Por Lucimar Almeida
Em 2008, a falta de água assustou milhares de pessoas, levou ao racionamento e quase secou reservatórios em centenas de municípios da região. Passados dez anos, o cenário de terra batida e problemas no abastecimento hídrico voltaram a ser comuns e alguns dos municípios que conviveram com o fantasma do desabastecimento em 2008, como Riacho de Santana, diante da seca severa que castiga a região, convive hoje com a que já é considerada a pior crise hídrica de sua história.
Depois de meses convivendo com o racionamento, com os mananciais que abastecem a Barragem da Santana secos e o reservatório, que é responsável pelo abastecimento da sede municipal e de regiões em seu entorno, praticamente esgotado, a situação é gravíssima.
Apesar da população já vir se preparando para o pior diante das restrições impostas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), autarquia municipal responsável pelos serviços de captação, tratamento e distribuição de água na cidade, o que levou o prefeito Alan Antônio Vieira (PSD) a decretar situação de emergência e ampliar os investimentos no abastecimento por carros pipas, a realidade é crítica, como avaliam autoridades e populares ouvidos pela reportagem do JS.
“A situação é dramática”, apontou o diretor administrativo do Saae, Antônio Luís Filho, destacando que são necessários 2,5 milhões de litros de água diariamente para manter o abastecimento normal da cidade e que, atualmente, o sistema tem conseguido bombear apenas 650 mil litros, ou seja, 26% do necessário. De acordo com o diretor do Saae, a situação não está mais crítica em razão da população ter se conscientizado da necessidade de economizar água e da Prefeitura Municipal ter investido na perfuração de poços artesianos que estão interligados à rede de abastecimento e outros no entorno da sede municipal, e diversos produtores rurais terem atendido ao apelo do prefeito e estão disponibilizando seus poços artesianos para o abastecimento de carros-pipa.
A solução emergencial (uso de poços artesianos) para amenizar a crise e garantir, ainda que precariamente, o abastecimento da cidade, que está sendo utilizada pela Prefeitura Municipal, através do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), segundo especialistas ouvidos pela reportagem do JS, é tão ou mais preocupante que o esgotamento do lago da Barragem da Santana. Além da possibilidade real do rebaixamento do lençol freático, há riscos eminentes para a saúde da população. O alerta foi feito pelo biólogo mineiro radicado em Brumado Márcio Augusto Valente Pinho (veja Box), que compara a situação experimentada hoje por Riacho de Santana a vivenciada pela população brumadense no final de 1998 e início de 1999. “É alarmante, mas é preciso fazer o alerta para que a população não seja surpreendida”, avalia o biólogo.
Com o fantasma do desabastecimento transformado em realidade, o prefeito Alan Antônio Vieira (PSD) adotou uma série de medidas complementares às que vinham sendo empregadas nos últimos meses e, ouvido pela reportagem do JS, fez um desabafo e uma ameaça.
Em tom de desabafo, o prefeito lamentou que nenhuma providência teria sido adotada pelos Governos Federal e do Estado no sentido de viabilizar uma solução para resolver de forma definitiva o abastecimento de água da cidade. Segundo relatou o prefeito, em 2017 teria sido entregue ao então Ministro de Estado da Integração Nacional, Helder Zahluth Barbalho, projeto para construção de uma Adutora do Rio São Francisco, com captação em Bom Jesus da Lapa, que resolveria definitivamente o problema do abastecimento de água da cidade. A mesma proposta, destacou Alan Antônio Vieira, foi apresentada ainda em 2017 ao governador Rui Costa dos Santos (PT). Nem o ministro Helder Barbalho e nem o governador Rui Costa responderam à solicitação ou sinalizaram para a possibilidade da elaboração do projeto e execução da obra.
O prefeito esclareceu ainda que em abril deste ano, durante visita de trabalho ao município, o governador Rui Costa autorizou a Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (Cerb), órgão da estrutura da Secretaria de Estado de Infraestrutura Hídrica e Saneamento da Bahia, a perfurar e instalar doze poços artesianos. “Destes, cinco foram perfurados. Um deu seco e como a Cerb não executou a instalação, a Prefeitura Municipal, com recursos próprios, instalou dois e está providenciando a instalação do terceiro”, resignou-se o prefeito.
