O inquérito e a ação penal contra Daniel Silveira furaram todas as filas. Não esquentaram prateleira no STF. Nunca foi preciso soprar-lhes o pó. Numa Corte onde os ministros gostam de dizer que não olham a capa dos processos (querendo significar que não importa quem seja o fulano do caso), esses autos parecem trazer grafado o nome do réu em letras fosforescentes. Transitaram em carrinhos de mão com giroflex. Enquanto isso, 35 inquéritos, dos quais sete já são ações penais, segundo site Congresso em Foco, aguardam nessas mesmas prateleiras a almejada prescrição.
Ontem à noite (21/04), após muito tempo, assisti à Globo durante alguns minutos. Queria saber o que era dito sobre a concessão de graça ao condenado Daniel Silveira. Foi como se o controle remoto da TV me levasse a um universo paralelo, que tanto poderia ser o kafkiano despertar do cidadão Josef K., quanto o pesadelo orwelliano narrado no livro 1984. Ali, nada era como de fato é. Essa sensação só passou quando me dei conta de ser disso mesmo que se tratava. Os ministros do STF são habitantes do mesmo universo. Convivem com aqueles que se creem detentores de todo o poder e a todos mais reduzem a proporções nanométricas.
Mencionarei apenas quatro exemplos dentre tantos. Lá onde vivem,
um vídeo na nuvem do YouTube dá motivo para prisão em flagrante, por ordem judicial, em horário noturno;
o preceito constitucional que assegura a inviolabilidade dos congressistas por quaisquer opiniões palavras e votos está submetido à “opinião” dos ministros do STF sobre cada congressista e sobre suas respectivas opiniões e palavras;
um mesmo vídeo pode encerrar uma sequência de crimes continuados e as penas somadas até exceder 8 anos (o bastante para que o 1/6 da pena seja cumprido em regime fechado);
a vítima da injúria pode relatar o processo e julgar quem o ofendeu; o ministro Alexandre cometeu o ato falho de, em seu voto, colocar-se pessoalmente como objeto da agressão.
Creem que aqui, no universo dos fatos e dos “súditos”, ninguém viu coisa alguma, ninguém percebeu a absurda desproporção entre as acusações e as penas, nem o odor amargo da vingança proporcionada pela bandeja que deveria bem servir à justiça, à democracia e ao Estado de Direito. E creem, por fim, que, à exceção deles, este é um país de idiotas.
Erraram todos. Errou Daniel, duas vezes errou o colegiado do STF, e duas vezes errou a Câmara. Em boa hora, agiu o presidente. Há poucos minutos, ouvi a sempre brilhante e robusta opinião do Prof. Dr. Ives Gandra da Silva Martins. Falou pela Nação, pela Justiça e pelo Direito. Por quem falam os que nos falam desde seu universo paralelo?