezão, o apelido fora dado por andar descalço e ter o pé chato e grande, fazia serviços grosseiros, não tinha nenhuma qualificação. Trabalhava como ajudante de pedreiro e considerava esse ofício uma evolução. Por ser analfabeto, continuou no mesmo trabalho por muitos anos, não progrediu. Comentava com os colegas: “Na roça o trampo é bem pior, trabalha-se desde o nascer ao pôr do sol, alimenta-se mal, e o salário aviltante não permite extravagâncias consumistas, apenas o essencial para a alimentação”.

Benevides, esse era o seu nome de batismo, fazia o percurso de casa para o trabalho, ida e vinda, diariamente, sempre pelo mesmo itinerário, passando pela chamada rua do Juiz, a Rua J. J. Seabra, assim era conhecida, por ser o local onde ficava a residência do magistrado Filinto.

Costumeiramente o doutor postava-se à janela da casa, debruçava-se sobre uma almofada, por longo período, para receber os cumprimentos dos transeuntes. Vaidade da qual se orgulhava e enchia o ego do doutor, que ostentava a sua importância na comunidade.

Certa feita, Benevides foi interpelado pelo juiz, que curioso, quis saber porque o chamavam de Zé Pezão. Respondeu: “Isso é coisa de quem não tem o que fazer, doutor. Uns têm o pé grande e outros, a língua maior ainda, são inconvenientes”. Desapontado com a resposta de Benevides, o Juiz recolheu-se para reflexões, pela impertinência perpetrada.

O Juiz era muito vaidoso, ainda que de origem modesta, ocultava essa situação, em função do cargo que exercia. “Vaidades das vaidades e tudo é vaidade” (Eclesiastes 1:2).

 Vangloriava-se do seu status profissional e achava-se a pessoa mais importante do mundo, contudo, desprezava a família humilde, que entendia ser humilhado, pela condição social dos familiares.

 Julguem-no.

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 745