O social democrata Alan Antônio Vieira não se limitou a lamentar e ao anunciar que estaria decretando situação de emergência e apelando para que os proprietários rurais do entorno da cidade que possuem poços artesianos em suas terras disponibilizassem o acesso para o carregamento de caminhões-pipa, subiu o tom e ameaçou, se necessário, decretar a “Utilidade Pública Municipal” desses equipamentos caso houver resistência em atender à solicitação e necessidade para assegurar minimamente o fornecimento de água para a população.
O prefeito também lamentou que o Exército Brasileiro, que tem atuado segundo destacou com muita eficiência, no atendimento à população rural, não possa também beneficiar a zona urbana. “Há limites para a atuação do Exército”, explicou o prefeito ao afirmar que procurou a Instituição para ajudar no abastecimento da cidade. E disse que espera que haja sensibilidade do Governo do Estado no sentido de autorizar a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) a disponibilizar carros-pipa para atendimento da sede municipal.
Todas as medidas já adotadas, as que estão sendo implementadas e as que espera o Governo do Estado adote emergencialmente, segundo Alan Antônio Vieira, são paliativas. Ele diz esperar que haja, por parte das autoridades dos Governos Federal e do Estado, sensibilidade para viabilizar a execução da construção da Adutora do São Francisco, que vai resolver de forma definitiva o problema. “Essas medidas, agora adotadas e que estamos reivindicando emergencialmente, vão resolver o problema agora. Mas se não houver disposição do Governo Federal e do Governo do Estado, a mesma crise vai continuar se repetindo nos próximos anos”, pontuou o prefeito.
Biólogo alerta para os riscos à Saúde Pública decorrentes do colapso no abastecimento de água
Fillipe Lima/Gisele Costa
colapso no desabastecimento de água da zona urbana de Riacho de Santana deve ser encarado com responsabilidade e as autoridades da área da Saúde Pública precisam estar alertas para os riscos que a população está exposta. A avaliação foi feita pelo biólogo Márcio Augusto Valente Pinho ao JS, lembrando os transtornos enfrentados pela população de Brumado no final de 1998 e início de 1999, quando o abastecimento de água da sede municipal entrou em colapso.
Para o biólogo, além dos danos emocionais e econômicos que uma crise dessa magnitude causam, há outros, tão ou mais graves, que acabam não sendo considerados a princípio. “A Saúde Pública corre riscos”, pondera, destacando a possibilidade real da população riachense enfrentar surtos – e até mesmo epidemia – de Salmonella Typhi (Febre Tifoide), Dengue [resultado do aumento de reservatórios, alguns improvisados, para armazenamento de água recebida de caminhões-pipa e, tão logo inicie o período chuvoso, das primeiras chuvas], Cólera e Hepatite (pela ingestão de água sem o tratamento adequado), além, em casos extremos, de alguns tipos de câncer em razão da utilização de vasilhames impróprios, inclusive de produtos químicos, e do uso excessivo de cloro em reservatórios.
Márcio Pinho recomenda que a Prefeitura Municipal, através de seu Serviço de Vigilância Epidemiológica, com apoio de toda a estrutura administrativa, adote medidas para conscientizar a população para os cuidados que devem ser adotados para estocar água em casa. Segundo ele, o recipiente a ser utilizado para o armazenamento deve estar bem limpo e ser mantido fechado à sombra. “Essa providência vai evitar, não só a contaminação, mas que o recipiente se torne um criadouro do mosquito da Dengue”, aponta, acrescentando que os animais domésticos também devem ser mantidos longe dos reservatórios.
“Bactéria gosta de calor, umidade e ambientes escuros. Se contiver matéria orgânica na água, ela [bactéria] proliferará numa velocidade alucinante”, explica. O biólogo recomenda, para conservação, que seja adicionada água sanitária (hipoclorito de sódio diluído) seguindo as recomendações da Funasa (Fundação Nacional da Saúde, órgão da estrutura do Ministério da Saúde), ressaltando que o uso do hipoclorito de sódio não deve ser feito fora das especificações em nenhuma hipótese, pois isso poderá acarretar em irritações gástricas, agravando dessa forma a saúde do consumidor. “Se a água for com fins potáveis, a proporção deve ser de duas gotinhas de água sanitária para cada litro. A quantidade do produto pode ser maior, caso a água não seja usada para consumo humano”, explica.