Dados oficiais suscitam questões sobre a imprudência dos condutores e a necessidade de maior fiscalização dos órgãos competetentes
Rafael Massadar – Insight Comunicação
O alto índice de mortos e feridos em acidentes em vias públicas em todo o mundo aponta para um quadro complexo da sociedade atual, suscitando questões sobre o papel do Estado e dos cidadãos na segurança do trânsito, e o impacto na economia e na saúde pública. Alvo de uma campanha internacional de mobilização da sociedade civil e de agentes públicos, denominada Maio Amarelo, o tema também apresenta desafios no Brasil. Nesse sentido, a FGV DAPP apresenta nesta publicação uma análise que evidencia os dados públicos disponíveis sobre a segurança viária no país.
É necessário destacar que os dados oficiais sobre o tema são fundamentais para contextualização do problema, permitindo a visualização de ações necessárias para redução dos número de casos no país. A ferramenta DataCrime, elaborada pela FGV DAPP, por exemplo, disponibiliza informações sobre mortes em acidentes de trânsito, considerando dados consolidados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e os dados gerados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS). Entretanto, a análise mostra que nem todos estados disponibilizam os dados de forma regular e que diversas informações não permitem identificar o cenário atual devido à defasagem dos números.
As estatísticas de trânsito no Brasil
Dados do Ministério da Saúde sinalizam que houve no ano de 2015 (dados mais recentes disponíveis) 38.651 mortes em vias públicas, patamar que coloca o Brasil na quinta colocação entre os países com o maior número de vítimas de trânsito. Os números apontam para um quadro complexo, suscitando questões sobre o papel do Estado e dos cidadãos na segurança do trânsito, e o impacto na economia e na saúde pública.
Em abril de 2018, entrou em vigor no Brasil uma lei federal que prevê o endurecimento das punições em acidentes de trânsito com vítimas no caso de envolvimento de motoristas que estavam sob influência do álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Sabe-se que as mortes no trânsito podem estar relacionadas à um conjunto de fatores, que englobam desde a desorganização do trânsito, as más condições dos veículos e das estradas, até o comportamento dos usuários e a pouca punição conferida aos infratores.
No país, o estado que contabilizou a maior taxa de vítimas fatais no trânsito, em 2015, foi o Piauí com 36,62 mortes por 100 mil habitantes, seguido pelo estado do Tocantins, com uma taxa de 36,10, e o de Roraima, com uma taxa de 32,83 por 100 mil habitantes.
Fonte: DATASUS. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/
Conforme Noronha e Morais (2011) destacam é importante que se considere as diferentes categorias de veículos e a proporção de crescimento da frota ao longo do tempo. Os acidentes que envolvem motocicletas, em especial, provocam, comparativamente a outros veículos, um maior número de acidentes. Segundo estes autores, os acidentes com motocicleta tendem a envolver um número maior de vítimas por conta de fatores como a proteção inadequada do usuário, uma maior vulnerabilidade de seus ocupantes devido às características do veículo e o comportamento inadequado dos motoristas no perímetro urbano.
Ao se observarem os valores referentes às taxas de automóveis, caminhões e motocicletas, por 100 mil habitantes, verifica-se que no Brasil o maior quantitativo de veículos está concentrado na frota de automóveis, como se pode notar no gráfico a seguir.
Gráfico 1 – Evolução temporal da frota de veículos no Brasil, por taxa de 100 mil habitantes
Fonte: DENATRAN, Sistema SIF, Relatório de Frotas. Elaboração: FGV DAPP. Disponível em: http://www.automotivebusiness.
No entanto, quando se considera a variação temporal da frota de veículos, nota-se um crescimento significativo na frota de motocicletas circulantes nos estados brasileiros, como indica o gráfico 2 a seguir.
Gráfico 2 – Variação temporal da frota de veículos no Brasil, ano base 2010
Fonte: DENATRAN, Sistema SIF, Relatório de Frotas. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www.automotivebusiness.
A partir dos dados do SUS, é possível identificar, no gráfico 3, que as vítimas fatais de acidentes de trânsito são, em sua maioria, masculina, com 82,38%, enquanto a população feminina representa 17,62% desse universo.
Gráfico 3 – Percentual de homens e mulheres vítimas fatais de acidentes de trânsito
Fonte: DATASUS. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/
Quando se observa, no gráfico 4, a pirâmide etária do percentual de vítimas fatais de acidentes de trânsito, verifica-se que a maior parte das vítimas possuem entre 20 a 49 anos, tanto para o sexo masculino (61,86%), como feminino (47,64%).
Gráfico 4 – Pirâmide etária do percentual de vítimas fatais de acidentes de trânsito – 2015
Fonte: DATASUS. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/
Impacto econômico dos acidentes de trânsito
Relatório sobre segurança viária, publicado pela Ambev [5], indica que os gastos com óbitos e feridos por acidentes de trânsito no Brasil, em 2015, foi de R$ 19 bilhões, o que representa um valor superior à arrecadação do estado do Mato Grosso em 2016 (R$ 16 bilhões), por exemplo. De acordo com relatório do Ipea, publicado em 2015, o impacto econômico causado pelos acidentes de trânsito, apenas em rodovias federais, no Sistema Único de Saúde foi perto de R$ 1 bilhão para o ano de 2014 [6].
