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ELEIÇÕES E FRAUDES

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AGENDABONIFÁCIO

Um padre foi o primeiro brasileiro eleito para governar o país

Prudente de Morais, primeiro presidente da República eleito pelo voto direto.

Dilma Rousseff, a primeira mulher na Presidência.

APURAÇÃO MANUAL DE VOTOS

A eleição do presidente da República virou rotina na história brasileira recente. Luís Inácio Lula da Silva será o 39º a ocupar o cargo, embora apenas 22 presidentes tenham sido eleitos diretamente pelo voto — os demais foram vices que assumiram após afastamento e/ou morte do titular ou foram presidentes eleitos indiretamente.

O hábito de ir às urnas teve início ainda na era colonial (com eleições para a Câmara de Vereadores), mas o primeiro brasileiro eleito para governar o país foi um padre, Diogo Antonio Feijó (1784-1843), já no período imperial.  Eleito em 1835 como regente de D. Pedro II, Feijó recebeu 2.828 votos, de um universo de apenas 6 mil eleitores – na época, não havia partidos políticos, o voto era censitário (só votava quem tinha uma renda mínima) e vetado a mulheres e escravos. As camadas baixas da população sem renda suficiente, portanto, ficaram de fora.

Adversário de José Bonifácio de Andrada e com ampla experiência política – foi deputado no Primeiro Reinado, ministro da Justiça após a abdicação de D. Pedro I ao trono (1831) e nomeado senador –, Feijó ficou apenas dois anos no poder. Seu governo foi marcado pela dificuldade de compor o ministério, com nomeações e renúncias ao sabor de crises políticas contínuas. Feijó tampouco era o que se chamaria hoje de um democrata – tal qual D. Pedro I, tinha aversão à proposta de um “governo de maiorias”, proposta que ele considerava “absurdo e subversivo de toda a ordem no Brasil, além de inconstitucional”, em discurso no Senado em 1839, depois de deixar o poder.

A eleição direta para o governante do país só passou a ser viável após a Proclamação da República, em 1889. E, desde então, o Brasil construiu uma história rica em votações e pobre em democracia. Em 133 anos de regime republicano, a democracia (pelo menos em seu grande atrativo, a eleição direta para presidente) só prevaleceu em 40% desse período. Os eleitores passaram ao largo da cabine de votação anos a fio, em especial durante o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985), quando não ocorreram eleições presidenciais diretas.

O início da era republicana foi semelhante ao período posterior à declaração de independência, com explosão de violência e contestação ao novo poder. Os dois primeiros presidentes da República, escolhidos de forma indireta (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto), enfrentaram duas Revoltas da Armada (em 1891 e 1894), lideradas por oficiais da Marinha. Os presidentes civis que os sucederam na chamada República Velha (1889-1930) também se viram às voltas com reações violentas, como a Revolução Federalista (1893-1895), no sul do país, a Revolta da Vacina (1904), no Rio, a Guerra do Constado (1912-1916), em Santa Catarina, e o movimento tenentista, a partir de 1920.

Prudente de Morais foi o primeiro presidente eleito de forma direta na era republicana, batendo na eleição de 1894 o oponente Afonso Pena, numa vitória que levou ao poder a oligarquia cafeicultora. Morais recebeu 276 mil votos, mas apenas 2,2% da população foi às urnas – mulheres e analfabetos não tinham direito ao voto, o que explica o baixo índice de participação popular.

Se as eleições nasceram na era republicana, as fraudes também: na República Velha, o voto era distrital e os coronéis controlavam com mão pesada o processo. Para se ter uma ideia, o eleitor chegava ao local de votação (normalmente uma igreja), dizia o próprio nome ao mesário e anunciava o voto, em voz alta. O próprio mesário escrevia o nome do candidato escolhido num papel e o depositava numa urna. O esquema, evidentemente, favorecia as fraudes. Além disso, a universalização do voto proposta na Constituição de 1891 (que havia eliminado o voto censitário) foi solenemente passada para trás com a decisão de impedir que os analfabetos e as mulheres votassem.

