Há, visivelmente, duas Dilmas em ação. Essa “bipolaridade” fez-se óbvia durante a entrevista exclusiva que Dilma Rousseff concedeu à apresentadora Patrícia Poeta, exibida no último domingo, no programa “Fantástico”, da Rede Globo. Uma excelente matéria, com cerca de vinte minutos, distribuídos entre um bate-papo quase informal no Palácio da Alvorada e um diálogo mais teso no gabinete presidencial do Palácio do Planalto. O grande trunfo da entrevista (talvez de importância histórica, para os anais do Jornalismo e da Política) foi revelar a existência, nada pacífica, dessas duas Dilmas: a presidenta e a presidente.
A presidenta Dilma respondia à jornalista Patrícia Poeta olhando-a nos olhos, sem titubeios, ainda que em frases curtas; permitiu-se raciocínios não-programados, não-decorados; brincou com a fama de durona; pilhou a repórter num questionamento sobre o “toma lá, dá cá” franciscano da governabilidade brasileira: – “Você me dá um exemplo de 'dá cá' que eu te explico o 'toma lá'!” – e a presidenta tentou descontrair, ao perceber o susto da global: – “Tô brincando contigo!” – Melhor? Impossível.
Já a presidente da República, Dilma Rousseff, discursou olhando para a câmera, como que tentando falar diretamente ao povo (situação típica dos períodos de campanha eleitoral), ainda que respondendo à jornalista. Nesses momentos, suas frases eram mais lentas, com palavras mais espaçadas, projeções calculadas, buscando sempre uma respiração que não lhe parecia suficiente. A questão é que a falta de conforto não estava na interpretação desse papel político-administrativo. O desconforto de Dilma está em lidar com as câmeras, em manter-se estática no quadro, em ter paciência. Ela é uma mulher ágil, dinâmica, impaciente, aparentemente ocupada. Uma entrevista longa, como a do “Fantástico”, pra ela, deve estar próxima à linha dos traumas.
As últimas duas décadas nos deram exemplos emblemáticos de comportamento presidencial. Por oito anos, o Brasil conviveu com o diplomático e erudito Fernando Henrique Cardoso, atento aos rituais e cerimonioso. Por outros oito anos, veio o extremo inverso com Luiz Inácio Lula da Silva, especialista em quebrar protocolos, criar metáforas futebolísticas e fazer notar a existência de preconceitos toda vez que revelava suas dificuldades com o idioma pátrio. O primeiro, mais institucional, findou seu governo distante da grande massa e com popularidade decadente. O segundo, ainda que cercado de escândalos, encerrou seu ciclo nos píncaros da glória do povão e conseguindo eleger sua candidata à sucessão.
Vem daí o dilema de Dilma Rousseff. Se adotar uma postura institucionalizada, bem mais próxima de seu perfil técnico-gerencial, cairá na desgraça da reprovação popular, viciada numa anacrônica política personalista e fanfarrona. Ao contrariar seu próprio estilo profissional e partir para o populacho, a exemplo do padrinho antecessor, corre o risco de soar falsa demais, inverossímil. Perde força e credibilidade. O que fazer então? Tentar uma coexistência entre as Dilmas?
Durante a entrevista exibida pela Rede Globo, ficou evidente que ainda não há uma decisão quanto a que “persona” assumir publicamente. Há duas Dilmas e quanto a isso não restam mais dúvidas. Uma próxima à política personalista, mais popular, tentando algo nos termos do lulismo; e outra totalmente institucional, incorporada à figura de Chefe de Estado, técnica em pleno domínio dos números, fiel executiva dos atributos de suas funções: – “São ossos do ofício” – repetiu várias vezes uma das Dilmas. Tentar administrar o Brasil nessa “bipolaridade” pode ser um risco, com preço alto demais. Mas pode dar certo.