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Estudo da USP mostra que dados do Enem podem contribuir para a construção de futuras políticas educacionais

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Por meio da análise do desempenho de alunos de todo o país, pesquisadores demonstram que é possível fornecer ao poder público evidências científicas valiosas para aprimorar o ensino brasileiro

 

Por Rebecca Crepaldi, Denise Casatti e Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP

 

A pesquisa avaliou resultados obtidos por estudantes que realizaram o Exame entre os anos de 2012 e 2017, com base em informações disponibilizadas pelo Inep (Foto: USP Imagens).

 

O que os dados sobre o desempenho de 1,3 milhão de jovens no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) podem revelar sobre a educação brasileira? Um estudo considerando a performance desses estudantes em cada edição da prova, ao longo de seis anos consecutivos, evidencia como a ciência de dados pode ser uma importante aliada do poder público na construção de futuras políticas educacionais bem-sucedidas.

Realizada por pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, a pesquisa avaliou resultados obtidos por estudantes que realizaram o Exame entre os anos de 2012 e 2017, com base em informações disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Utilizando técnicas computacionais, os cientistas realizaram três tipos de análises: a primeira sobre a performance dos alunos em cada região do Brasil; a segunda comparando o desempenho dos estudantes de escolas públicas e privadas; e a terceira buscou entender a participação de alunos com deficiência.

Com o auxílio de alguns algoritmos (sequências de comandos que são passadas a um computador para especificar uma tarefa) desenvolvidos pelos próprios pesquisadores, os especialistas calcularam quais foram as notas médias para cada uma das quatro áreas de conhecimento da prova (Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Matemática) e da redação. Depois disso, os alunos foram divididos em três grupos: o dos que tiveram “baixo desempenho”, “médio desempenho” e “alto desempenho”.

O processo permitiu traçar comparações entre a performance e a evolução dos estudantes em cada região do Brasil, o que é fundamental, tendo em vista as significativas diferenças culturais e econômicas entre as localidades. A surpresa dos cientistas se deu, principalmente, ao investigarem o aumento da pontuação média do grupo de alto desempenho entre 2014 e 2017: nos primeiros anos desse período, as regiões Centro-Oeste e Sudeste alcançaram as melhores pontuações; mas, ano após ano, o Nordeste foi melhorando e, em 2017, tornou-se uma das regiões de melhor desempenho ao lado do Centro-Oeste.

“Neste grupo de alta performance, nós percebemos que as escolas públicas do Nordeste foram crescendo ao longo dos anos até que alcançaram o segundo lugar, que pertencia anteriormente à região Centro-Oeste. Isso indica que, provavelmente, quem gere as escolas públicas do Nordeste passou a investir mais na preparação para o Enem, adotando novos métodos que originaram resultados mais satisfatórios. É um dado que indica a necessidade de outras pesquisas aprofundadas para tentar entender o que foi feito nessa região e, eventualmente, replicar as práticas de sucesso em outros locais”, explica o mestrando do ICMC Afonso Matheus Sousa Lima.

 

Ano após ano, o Nordeste foi melhorando e, em 2017, tornou-se uma das regiões de melhor desempenho ao lado do Centro-Oeste.

 

 

Outro tópico avaliado pelos cientistas foi a taxa de participação dos estudantes por tipo de escola. Entre 2012 e 2017, os grupos de baixo e médio desempenho foram majoritariamente formados por alunos de escolas públicas. Por outro lado, para o grupo de alto desempenho, houve um equilíbrio entre os tipos de escola. Um exemplo é o da região Norte, que apresentou durante todos os anos maior taxa de participação de alunos da rede pública.

 

 

A região Norte apresentou durante todos os anos maior taxa de participação de alunos da rede pública.