É importante ressaltar que o atendimento na rede pública de saúde devido aos acidentes de trânsito onera não apenas o atendimento emergencial, mas também um acompanhamento prolongado dos acidentados no que tange às sequelas e aos tratamentos prolongados.
Observando-se os dados do Ministério da Saúde referentes ao diagnóstico de sequelas ocasionadas por acidentes de trânsito no Brasil, verificou-se que o estado do Tocantins figura no primeiro lugar entre os Estados com dados disponíveis entre os anos de 2015 e 2017, com maior número de sequelas provocadas por acidentes de trânsito, conforme indica o gráfico 5 a seguir. Nesse sentido, ressalta-se que a questão da segurança viária é um tema muito importante para este estado. O Rio de Janeiro vigorou, no ano de 2017, em segundo lugar, com 21,82 pessoas lesionadas por 100 mil habitantes.
Gráfico 5 – Sequelas causadas por acidentes de trânsito por UF – por taxa de 100 mil habitantes
Fonte: DATASUS. Elaboração: FGV DAPP..
Nota: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/
Um olhar sobre o Rio de Janeiro
O interesse de analisar as estatísticas de trânsito no estado do Rio de Janeiro se refere à disponibilidade de dados, para o ano de 2017, relativos às mortes e lesões no trânsito produzidas pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP). Deste modo, essas informações estaduais complementam os dados do SUS de sequela, permitindo contextualizar os acidentes de trânsito no estado.
Vale ressaltar que as informações do SUS sobre mortes e lesões no trânsito no Brasil só estão disponíveis até o ano de 2015. Importante esclarecer que as lesões de acidentes de trânsito não geram, necessariamente, sequelas em suas vítimas.E que os dados de sequelas estão atualizados até o ano de 2017.
O gráfico a seguir indica o crescimento significativo da série histórica das sequelas provocadas por acidentes de trânsito no estado do Rio de Janeiro, chamando atenção para compreensão da forma que ocorrem esses eventos. Entende-se que quanto maior a gravidade dos acidentes maior a possibilidade de geração de sequelas nas suas vítimas.
Gráfico 6 – Evolução, por taxa de 100 mil habitantes, de sequelas provocadas por acidentes relacionadas a trânsito
Fonte: DATASUS. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/
Quando se observam informações do Ministério da Saúde a respeito do número de mortes de trânsito no estado fluminense, nota-se que algumas cidades do interior vigoram como as que possuem as maiores taxas de acidentes. Os municípios da Região dos Lagos, como Araruama e Cabo Frio, têm as piores taxas de sequelas decorrentes de acidentes de trânsito do estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2015 a 2017.
Gráfico 7 – Sequelas causadas por acidentes de trânsito por municípios do RJ – taxa por 100 mil habitantes
Fonte: DATASUS. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) ainda podem sofrer alterações. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/
É importante destacar que os dados do Departamento de Trânsito do estado do Rio de Janeiro (Detran) referentes às três maiores incidências de infrações mostram que a condução acima do limite máximo de velocidade e também o avanço de sinal vermelho ou de parada obrigatória são as categorias mais recorrentes. Esses números apontam para a necessidade de maior regulação e fiscalização em vias públicas urbanas ou fora do perímetro urbano.
Gráfico 8 – Taxa de infrações no estado do Rio de Janeiro de trânsito no ano de 2017 por 1 mil habitantes
Fonte: DETRAN. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www.detran.rj.gov.br/.
De acordo com os dados divulgados pelo ISP sobre mortes no trânsito [7], os municípios do Rio de Janeiro que constam com maiores taxas de vítimas no ano de 2017 foram: São José de Ubá, Sapucaia, Laje do Muriaé, Piraí e São Sebastião do Alto, todas cidades com população abaixo de 20 mil habitantes. Quando ponderamos o número de acidentes pela taxa populacional, essas ficam acima de municípios como Rio de Janeiro (71ª posição, 0,98 por taxa), Niterói (69ª posição, 1,04 por taxa), São Gonçalo (61ª posição, 1,24 por taxa), dentre outros que possuem grande quantitativo populacional e uma maior frota de veículos.
Figura 2 – Homicídios decorrentes de acidentes de trânsito por municípios do estado do Rio de Janeiro – por 10 mil habitantes no ano de 2017
Fonte: Instituto de Segurança Pública. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www.isp.rj.gov.br/.
Uma das hipóteses para as altas taxas de mortes em decorrência de acidentes de trânsito nas cidades pequenas é que no seu entorno encontram-se algumas importantes rodovias do estado, como a BR-393 (antiga Rio-Bahia) no caso de Sapucaia, a rodovia RJ-116 (importante via de ligação para o norte fluminense), no de São José de Ubá passa a RJ-141, que atravessa o município de Piraí e é asfaltada em apenas 6 quilômetros do total de 36 km.
