Superávit não era registrado desde 2013. Segundo economistas, fatores diversos colaboram para resultado, mas entre os destaques está a maior arrecadação e movimentação da economia
Por: Ana Luísa Santos/Agência Brasil 61
Em janeiro, o Tesouro Nacional divulgou dados que apontam um superávit primário de R$ 54 bilhões nas contas públicas do governo central, que envolve União, Banco Central e Previdência Social. Esse desempenho positivo não era registrado desde 2013. Quando comparado ao Produto Interno Bruto (PIB) do país, esse valor representa 0,5% do indicador. Mas quais fatores e medidas foram responsáveis por esse saldo positivo nas contas públicas?
O Portal Brasil 61 conversou com economistas para entender se o superávit primário registrado em 2022, no governo Bolsonaro, é resultado de medidas que podem durar mais tempo e apontar para uma saída da crise fiscal enfrentada pelo Brasil, ou se mais medidas devem ser tomadas para assegurar esse desempenho positivo.
Antes de tudo, é necessário entender que o resultado primário das contas públicas é calculado pela diferença entre receitas e despesas públicas, sem considerar o pagamento de juros da dívida do governo. Se as receitas forem maiores do que as despesas, há um superávit primário. Caso o contrário ocorra, há um déficit primário.
Com base na série histórica do Tesouro Nacional, o último superávit primário havia sido em 2013. De 2014 a 2016, no segundo mandato de Dilma Rousseff, o Brasil viveu uma recessão, como observado no gráfico acima. Em 2020, por fatores da pandemia, o país teve um déficit ainda maior. De acordo com o economista e doutorando em Economia pelas Universidades de Coimbra e Lisboa, Felipe Queiroz, no período de saldo negativo do governo houve uma queda na arrecadação, o que explica o decréscimo nas contas públicas.
“Nesse período em diante houve contingenciamento dos gastos, mas também houve queda na arrecadação. Isso contribuiu para que, tirando os gastos fixos, discricionários do governo, os demais gastos – que podem ter uma alteração ou não – foram reduzidos. Mas, em decorrência da menor arrecadação, o efeito foi que tivéssemos déficit primário”, analisa o economista.
Já o economista e professor do departamento de planejamento e análise econômica da Fundação Getúlio Vargas, Renan Gomes de Pieri, observa que no período até 2016, entre os governos Lula e Dilma, houve um aumento dos gastos públicos. No entanto, esses gastos não se reverteram em crescimento econômico e geração de receita tributária.
“A gente começa a observar uma rápida deterioração das contas públicas, com aumento expressivo no déficit e um aumento da dívida pública. Esse processo começa com maior intensidade no segundo semestre de 2014, e que vai gerar, em 2015 e 2016, a pior crise econômica da nossa história”, analisa Pieri.
O que explica o superávit primário em 2022?
Para os economistas, múltiplos fatores influenciaram o resultado primário positivo. Felipe Queiroz destaca dois: o contingenciamento dos gastos – segundo o especialista, aquém do necessário -, e a alta inflação em 2022. “Por um lado, houve contingenciamento de gastos. Foram aquém do necessário para a manutenção do superávit primário. Em segundo ponto, a excessiva inflação no período acabou contribuindo para que esse resultado melhorasse”, afirma.
Renan Gomes de Pieri, por outro lado, aponta que algumas medidas tomadas pelo governo Bolsonaro foram fatores que proporcionaram esse saldo positivo e ressalva o aumento do preço das commodities e ajustes fiscais relacionados à pandemia.
“[O superávit] está relacionado a um melhor desempenho da economia no ano de 2022, em que a gente teve maior crescimento econômico do que a média dos últimos anos, maior geração de empregos e melhor faturamento das empresas, que contribuíram para o aumento de arrecadação”, aponta.
Recorde de arrecadação em 2022
De acordo com dados divulgados pela Receita Federal no mês passado, em 2022 houve uma arrecadação recorde de R$ 2,218 trilhões. O acumulado de janeiro a dezembro é o melhor desde 1995, com um aumento real de 8,18% em comparação com 2021.
Segundo o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP) Carlos Eduardo Oliveira Jr, a maior movimentação da economia contribuiu para o recorde da arrecadação. De acordo com o economista, foi uma movimentação atípica. “Foi um ano eleitoral, com movimentações atípicas, com vários auxílios repassados à população, que aqueceu a economia, gerando uma movimentação maior.”
Já o coordenador do curso de economia da ESEG – Faculdade do Grupo Etapa, Fernando Umezu, explica que o resultado da arrecadação das receitas federais para o ano de 2022 está no sentido do que se era esperado devido ao aumento mês a mês da arrecadação no ano passado.
“Todo esse impacto no resultado da arrecadação vem do aumento da base de cálculo. O que seria esse aumento na base de cálculo? Mais produção, como o crescimento do setor produtivo que empregou mais trabalhadores, aumento nas vendas do varejo, crescimento do setor financeiro, uma melhoria do ambiente de negócios”, afirma o economista.
Outro fator apontado pelo economista da CEIC Data, Adriano Giacomini Morais, foi o aumento da arrecadação no imposto de renda de pessoa jurídica. “Teve o aumento da inflação e, quando se tem uma inflação alta, o governo tende a apurar um lucro maior também das empresas, afinal estão vendendo a preços maiores. Então se apura um lucro que reflete também a inflação e aumenta a arrecadação”, analisa.
Perspectivas para 2023
Em relação às perspectivas para 2023, o economista Felipe Queiroz afirma que o mercado financeiro prevê um déficit primário, pois o governo federal anunciou que vai priorizar o crescimento econômico e os programas de distribuição de renda.
“Produzir crescimento econômico melhora a arrecadação do estado, o que contribui para a produção de superávits consistentes ao longo do tempo. Então, para este ano, ainda que tenha a projeção de queda, devemos considerar o cenário global, que é marcado por desaceleração da China, queda no crescimento global, alta de juros e o governo federal tem que adotar alguma política para incentivar a economia”, pontua.
Renan Gomes de Pieri analisa que o governo Bolsonaro conseguiu impedir uma “trajetória explosiva” dos gastos. Por outro lado, o economista acredita que era possível ter feito reformas que pudessem tornar esses resultados mais consistentes, como a reforma administrativa.
“O governo acabou utilizando de artifícios para driblar o teto fiscal, como é o caso da PEC dos precatórios. Então são medidas que vão um pouco contra o equilíbrio das contas públicas. Mas tem pontos positivos, como a Reforma da Previdência”, analisa.
Sobre as perspectivas em relação à crise fiscal, Pieri diz que ela segue, pois o problema da dívida é estrutural. “Os gastos aumentam independente da performance da economia. Os gastos principais são juros, previdência e funcionários da ativa”, afirma. O economista ainda reitera que o cenário para 2023 é de redução do crescimento econômico e menos arrecadação tributária.
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