A ordem para entregar todas as pessoas presentes no acampamento instalado junto ao QG do Exército foi emitida por alguém que deixou no armário o senso de humanidade. Lá se foram embarcadas pessoas idosas, pessoas enfermas, crianças e suas mães. Você não precisa pensar muito para perceber que isso está errado. Não creio que algo assim já tenha sido feito em cracolândias, para apreensão de drogas e traficantes.
Era inevitável que a multidão detida evocasse a imagem nefasta de um “campo de concentração”. O erro, que desencadeou uma série de problemas operacionais – e humanos – foi considerar criminoso o simples fato de estar alguém acampado diante de uma instalação militar em protesto contra a sequência de ações cujo produto final foi a eleição de Lula.
É excesso de autoestima e perda do senso de medida indignar-se e reagir de modo punitivo a essa prolongada irresignação inativa. Por que, raios, vociferar tanto contra a visibilidade proporcionada pela simples presença passiva, semana após semana?
Vê-los me fazia lembrar de Mahatma Ghandi ou Martin Luther King, que estão longe de ser maus exemplos. Indignar-se e reagir a eles é desprezar a autonomia do ser humano. Quem assim procede tem excesso de estima por si mesmo e escassa estima pela humanidade.
As pessoas devem ser livres para protestar pacifica e eternamente, se quiserem. É o que fizeram – sempre sob repressão do Estado! – as Mães da Praça de Maio na Argentina durante 30 anos entre 1976 e 2006 e há 20 anos fazem as Damas de Branco em Cuba, enquanto marcham, juntas, silenciosas e agredidas, para a missa dominical. Há exemplos à esquerda e à direita.
É inútil colocar uma rolha e selar com o lacre da autoridade as opiniões divergentes. Ao peso e custo de sanções, perguntas sem resposta podem não ser verbalizadas, mas persistirão nas mentes e ecoarão na história. Vale o mesmo para as perguntas que hoje são feitas sobre as misteriosas omissões das autoridades na proteção da Esplanada dos Ministérios.