Como se pode observar no mapa a seguir, esses municípios estão circunscritos a áreas com diferentes vias estaduais e federais, o que pode estar relacionado ao número de acidentes nestas localidades. Uma outra hipótese a ser mencionada é a falta de infraestrutura de fiscalização de tais cidades [8].
Mapa 1 – Municípios do RJ com maior taxa de acidentes no trânsito – por 10 mil habitantes para o ano 2017
Fonte: Instituto de Segurança Pública e DNIT. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www.isp.rj.gov.br/ e http://www.dnit.gov.br/
Ao observarem-se as taxas referentes à evolução temporal de lesão corporal culposa de trânsito confrontadas com as de homicídio culposo de trânsito, entre os anos de 2003 à 2017 no estado do Rio de Janeiro, nota-se que a partir de 2009 há uma constante queda de ambas taxas. Este dado pode ter influência da implementação da Lei n° 11.705/08, também conhecida como Lei Seca de Trânsito [9], que tornou mais severa a fiscalização e punição para os condutores que dirigem sob o efeito do álcool. No entanto, destaca-se um aumento no ano de 2017, podendo haver uma tendência de crescimento contínuo nos anos posteriores ou apenas representar um aumento pontual.
Gráfico 9 – Série histórica de lesão corporal culposa de trânsito e homicídio culposo de trânsito no Rio de Janeiro – 2003 a 2017
Fonte: Instituto de Segurança Pública. Elaboração: FGV DAPP.
Nota: Disponível em: http://www.isp.rj.gov.br/.
Reflexões sobre as estatísticas de trânsito no Brasil
Destaca-se a importância de dados cada vez mais consistentes que permitam contextualizar o quantitativo de pessoas vitimadas por acidentes de trânsito no Brasil. Nem todos os estados podem contar, como o Rio de Janeiro [10], com dados atualizados sobre vítimas no trânsito. Em nível nacional, a base mais completa é a composta pelas estatísticas do Sistema Único de Saúde, no entanto, elas só estão disponíveis até o ano de 2015. Os dados disponibilizados pelos estados sobre suas estatísticas criminais de mortes no trânsito, apesar de serem mais recentes [11], possuem muitos dados não informados [12].
Na ferramenta DataCrime, elaborada pela FGV DAPP é possível visualizar esta discrepância entre os dados do sistema de saúde e os dados provenientes dos registros de ocorrência policiais. Deste modo, há a necessidade da disponibilidade de informações mais atualizadas e consistentes para o melhor planejamento e monitoramento de políticas públicas voltadas para redução de mortes no trânsito. Além disso, o uso de outras fontes, como as divulgadas pelos departamentos de trânsito estaduais, contribuem para que se possa cruzar um número cada vez maior de informações a fim de se contextualizar melhor esta problemática.
Figura 3 – Comparação entre as estatísticas de Saúde e de Segurança
Fonte: FGV DAPP, DataCrime.
Disponível em: http://dapp.fgv.br/seguranca-
Importante ressaltar que já há um direcionamento [13], por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), para comprometimento dos países membros, como o Brasil, na introdução de ações que visem a redução das mortes por acidentes de trânsito. De acordo com a ONU [14], os acidentes de trânsito constituem a 9ª causa de mortes em todo mundo.
Uma questão indicada pela OMS diz respeito à velocidade do veículo no momento do acidente. Ainda de acordo com a OMS [15], uma em cada três mortes por acidentes de trânsito em todo mundo é ocasionada por velocidade excessiva ou inapropriada. O relatório Managing Speed (Gerenciando a Velocidade, em tradução livre) [16] indica que uma redução de 5% na velocidade média pode resultar em uma redução de 30% das colisões fatais. O estudo ressalta que quanto maior a velocidade do veículo, maior o risco de lesões e mortes para os pedestres.
Fonte: OMS, Relatório sobre Segurança Viária, 2017. Elaboração: FGV DAPP.
Esta relação entre a velocidade do veículo e a distância de frenagem, indicada no relatório da OMS, evidencia que a gravidade do acidente tem influência direta na velocidade do veículo no momento da batida. Quanto maior a velocidade do veículo maior será a distância necessária para que ele pare.
Neste sentido, deve-se considerar que a necessidade de políticas públicas que visem a redução de acidentes de trânsito não está restrita apenas ao Brasil, de modo que é interessante estar atento ao que vem sendo discutido internacionalmente e quais soluções vêm sendo implementadas com bons resultados. Tais ações envolvem desde medidas punitivas para condutores que estão alcoolizados e/ou em excesso de velocidade, um maior controle sobre a fiscalização da concessão de licenças para condução de veículos, até uma preocupação com estradas mais seguras, redução dos limites permitidos de velocidade e o uso de tecnologias instaladas nos carros e nas vias para coibir irregularidades e proteger mais as vítimas caso ocorram colisões. Por fim, um aspecto que merece atenção, refere-se à necessidade da população estar consciente da sua responsabilidade tanto como pedestre, como na condução de um veículo. Com esta conscientização e maior rigor na fiscalização dos motoristas com carteiras suspensas, ou que estejam cometendo infrações de trânsito, muitos acidentes poderiam ser evitados.