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Escassez de chips vai atrapalhar produção de carros até o fim de 2022

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Cada veículo leva entre 300 e 1,2 mil semicondutores, componente que esteve em falta pela alta demanda de eletrônicos durante a pandemia

Por: Luciano Marques/ Brasil61

Além de todo o problema de saúde, a pandemia provocada pela Covid-19 causou uma profunda crise econômica em diversos setores, entre eles o automotivo. De acordo com dados da ANFAVEA, a produção de veículos no país apresentou o pior outubro dos últimos cinco anos graças à escassez de semicondutores, já que a maioria dos componentes são importados das fábricas asiáticas. Foram 177,9 mil unidades produzidas, uma queda de quase 25% em relação ao mesmo período de 2020, quando o mercado já sofria com a pandemia.

Várias fábricas pararam em todo o mundo e, quando voltaram a abrir as portas, se viram sem os semicondutores, chips essenciais para a montagem mesmo dos modelos mais simples. Isso porque os automóveis de hoje levam de 300 a 1,2 mil desses componentes, que entraram em falta no ano passado.

A escassez de semicondutores se deu por conta de outro problema da pandemia: o distanciamento social. Os chips antes comprados pela indústria automotiva foram direcionados a outra demanda: a de eletroeletrônicos, muito requeridos por causa das aulas on-line e do home office.

Segundo Milad Kalume Neto, diretor de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics, a demanda de semicondutores para automóveis era de 10% do mercado. Quando as fábricas voltaram à ativa, essa parcela do mercado já estava ocupada pela indústria de celulares e computadores, e as montadoras foram para o final da fila. “No início deste ano, a estimativa mais otimista era de que a indústria automotiva seria normalizada até o fim de 2021. Hoje, com todas as informações que chegam, a previsão é de que o problema se estenda até o fim de 2022 e se resolva apenas em 2023”, explica o especialista.

Ainda de acordo com Milad, todos os carros, dos mais simples aos mais tecnológicos, precisam de semicondutores para saírem da fábrica, já que estão espalhados nos mais diversos módulos, como segurança, emissão, propulsão, conforto e conectividade. “A sua trava na porta, com alarme, tem um chipizinho. Quando você vai dar a partida no seu veículo, todo esse processo é comandado por um módulo, a faísca que vai na vela é comandada por um módulo. A quantidade de combustível que vai dentro do cilindro é um módulo, então, são vários aspectos. Quando você tem um ABS trabalhando, porque hoje todos os carros são obrigados a ir com ABS de fábrica, desde 2013, é um chip que vem atuando por trás de tudo”, explica o especialista.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (ANFAVEA) explica que os carros fabricados no Brasil levam, em média, 600 semicondutores, mas os modelos mais tecnológicos podem empregar em seus módulos mais de mil chips. Número que deve crescer com a adoção de veículos híbridos, elétricos e autoassistidos.

Segundo Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação, a expectativa é de que cerca de 300 mil veículos deixarão de ser produzidos no Brasil, em 2021, em função dessa crise global de abastecimento de componentes eletrônicos. E a situação não deve ser diferente no próximo ano. Dados de um estudo feito pelo Boston Consulting Group (BCG) mostram que de 10 a 12 milhões de carros não saíram das fábricas por conta da escassez de semicondutores neste ano e o número deve chegar a mais de 5 milhões em 2022. “Ainda temos grandes desafios. Chamo de sequelas da pandemia. Enfrentamos a crise da saúde e agora estamos enfrentando, desde o início do ano, as consequências na cadeia logística, na cadeia de produção, e isso tem afetado substancialmente o setor automotivo, em especial por conta dos semicondutores”, destaca Moraes.

Solução caseira

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (ABISEMI), o mercado mundial do setor cresce de 5% a 6% ao ano e o Brasil já faz o encapsulamento e teste de aproximadamente 200 milhões de chips anualmente. A quantidade, porém, está longe de ser suficiente. Isso porque nosso país ainda precisa importar a maior parte dos semicondutores e gasta, com isso, cerca de 5 bilhões de dólares a cada ano, valor que poderia estar entrando ou se multiplicando aqui dentro se o setor estivesse fortalecido.

A principal política pública direcionada ao tema, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS), acaba em janeiro de 2022. A Câmara dos Deputados possui algumas proposições em tramitação para tratar do tema, entre elas o PL 3042/2021, que prorroga o prazo de vigência do benefício até dezembro de 2029.

Os números consolidados do setor apontar o caráter exitoso do programa: já são mais de USD 2,5 bilhões investidos em infraestrutura produtiva, máquinas e equipamentos, R$ 600 milhões empregados em atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, criação de infraestrutura laboratorial de prototipagem e testes sem precedentes na América Latina, diversas patentes concedidas no Brasil e no exterior e aproximadamente R$ 3,5 bilhões anuais em faturamento.

O deputado Vitor Lippi (PSDB-SP), autor do Projeto de Lei, explica que todo o planeta depende hoje de apenas seis países para conseguir os semicondutores, ou seja, o tema sempre foi uma preocupação estratégica para qualquer nação. O parlamentar lembra que além dos automóveis, tudo o que basicamente usa eletricidade depende dos semicondutores, de celulares e computadores a tratores e painéis solares.

Vitor Lippi cita o crescimento exponencial da necessidade desses produtos para evidenciar que o Brasil, que produz apenas 20% dos semicondutores que precisa, tem grande oportunidade neste mercado, mesmo porque é o maior exportador do mundo de silício, que é o principal minério utilizado na produção de semicondutores.

“Nós entendemos que fortalecer a indústria de semicondutores do Brasil é uma forma de a gente ter mais autonomia, de a gente diminuir a nossa dependência, pra gente poder ampliar o número de indústrias, dar mais segurança pros setores que utilizam esses tipos de produtos, de equipamentos aqui no Brasil e, mais do que isso, quem sabe futuramente o Brasil pode ser um grande produtor mundial e até exportador. Ao invés de a gente exportar apenas commodities, a gente poderia estar exportando produtos de valor agregado”, ressalta Lippi.

O parlamentar lembra que já foi feito um grande esforço para investir no segmento e que as políticas públicas têm o papel de construir uma indústria forte no país. “A Lei que hoje dá incentivo a essas indústrias que produzem semicondutores no Brasil termina agora em janeiro, e sem isso nossas indústrias, que já não são tão grandes, não vão conseguir competir com as empresas dos outros países. Por isso é importante que a gente apresente uma nova legislação, que é o PL 3042, de minha autoria, para que a gente possa renovar esse PADIS, que é o programa de apoio, uma matéria estratégica, muito importante para o presente e para o futuro do país.”

Lippi acredita que o assunto deve ser resolvido nas próximas semanas, já que o Governo vem sendo colaborativo neste sentido. No entanto, por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal, é preciso encontrar um espaço no orçamento para que se possa dar continuidade ao benefício.

 

 

Foto de Capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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