Atualmente, 60% da arrecadação do município vem da mineração, que também é responsável por grande parte da economia local. Só a Vale gera cerca de 2.000 empregos
Por Heloísa Medonça/El País
O letreiro com o nome de Brumadinho, localizado bem na entrada da cidade de 42.000 habitantes, amanheceu de luto nesta sexta-feira (1º), dia em que a tragédia causada pelo rompimento da barragem da Vale completa exatos sete dias. Cada uma das letras foi envolta por um saco preto de lixo e um sinal de cruz em homenagem aos 110 mortos e 238 desaparecidos no desastre até o momento. O local reflete o sentimento de toda a cidade que, nos último dias, vive imersa em muito sofrimento e angústia. “Brumadinho é uma cidade muito pequena, nós todos nos conhecemos. Todo mundo perdeu algum familiar, amigo ou conhece alguém que está nesta situação. A cidade está uma tristeza só, estamos todos de luto”, explica Thainá Ribeiro, de 22 anos, que nasceu na localidade.
“A verdade é que o comércio da cidade depende totalmente da Vale, dos funcionários dela. É difícil imaginar o que vai ser de Brumadinho sem ela. Estamos sofrendo muito pelas vítimas, pelos familiares e amigos, queremos justiça, mas também pensando já no que pode vir pra frente, não dá pra não pensar que agora posso perder meu emprego”, diz Eliana Patrícia Lisboa, atendente de uma lanchonete do centro.
A questão aflige o prefeito da cidade, Avimar de Melo Barcelos (PV), que afirmou que irá cobrar da mineradora, a segunda maior do mundo, as responsabilidades da tragédia e que a companhia não interrompa o pagamento dos royalties da mineração, chamado de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). A Vale é responsável por 65% do Cfem do município, de um total aproximado de 5 milhões de reais por mês. “A verba inicialmente vai continuar, mas quem pode me garantir até quando? Eles ainda não falaram o tempo exato que os royalties continuarão a ser pagos, mas pretendemos ver isso”, disse o prefeito ao EL PAÍS. Barcelos pretende negociar com a mineradora para que ela pague o royalties por pelo menos 4 anos. E vai exigir ainda que nenhum funcionário da Vale seja demitido na cidade.
Segundo ele, se o pagamento da compensação for interrompido, a cidade entrará em colapso financeiro. “O dia que parar não sabemos como vai funcionar. Principalmente os serviços essências da cidade —como saúde e educação—, não conseguiremos manter mais”, explica Barcelos. “A Vale destruiu nossa cidade, nossas famílias. Vai falir o comércio, vai falir Brumadinho que não sabe como andar daqui pra frente”, completou o prefeito ao sair do velório de uma das vítimas da tragédia.
Apesar do desafio financeiro enorme que o município irá enfrentar nos próximos anos, o prefeito explica que, no momento, a preocupação central é resgatar as vítimas e dar um velório digno aos que são encontrados sem vida. “Ainda não tivemos nem cabeça para pensar como vamos fazer daqui para frente”, diz. Barcelos comentou, no entanto, que escutou promessas tanto do Governo do Estado, como da Vale, de que a cidade não seria “deixada na mão”. “No desastre de Mariana foi falado isso tudo. Mas ajudaram Mariana? Não”, disse.
Brumadinho é hoje uma das maiores cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte em área, são: 639,43 quilômetros quadrados, quase o dobro do tamanho da capital que é de 331,40 quilômetros quadrados. Por ser predominantemente rural, o centro da cidade, onde está concentrada mais metade da população, é pequeno. A grande área rural, no entanto, faz com que a segunda principal atividade de Brumadinho seja a agricultura de pequeno porte, que foi atingida pelo tsunami de lama após o rompimento da barragem da Mina Córrego de Feijão. Segundo o IBGE, dos 20.5000 hectares de lavoura, 17.000 são de produtores individuais.
Inhotim transformou cidade em polo turístico
Nos últimos anos, outra atividade começou a ganhar força na região. A inauguração do museu de arte contemporânea Inhotim, em 2006, fez com que o turismo movimentasse também a economia da cidade. O museu transformou a desconhecida cidade de Brumadinho em um novo polo turístico mineiro e artístico, trazendo visitantes de outros Estados e também de outros países. A abertura do instituto fez com que empresários investissem em pousadas e fazendas para acolher os visitantes e também apostassem no turismo rural. De 2008 para 2016, o número de leitos de hotéis abertos na cidade saltou de 300 para 1.300. O Inhotim também foi responsável pela criação de novos postos de emprego no município. O instituto emprega hoje 600 funcionários, sendo 80% da região.
Apesar de a cidade ter se tornado internacionalmente conhecida pelo museu, antes mesmo da tragédia, o prefeito de Brumadinho explica que o local traz pouco retorno financeiro para a cidade, se comparado às outras atividades. “O turismo não representa nem 1% da arrecadação do município, já há um tempo o museu é isento de impostos. O fato dos turistas virem só movimenta mesmo as pousadas”, explica. Moradores entrevistados pela reportagem também afirmaram que os visitantes não movimentam muito o comércio da cidade, já que passam o dia no museu e muitos ficam hospedados em Belo Horizonte, a 50 km do local.
O museu, que fechou as portas, desde o dia do rompimento da barragem, pretende, entretanto, ter um papel importante na recuperação da cidade. Um comitê de crise foi criado pelo instituto para entender os impactos do desastre e traçar medidas em conjunto com órgãos competentes em busca de minimizar os danos. Uma das propostas é disponibilizar o banco de sementes do instituto para a recuperação das áreas comprometidas pela lama de rejeitos. “Nossa prioridade agora é oferecer apoio ao resgate de desaparecidos e suporte aos nossos mais de quarenta funcionários com familiares ainda desaparecidos, mas futuramente vamos ver essa questão do reflorestamento e outras mais”, disse Antonio Grassi, diretor do Inhotim.
Pesca comprometida
De acordo com o Ibama, o rompimento da barragem em Brumadinho causou a destruição de pelo menos 269,84 hectares. Os rejeitos de mineração devastaram 133,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica e 70,65 hectares de Áreas de Proteção Permanente (APP) ao longo de cursos d’água atingidos. A análise foi realizada no trecho da barragem da Mina Córrego do Feijão até a confluência com o rio Paraopeba.
Preocupada com os efeitos que os rejeitos causaram nos cursos d’água, a estudante Vitória Santos, 17 anos, teme pelo emprego de familiares pescadores e do pai que trabalha em dragas de areia do Rio Paraopeba. “Realmente não sei mais de onde virá o sustento da nossa família nos próximos meses. Por sorte, meu irmão que trabalhava na Vale estava de férias no dia da tragédia, mas também não sei o que será do futuro dele”, disse Santos.