 

Analisando as informações relacionadas aos dois tipos de escola, mais um dado intrigou os cientistas: a diminuição da participação de alunos com deficiência provenientes de escolas públicas. “De maneira geral, os alunos com deficiência têm saído das escolas públicas e ido para as escolas privadas. Isso pode indicar que a escola particular está adotando alguma estratégia muito boa ou que a escola pública está piorando. O fato é que as escolas privadas estão ficando mais atrativas para esses alunos”, comenta Robson Leonardo Ferreira Cordeiro, professor do ICMC e um dos autores da pesquisa.

A reduzida participação no Enem de alunos com deficiência provenientes de escolas públicas foi tão acentuada em 2012 que os pesquisadores precisaram desconsiderar os dados coletados naquele ano. Além disso, a quantidade de alunos com esse perfil nos anos seguintes também foi muito pequena, o que preocupa, já que, em 2017, por exemplo, quase 24% da população brasileira apresentava algum tipo de deficiência, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

 

A quantidade de alunos com deficiência preocupa, já que, em 2017, por exemplo, quase 24% da população brasileira apresentava algum tipo de deficiência.

 

Inicialmente, o grupo de pesquisadores do ICMC havia decidido utilizar no trabalho os dados de 2009 em diante, porque naquele ano o Enem foi reformulado para unificar o vestibular das universidades federais brasileiras. No entanto, os dados relacionados a  alguns anos, como 2011, estavam desorganizados. Já em 2018, a informação do tipo de escola dos alunos foi omitida pela maioria dos estudantes.

Por conta dessas limitações, os cientistas optaram por estudar o período de 2012 a 2017, e calcularam, para cada um desses seis anos, o que eles chamaram de “atributos” dos alunos, englobando desde as respostas do questionário socioeconômico do Enem até as notas das quatro áreas de conhecimento e da redação. Como todas essas informações eram essenciais para a investigação, foram descartados os dados dos alunos que não responderam, por exemplo, se tinham alguma deficiência ou que zeraram alguma das competências. Dessa forma, embora mais de cinco milhões de alunos tenham participado do Enem em cada um dos anos analisados, a filtragem teve como resultado uma amostra de aproximadamente 1,3 milhão de jovens por ano.

De maneira geral, os especialistas concordam que a Lei de Acesso à Informação (LAI) foi fundamental para a realização do trabalho, mas ressaltam que é preciso aprimorar a qualidade, organização e padronização dos dados, tanto para que eles se tornem potencialmente mais úteis às análises, como, também, para a construção de novas políticas públicas que visem qualificar o ensino nas regiões mais deficitárias. No futuro, o grupo do ICMC pretende pesquisar o desempenho de alunos entre os anos de 2018 a 2022, o que permitirá investigar os impactos da pandemia e da mais recente mudança de Governo na performance dos estudantes no Enem. Segundo o Inep, em 2021, por exemplo, apenas quatro milhões de alunos se inscreveram para a edição, o menor número de participantes em 13 anos.

O estudo é fruto de uma disciplina de pós-graduação chamada “Tópicos em Bases de Dados” e gerou um artigo publicado na revista científica Journal of Information and Data Management, de autoria dos pesquisadores Afonso Matheus Sousa Lima, Alexander Ylnner Choquenaira Florez, Alexis Iván Aspauza Lescano, João Victor de Oliveira Novaes e Natalia de Fatima Martins. O trabalho teve, ainda, a participação e orientação dos professores Robson Leonardo Ferreira Cordeiro, Caetano Traina Junior, Elaine Parros Machado de Sousa e José Fernando Rodrigues Junior, todos do ICMC. Eles integram o Grupo de Bases de Dados e de Imagens (GBdI) do Instituto.

 

 

Pesquisadores envolvidos: Afonso Matheus Sousa Lima, Alexander Ylnner Choquenaira Florez, Alexis Iván Aspauza Lescano, João Victor de Oliveira Novaes, Natalia de Fatima Martins, Robson Leonardo Ferreira Cordeiro, Caetano Traina Junior, Elaine Parros Machado de Sousa e José Fernando Rodrigues Junior.

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