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Estudantes da USP aprendem a construir plataformas digitais para estimular doação de sangue e de notas fiscais

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Era uma vez uma professora chamada Simone Senger, que precisava ensinar conceitos de engenharia de software para uma turma de 32 alunos da USP em São Carlos. Era uma vez duas empresas são-carlense chamadas RunWeb e Arquivei, da qual são sócios três ex-alunos do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC). Juntos, eles resolveram criar uma história diferente em sala de aula. Em um projeto piloto, desafiaram os estudantes a criarem projetos para resolver dois problemas reais da sociedade brasileira: a escassez de doadores de sangue e a dificuldade de doação de notas fiscais para instituições sem fins lucrativos. 

A moral dessa história não mora apenas nas cinco plataformas criadas pelos estudantes, abarca aprendizados não mensuráveis pelas metodologias tradicionais de desenvolvimento de software. Solidariedade, persistência, trabalho em equipe e gestão do tempo são palavras-chave que aparecem constantemente nos depoimentos dos alunos que tiveram a oportunidade de passar por essa experiência.

“Essa é uma das coisas que mais me deixa feliz ao fazer o trabalho: aquilo que a gente desenvolveu não vai só virar uma nota da disciplina, vai ajudar pessoas e uma instituição que tem um trabalho muito legal”, conta Adriano Belfort, 21 anos. Ele está no 4º ano do curso de Engenharia de Computação, oferecido em parceria pelo ICMC e pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC). Junto com mais seis colegas de turma, Adriano desenvolveu um aplicativo e uma plataforma web para facilitar a doação de notas fiscais para o Instituto Fazendo História. O aplicativo para Android criado pelo grupo é capaz de ler o QR Code existente na nota fiscal e extrair os campos importantes como o número do documento, o valor e o CNPJ. As informações são enviadas para um servidor, que tem uma interface web desenvolvida para possibilitar que os funcionários do Instituto acessem esses dados. Nessa interface, eles podem ver todas as notas cadastradas e enviar as informações para o Governo. Hoje, as entidades fazem esse cadastro manualmente e o Governo só aceita a doação das notas que são registradas até o 20º dia do mês seguinte à emissão da nota. Ou seja, se a instituição não realizar o registro antes desse prazo, perde a chance de receber o benefício. 

“A lista de inovações desse projeto foi imensa. Geralmente, nossos trabalhos são focados em uma determinada matéria. Dessa vez, realmente conseguimos integrar todos os conhecimentos em prol de um serviço à comunidade, uma plataforma pública”, diz Raphael Ferreira, 25 anos. Ele e sua equipe, mais cinco estudantes do curso de Engenharia de Computação, criaram uma plataforma web para conectar organizadores de campanhas de doação de sangue e doadores. “Qualquer usuário pode fazer o cadastro de uma campanha e até sugerir o tipo de sangue de que mais estão precisando”, explica Raphael. “Já o doador se cadastra na plataforma por meio do Facebook e será notificado pela plataforma sempre que uma nova campanha de doação for cadastrada na região em que ele mora”, completa Jéssika Darambaris, 24 anos. Ao receber a notificação no Facebook, o doador poderá acessar a plataforma, visualizar as campanhas que estão sendo realizadas em sua região e informar se tem interesse em participar de uma delas. Se confirmar o interesse, cerca de uma semana depois da data de realização da iniciativa, o sistema envia uma nova notificação para checar se o usuário realmente fez a doação. Quando a participação é confirmada, a plataforma bloqueia o envio de novas notificações durante o período em que a pessoa não poderá fazer uma nova doação. Sempre que há mudanças em relação a datas e locais das campanhas, o doador também é notificado. 

Ao acessar o site criado pelo grupo, chamado Doa.la, a caixinha de presente vermelha da logomarca se destaca. Ao rolar a barra de rolagem, um mapa invade a tela com pequenas gotinhas de sangue que exercem o papel de marcadores locais. Se você é um doador, o que verá ali sinalizado são as campanhas de doação agendadas para acontecer na sua região. Agora se você é um organizador, a sinalização refere-se ao número de doadores cadastrados na região onde você está promovendo sua campanha. A plataforma conta também com um buscador, que permite encontrar facilmente uma campanha. “A maior proposta da professora foi fazer a gente viver a engenharia de software, não só estudar”, resume Jéssika.

Dentro da sala de aula – Estamos no final do primeiro semestre e a disposição da sala onde acontece a penúltima aula de engenharia de software, na área 2 do campus da USP em São Carlos, revela muito sobre a metodologia usada durante o processo de construção desses projetos. Há cinco mesas redondas com muitos laptops. Ao redor delas, os estudantes conversam e realizam os últimos ajustes em seus projetos. Na próxima semana, cada um deles terá 20 minutos para apresentar o produto que escolheram criar. Três deles optaram por construir plataformas para estimular a doação de notas fiscais e dois deles para doação de sangue. 

Por entre as mesas circulam quatro integrantes da RunWeb e da Arquivei, dando os últimos palpites no que cada grupo mostra. O clima é de descontração e concentração a um só tempo. Colorindo as paredes, estão os post-its colados em cinco cartolinas. Tecnicamente, esses quadros são conhecidos como kanban boards, é onde cada etapa das atividades a serem desenvolvidas nos projetos fica registrada, o que facilita a visualização e gerenciamento do fluxo de desenvolvimento. Se você for à startup Arquivei, encontrará esses kanban boards com post-its por lá também.

