Ele era lindo.
Assim, lindo mesmo.
Lá no começo dos anos 90, ser parecido com o Humberto Gessinger, vocalista do Engenheiros do Hawaii, era sim ser lindo.
Digo parecido por ter cabelos longos, louros e lisos como os dele.
Na escola as meninas ululavam à sua volta.
Onde Ele estava, lá estavam elas: adulando, bajulando, querendo sempre mais.
Eu, que sempre fui da turma das tímidas, nunca troquei uma só palavra com ele.
Sabia seu nome e que morava na quadra vizinha a minha e que fazia marcha atlética.
Só.
A marcha atlética surgiu na Inglaterra no século XVII e tem como princípio básico que o atleta sempre mantenha o contato com o solo, como pelo menos, um dos pés.
Tornou-se esporte olímpico em 1928 e tem grande popularidade em países como o Espanha, Itália e Japão.
Lá na escola, ninguém conhecia.
Só o professor que apresentou a marcha ao bonitão.
O moço rapidinho se encantou pelo esporte diferente e começou a dar voltas na quadra e eu achava aquele gingado a coisa mais linda do mundo.
Não sei se era mesmo o gingado ou o contra canto que os cabelos dele faziam ao vento, só sei que, quando o vi praticando na subida mais íngreme do bairro com aquele cabelão solto indo e vindo, misericórdia!
Quase desci do carro para oferecer água ou melhor, uma carona até a casa.
Um dia, na hora do intervalo, eu, que não tinha coragem de “gravitar em volta”, estava estrategicamente parada perto de onde ele ficava com os amigos e consegui escutar:
“Não posso ir. Tenho que dormir antes das 22h. Amanhã treino logo cedo.”
Os colegas reivindicaram sua companhia:
“Amanhã é feriado, cara. Você precisa sair também!”
E Ele, todo compenetrado:
“Esquecemos do feriado quando fizemos meu cronograma desse mês, agora tenho que treinar amanhã sem folga. Estou seguindo à risca cada detalhe do que o professor manda. Quero marchar longas distâncias.”
Depois da escola, tive algumas notícias dele: tinha uma loja que fazia apologia ao uso da maconha, isso eu vi em um jornal local, um filho com o qual ele passou, empurrando em um carrinho, muito tempo em frente a minha casa e só.
Sempre que vejo algo relacionado à marcha atlética, me lembro dele, o menino que “seguia à risca cada detalhe que o professor mandava”, por querer seguir grandes distâncias.
Tomara que tenha mesmo ido longe, muito longe!