Apenas a partir de 1932, com a criação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o sistema de votação eliminou os abusos mais evidentes. As mulheres obtiveram o direito ao voto no mesmo ano. Mesmo assim, só as casadas (e com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria podiam votar. Já em 1933, a médica paulistana Carlota Pereira de Queiróz foi a primeira mulher eleita deputada federal. Só no século 21 surgiu a primeira mulher a ocupar a Presidência da República pelo voto direto – Dilma Rousseff, eleita em 2010.

FRAUDES NO SÉCULO 20

As eleições na era republicana sofreram vários contratempos. Em 1937, Vargas deu um autogolpe e instalou a ditadura do Estado Novo. Diversas instituições democráticas foram imediatamente fechadas, incluindo a Justiça Eleitoral. Ela só voltaria em 1945, após a queda do Estado Novo, e funcionaria ininterruptamente até os dias de hoje. Mas, ao longo do século 20, pelo menos, as fraudes continuaram ocorrendo, principalmente em regiões do interior controladas por grupos políticos hegemônicos.

Entre os truques mais usados durante a votação manual, alguns eram mais comuns. Um deles era conhecido como “urna grávida”: antes do início da votação, cédulas preenchidas eram depositadas na urna de lona, ou seja, a urna, que deveria estar vazia, já chegava à seção eleitoral com votos dentro dela. Outra artimanha era a fraude no transporte das urnas até a seção eleitoral – no meio do caminho, as urnas oficiais eram substituídas por outras com cédulas previamente preenchidas, ou então eram simplesmente roubadas antes de chegar na seção, inviabilizando a votação.

Havia outras formas de burlar a votação. O “voto formiguinha”, por exemplo, era amplamente usado. Nele, o eleitor recebia a cédula do mesário, entrava na cabina de votação e, em vez de preenchê-la e depositá-la, guardava a cédula em branco e colocava um papel qualquer na urna de lona. O organizador da fraude, que estava fora da seção, recebia a cédula oficial, assinalava os candidatos desejados e a entregava para outro eleitor. Esse eleitor depositava a cédula já preenchida, pegava outra em branco e a entregava para o organizador, que repetia o processo fraudulento à exaustão.

A fraude de votar no lugar de outro eleitor também era recorrente. Bastava apresentar um documento falso para se identificar na seção eleitoral e votar. Dessa forma, era possível que um mesmo eleitor votasse mais de uma vez em mais de uma seção eleitoral – golpe muito usado para votar em lugar de pessoas já falecidas.

As fraudes também eram recorrentes na apuração manual dos resultados, apesar de exigir conivência dos responsáveis pela totalização. A mais manjada era aproveitar as cédulas que continham apenas o nome do candidato e acrescentar com o número de outro candidato – o voto inicial, assim, era anulado. Outro truque era preencher o voto em branco com o número do candidato que seria beneficiado pela fraude.

Com a implementação da urna eletrônica, em 1996, as fraudes caíram para zero. Diferentemente do antigo sistema de votação, em cédulas de papel e de apuração manual — passível de fraudes, lento, repleto de erros e com muita suspeição –, a votação eletrônica dispensa a intermediação humana para contar e totalizar os votos. No segundo turno da eleição presidencial de 2022, por exemplo, foram contabilizados 118.552.353 de votos válidos.

Apesar de a diferença entre o primeiro e segundo colocado ter sido de apenas 0,8 ponto percentual – a menor da história entre as eleições presidenciais –, o TSE e entidades fiscalizadoras, incluindo da sociedade civil e observadores internacionais, atestaram a lisura do sistema eletrônico de votação e apuração. O resultado final saiu pouco mais de três horas após o fechamento das urnas.  Nos EUA, onde a votação e apuração ainda são manuais, o resultado da última eleição presidencial levou semanas para ser anunciado oficialmente. E o perdedor até hoje reclama de fraude, apesar de não ter apresentado provas incontestáveis de suas denúncias.

(José Eduardo Barella/Agenda Bonifácio)

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 744