Segundo pesquisadores do IB-Unicamp, micro-organismo aproveita baixa na resistência do organismo, provocada pelo uso de antibióticos, para desenvolver a doença
Texto: Manuel Alves Filho Fotos: Antoninho Perri Edição de Imagem: Luis Paulo Silva
Pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp publicaram recentemente na Cell Reports, periódico científico de alto impacto, artigo que traz novas contribuições para o entendimento dos mecanismos de proteção exercidos pela microbiota intestinal em relação à bactéria Clostridium difficile, uma das principais causadoras de infecção intestinal no ser humano. De acordo com o trabalho, cujos ensaios em modelo animal foram realizados no Laboratório de Imunoinflamação do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do IB, o micro-organismo aproveita-se de uma baixa na resistência do organismo, provocada pelo uso de antibióticos, para atacar o intestino, gerando dor de barriga, diarreia e, em casos mais graves, até a morte do paciente.
Os estudos em torno da C.difficile foram coordenados pelo professor Marco Aurélio Vinolo e contaram com a participação de cinco de seus orientandos na pós-graduação: José Luis Fachi, Jaqueline de Souza Felipe, Laís Passariello Pral, Bruna Karadi da Silva e Renan Oliveira Corrêia. As pesquisas também tiveram a colaboração de outros pesquisadores do IB-Unicamp, FCA-Unicamp, Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Essex (Reino Unido). Segundo Vinolo, a bactéria C.difficile está presente no ambiente, podendo sobreviver por longos períodos de tempo. “Esse micro-organismo tem uma forma de resistência chamada esporo, que faz com que ele consiga sobreviver por muito tempo, sendo particularmente problemático no ambiente hospitalar”, explica.
Após entrar em contato com o ser humano, a C.difficile pode se alojar na microbiota intestinal e produzir toxinas que atacam as células que revestem o intestino. Dito de maneira simplificada, um dos principais fatores que levam a bactéria a desencadear a doença é o uso de antibióticos. Quando o indivíduo utiliza esse tipo de medicamento, seja por causa de um tratamento dentário ou como terapia após uma cirurgia, ele se torna susceptível à infecção por C.difficile. O antibiótico causa uma redução na resistência exercida pela microbiota intestinal do organismo, o que abre caminho para o micro-organismo provocar a infecção. “O que nós descobrimos é que, ao ser afetada, a microbiota intestinal deixa de produzir ácidos graxos de cadeia curta, que ajudam a proteger o organismo da ação desse patógeno”, detalha o professor Vinolo.
Esses ácidos, prossegue o docente, são produzidos pela microbiota intestinal a partir de fibras alimentares que ingerimos. “Nós realizamos ensaios em modelo animal que constaram que os camundongos que foram submetidos a dietas ricas em fibras apresentaram maior resistência à ação da bactéria. O contrário ocorreu com os animais que tiveram uma dieta pobre em fibras”, relata. A identificação desse mecanismo é importante porque pode favorecer o desenvolvimento de terapias para prevenir ou minimizar os problemas causados pela C.difficile.
Uma abordagem que segue essa ideia e tem apresentado bons resultados, conforme o pesquisador, é o transplante de microbiota intestinal. Nesse caso, bactérias presentes nas fezes de um indivíduo saudável são isoladas e depois administradas para a pessoa que apresenta infecções intestinais recorrentes por C.difficile. Com isso, o sistema de proteção do organismo é reforçado, impedindo o desenvolvimento de doença pela bactéria. “Trata-se de um método terapêutico eficiente, mas que traz riscos associados, uma vez que não é possível identificar todos os micro-organismos presentes na microbiota transplantada. Há a possibilidade de que ela tenha também organismos potencialmente patogênicos associados, por exemplo, ao desenvolvimento de diabetes, obesidade e doenças degenerativas”, adverte Vinolo. Nesse sentido, o fato de a pesquisa ter identificado alguns produtos da microbiota que podem exercer efeito protetivo na infecção pode facilitar o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento dessa patologia.
Enquanto a ciência busca alternativas mais eficazes contra a atividade da C.difficile, as pessoas podem ajudar a evitar infecções intestinais seguindo alguns cuidados que já são, em boa medida, conhecidos por todos, observa o docente. “Um deles, que está ao alcance de todos, é aumentar o consumo de fibras alimentares, que concorrem para a produção de ácidos graxos de cadeia curta, um ‘inimigo’ natural da bactéria”, recomenda. As fibras podem ser encontradas principalmente em frutas, legumes e cereais integrais.
Linha de pesquisa
O estudo envolvendo a C.difficile faz parte de uma linha de pesquisa coordenada pelo professor Vinolo que investiga vários aspectos relacionados aos metabólicos bacterianos e sua interação com as células do organismo. “A pesquisa que rendeu o artigo publicado pela Cell Reports levou cinco anos para ser concluída e contou com a participação de alunos de mestrado e doutorado, além da colaboração do grupo do professor Patrick Varga-Weisz. Atualmente, temos outro trabalho em fase final de submissão a uma revista científica que trata de outro ácido graxo de cadeia curta. Este também parece ter um efeito protetor no organismo, mas por um mecanismo diferente. A ideia é, futuramente, usar os dois compostos conjuntamente para ver se conseguimos ampliar esse efeito protetor”, revela.
O docente destaca, ainda, dois aspectos que considera importantes no contexto das investigações realizadas em seu laboratório. O primeiro deles é o diálogo com grupos nacionais e internacionais para a troca de conhecimento. “No nosso caso, as colaborações têm funcionado muito bem porque um lado sempre aprende com o outro. Além disso, temos promovido o intercâmbio de estudantes, o que também contribui para o avanço das pesquisas”, observa.
O segundo ponto enfatizado pelo professor Vinolo refere-se ao caráter interdisciplinar dos trabalhos. “Somente uma área não dá conta de responder a todas as perguntas que surgem durante um estudo. No nosso caso, usamos conhecimentos oferecidos por diferentes áreas como a imunologia, nutrição e microbiologia. Atualmente, não é possível fazer ciência sem esse tipo de interação. O que procuramos fazer é explorar o fato de os saberes e pontos de vistas serem diferentes, mas complementares”, pontua. As pesquisas realizadas no Laboratório de Imunoinflamação são financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Newton Fund, ligado ao governo britânico.