“A gente tentou fazer uma versão para a sala de aula do que acontece em uma empresa na vida real”, pontua Jéssika. Foi essa exatamente a ideia da professora Simone e dos sócios das empresas quando resolveram unir forças para colocar em funcionamento esse pequeno laboratório de engenharia de software. A inspiração veio de uma proposta colocada em prática por outro professor do ICMC, Edson Moreira, no curso de Ciências de Computação: ele estimula os alunos a transformarem seus projetos acadêmicos em protótipos de produtos para o mercado. “A ideia era aliar o conhecimento científico e teórico da academia com a vivência prática de uma startup, que usa a metodologia ágil de desenvolvimento de software no dia a dia”, revela Simone. 

A professora já conhecia o trabalho da RunWeb e da Arquivei e até orientou um dos sócios da startup, Bruno Oliveira, durante seu mestrado no ICMC. Isso possibilitou que a professora fizesse o convite para a empresa, que já tinha interesse em se aproximar da Universidade. “Conversamos bastante para entender como a gente faria o trabalho. Quando você fala em projeto para uma startup, o foco é sempre olhar o produto final. Mas a Simone também precisava avaliar o processo de desenvolvimento dos produtos”, conta Bruno. 

Tudo indica que eles conseguiram encontrar um bom meio termo ao longo do caminho. No último dia de aula, durante as apresentações realizadas pelos cinco grupos, o ambiente foi invadido pelas reflexões dos estudantes sobre os erros e acertos durante a construção de suas plataformas. Havia também um aroma irresistível dos salgadinhos que Simone trouxe para festejar o encerramento do semestre. Poucos momentos devem ser tão gratificantes para um professor do que ver o quanto seus alunos conseguiram enxergar suas próprias limitações e conquistas.

“Vendo o que o outro grupo fez, notei que a gente poderia ter incluído relatórios estatísticos na nossa plataforma”, diz Jéssika enquanto apresenta o Doa.la para seus colegas de turma. “O ideal é ampliar o projeto para possibilitar a doação de notas fiscais para outras instituições”, comenta Adriano na hora que está mostrando o projeto de seu grupo. Um elo une as inúmeras falas dos cinco grupos: os estudantes sabem que podem aprimorar as ferramentas criadas, reconhecem o quanto aprenderam e o quanto há, ainda, por aprender. 

É preciso ser ágil – A RunWeb e a Arquivei disponibilizaram, para acompanhar o trabalho de cada equipe, um membro da empresa para exercer o papel de cliente, um personagem indispensável para que os grupos pudessem testar a metodologia ágil, utilizando o método SCRUM. “Escolhemos esse método por ser iterativo, evolutivo, adaptável e flexível. Ele inclui práticas que promovem agilidade e rapidez nas mudanças durante o desenvolvimento do projeto, dentre elas a interação constante com o cliente”, ensina Simone. 

Segundo a professora, ao utilizar o método, as equipes puderam colocar em prática as habilidades de dividir o problema em atividades, priorizá-las e estabelecer cronogramas razoáveis para o desenvolvimento do projeto. “A gente teve que se planejar bastante em relação ao tempo. Precisamos usar essas ferramentas de organização de equipe para conseguir conciliar o projeto com todos os outros trabalhos e atividades da Universidade. Foi um aprendizado muito bom”, revela Adriano. 

Durante as aulas, os alunos também utilizaram a ferramenta de gestão de projetos Redmine, que é gratuita. Simone conta que outra atividade importante foi a construção de um protótipo do software, o que foi feito no início dos trabalhos por meio da técnica paper prototype. “A disciplina possibilitou que a gente tivesse contato com tecnologias e conceitos que não teria visto senão tivesse feito esse projeto. Isso é um gatilho para despertar o interesse por outras áreas”, completa Henrique Silveira, 22 anos, que trabalhou em grupo junto com Adriano. Um dos principais desafios foi correr atrás de conhecimentos sobre desenvolvimento web e desenvolvimento mobile. “Eles tiveram que trocar o motor do carro andando. Aprenderam as tecnologias que não conheciam e a gerir um projeto ao mesmo tempo. É o que vão ver no mercado”, avalia Vitor de Araújo, sócio da Arquivei e ex-aluno do curso de Ciências de Computação do ICMC.

 

“Normalmente, você aprende engenharia de software na faculdade sem estar fazendo software na prática”, contou Filipe Grillo, outro sócio da Arquivei, que também cursou Ciências de Computação e fez mestrado no ICMC. “A gente conseguiu trazer para eles um gostinho do que é estar no mercado”, adicionou Christian De Cico, outro sócio da Arquivei. 

No final daquele último dia de aula, as equipes de Adriano e Jéssika foram reconhecidas por terem desenvolvido os trabalhos mais bem-sucedidos da turma e premiadas pelas RunWeb e pela Arquivei (confira o nome dos alunos de cada equipe abaixo). As empresas convidaram os dois grupos a darem prosseguimento a seus projetos. A torcida é para que eles façam os últimos ajustes e coloquem logo as plataformas à disposição da sociedade. Só assim, o ciclo dessa jornada empreendedora estará completo.

Equipes vencedoras:
 

1º lugar: Projeto QR Doar
Adriano Belfort de Sousa
Adson Filipe Vieira da Silva
Denilson Antonio Marques Junior
Henrique Cintra Miranda de Souza Aranha
Henrique de Almeida Machado da Silveira
Lucas Eduardo Carreiro de Mello
Marcello de Paula Ferreira Costa

 

2º lugar: Projeto Doa.la
Guilherme Caixeta de Oliveira
Guilherme Gonçalves
Jéssika Darambaris Oliveira
Lucas Marques Rovere
Luiz Felipe Machado Votto
Raphael Victor Ferreira

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 744