Pesquisadores do Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp estão tentando encontrar biomarcadores desencadeadores da esquizofrenia. Eles também procuram entender como se dá o funcionamento da doença em nível molecular, o que auxiliará, por exemplo, na elaboração de novos tratamentos. As investigações utilizam modelos in vitro de células humanas, entre eles os organoides cerebrais, ou minicérebros como alternativa aos modelos animais. O desafio mais recente dos trabalhos é estudar um tipo de célula chamada oligodendrócito, que já se provou estar mais relacionada ao desenvolvimento da doença do que o próprio neurônio.
As pesquisas na Unicamp são lideradas pelo professor Daniel Martins-de-Souza, do Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia (IB) e envolve quase todos seus alunos. O trabalho começou com amostras de cérebros de pacientes coletados pós-morte de um banco alemão. O grupo conseguiu identificar alterações no metabolismo energético das células, mas não foi possível precisar se a alteração se dava em todas as células ou num tipo específico, de acordo com Martins-de-Souza.
O próximo passo foi o cultivo de linhagens celulares, representando os quatro grupos de células neurais. Os pesquisadores induziam nas linhagens um “modelo” de esquizofrenia, utilizando a mesma substância usada para provocar a doença em animais. A substância chamada MK-801 é antagonista de um tipo de receptor neural e mimetiza uma disfunção como já observado no cérebro de pacientes com esquizofrenia.
A partir das linhagens celulares “esquizofrênicas”, o grupo avaliou as proteínas associadas ao metabolismo energético e notou alterações em uma via bioquímica em particular, a glicólise, associada à manutenção do oligodendrócito. “Percebemos que as alterações que mais se assemelhavam ao que a gente via nos cérebros dos pacientes, realmente, vinham dos oligodendrócitos. Os neurônios não sofreram muitas alterações. Isto nos deu um certo foco da importância da manutenção da energia provinda dos oligodendrócitos e não dos neurônios”. Tanto o grupo de Martins-de-Souza como outros mostraram que os oligodendrócitos “suportam” os neurônios energeticamente.
Os oligodendrócitos são responsáveis por formar a bainha de mielina, que envolve o axônio (prolongamento entre dois neurônios). “Já havia na literatura achados iniciais em relação aos oligodendrócitos. Porém somente a análise proteômica conseguiu dizer exatamente quais são as proteínas envolvidas nesses processos”.
Organoides
Os minicérebros foram desenvolvidos pela equipe chefiada pelo professor Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), e já foram bastante utilizados nas pesquisas relacionadas ao vírus Zika. A pesquisadora Juliana Minardi Nascimento, que intermedia a colaboração entre os professores Rehen e Martins-de-Souza, desenvolve seu pós-doutorado na Unicamp tentando reproduzir os organoides. O objetivo é tentar isolar os oligodendrócitos para estudá-los mais atentamente.
Os organoides são uma alternativa para a pesquisa porque era necessário um modelo mais complexo para análises in vitro. A pesquisa da esquizofrenia tem poucos modelos estabelecidos. Para entender a biologia da doença, objetivo do grupo liderado por Martins-de-Souza, geralmente são usados modelos animais. Neste caso são avaliados distúrbios comportamentais, “mas as análises ainda são um tanto inespecíficas porque esses comportamentos também podem aparecer em outros tipos de doenças, inclusive psiquiátricas”, ressalva o docente.
Os sintomas da doença em humanos são todos apresentáveis e acessados no exame clínico, quando o paciente é questionado sobre o que vê ou sente. Boa parte dos sintomas se refere a alucinações auditivas. Os modelos in vitro que são as culturas celulares eram totalmente rechaçados porque se um animal não poderia representar a doença no paciente, uma célula menos ainda. “Acabamos nos aventurando nessa história e temos algumas evidências de que as células são um tanto úteis. Fundamentalmente, nosso trabalho procura tornar crível um modelo que a princípio é mais desacreditado até do que o outro que tem limitações. Ainda, contribui-se para a redução nos experimentos em animais, em acordo com as práticas científicas mais atuais”.
Obtidos a partir de células epiteliais de pacientes, reprogramadas como células tronco e diferenciadas para os tipos neurais, os minicérebros não têm irrigação e podem ser trabalhados ao longo de 45 dias, simulando aproximadamente dois meses de gestação de um feto humano.
A vantagem do organoide, de acordo com a pesquisadora Juliana, é simular um cérebro em desenvolvimento, com todas as células atuando no mesmo sistema, com a genética do paciente. “A diferença para a linhagem celular é termos os diferentes tipos de células neurais, mas de pacientes que já têm a doença, com diversos dos gatilhos que seriam necessários para o estudo da esquizofrenia”, afirma.
Com o estudo das proteínas nos minicérebros, os pesquisadores conseguem entender como se dá o processo de diferenciação das células, tentando encontrar, aí, um biomarcador para a doença. Martins-de-Souza complementa que “o interessante de estudar o cérebro em desenvolvimento é que, saindo de uma célula pluripotente para chegar ao organoide, passa-se pela diferenciação das células, podendo retratar um pouco o que acontece no neurodesenvolvimento”.
Com o isolamento do oligodendrócito e seu cultivo em novas linhagens, será possível testar novas drogas para a esquizofrenia ou mesmo desvendar o efeito desses medicamentos numa célula com a carga genética de um paciente. “A pergunta principal em relação aos medicamentos que podemos responder é quais vias bioquímicas são principais pela efetividade sobre os sintomas e quais são as tóxicas”, pontua Martins-de-Souza.
Além dos organoides o laboratório também está trabalhando na produção de neuroesferas. Um trabalho relacionado ao Zika vírus, de autoria da pesquisadora Juliana, foi recentemente publicado. Nele, foram estudados os efeitos moleculares nas células afetadas pelo vírus. “Além das células pararem de proliferar porque o vírus agia interrompendo esse processo, elas paravam de crescer e não conseguiam se diferenciar. Com o tempo começavam a morrer”, salientou a autora.