VALDIVINO RIBEIRO DE NOVAES – *30/07/1910 †14/08/1988
Por Antônio Novais Torres
Valdivino Ribeiro de Novaes nasceu em 30/07/1910, na comarca de Condeúba/BA e faleceu no distrito de João Amaro, município de Iaçu/BA, em 14/08/1988, com 78 anos. Filho de Antônio Alves Ribeiro de Novaes e de Octávia de Souza Jardim. A família o tratava carinhosamente de Divininho.
Arraigou-se em João Amaro e aí se estabeleceu como comerciante, montando comércio de gênero alimentício. Ao se casar, teve de se batizar, porquanto não havia ainda recebido o sacramento do batismo, uma exigência da Igreja Católica para a realização do matrimônio eclesiástico. Por esse motivo, o apelido de Pagão tornou-se uma marca registrada e todos só o conheciam por essa denominação.
Há muitas histórias e causos sobre Pagão, umas contadas pelo próprio e outras por se ouvir dizer e da imaginação popular, as quais se tornaram referências de suas atitudes e comportamentos. Certa feita, alguns clientes reclamaram por sempre encontrar a venda fechada em determinados dias. Tal observação foi o mote para Pagão tirar todas as portas do estabelecimento e ficar aberto 24 horas. Portanto, não haveria mais reclamações por esse motivo.
Colocou um vigia e providenciou dois chocalhos que os amarrou com linhas cruzadas, partindo uma do seu quarto para a venda e a outra com o percurso inverso, de forma que, quando acionava o chocalho do seu quarto, contíguo à venda, o vigia respondia da mesma maneira, evidenciando que estava acordado. Certo dia, o vigia não respondeu ao seu sinal e, constatando que ele estava dormindo, Pagão mandou que colocasse as portas no lugar, pois não estava disposto a pagar para o vigia dormir.
Em outra oportunidade, desconfiou do banco, alegou que seu dinheiro estava sendo surripiado. Resolveu, então, acondicionar o dinheiro em latas e enterrá-lo no chão de terra batida da sua casa. As notas de maior valor, cobria-as com barro, nas paredes de taipa, fazendo da casa um banco particular.
Quando morreu, teve a casa demolida e o chão escavado por parentes, à procura do dinheiro que não foi encontrado. Dizem que o famaliá que criava, levou o dinheiro e se apoderou da alma do defunto, comprometida com o Diabo, que lhe prometeu riqueza.
Depois se envolveu na exploração de minérios em local indicado por um experiente garimpeiro, como sendo ideal para essa atividade. Reuniu os apetrechos e homens necessários, foi à luta em busca de pedras preciosas com a intenção de bamburrar, augurando que a sorte lhe fosse favorável. Não obteve, porém, o êxito esperado.
Estava a ponto de desistir da empreitada, quando surgiu um elemento, fraco das ideias, conhecido de todos do lugar , o qual comentou com Pagão que a gruta escavada tinha o formato de uma cangalha.
Aproveitando a observação do maluco, Valdivino encerrou o serviço, alegando que ele era o burro que estava debaixo da cangalha, dizendo que palpite de doido e de mulher não se deve desprezar.
Quando ele ia à Bahia (Salvador), comprava, além de outras mercadorias, uma peça com o mesmo padrão, tecido grosso, resistente – usado para a confecção de calças para os meninos e recomendava fazê-las com costura dupla para dar-lhe maior durabilidade e para as mulheres, chita vermelha com decoração de seu agrado, de forma que os seus filhos eram identificados pelas roupas incomuns que vestiam.
Determinada época, resolveu criar caprinos, cercando o Morro da Onça, lugar que pertencia a Santo Antônio, padroeiro da vila, por doação de uma fazendeira, abrangendo um raio de dois quilômetros a partir da Igreja local, em memória de Santo Antonio, o padroeiro do lugar, cuja construção teve início em 1674 e fundada por João Amaro Maciel Parente, conforme pesquisa do senhor Valdemar Ferraro no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa, Portugal.
Os mandachuvas do lugar exigiam que as pessoas lhes participassem, no caso da intenção de se utilizarem do terreno de Santo Antonio para lavrar, e, com o consentimento deles estariam livres para a execução dos seus objetivos, desde que não ultrapassassem a quantidade de terras estipulada.
Pagão foi chamado por um dos coronéis para dar explicações da sua audácia de não ter participado o seu intento. Perspicaz e astuto, replicou que fora à Igreja, ajoelhou-se diante da imagem de Santo Antônio, o real proprietário das terras, e pediu o seu consentimento para efetivar o que pretendia. Como o santo permaneceu calado, tomou essa iniciativa, pois diz o ditado: “Quem cala consente”. Recebeu do “Coronel” uma reprimenda e a anuência para tocar o negócio.
Afastado da família, angustiado e sozinho, enrabichou-se por uma “zinha” que fazia dele gato e sapato para ter os seus desejos realizados. Ela tomou conta do seu coração e do seu dinheiro. Ninguém supunha que ele fosse capaz de semelhante submissão. O desespero da separação turvou-lhe o pensamento.
Proprietário de uma rural, desgostoso com a situação, tornou-se agenciador de mulheres rameiras. Mandou construir vários casebres de pau a pique (paredes feitas de varas, amarradas com caroá e cobertas com barro), chão batido e cobertura de telhas vãs. Num deles, instalou um bar que vendia bebidas e servia de encontro dos casais para um arrasta-pé no salão de dança, além de um possível quarto para “namoro”.
Ao trazer as prostitutas de outras localidades, avisava aos usuários através de foguetes. Cada estouro representava uma meretriz. As senhoras casadas, ao descobrirem o ardil, impediam os maridos de sair de casa, enquanto elas permanecessem na cidade, o ciúme aguçava ainda mais o desejo dos esposos. O local ficou conhecido como “O brega de Pagão”, um meretrício inqualificável pelas condições precárias.
Por morar perto do Rio Paraguaçu e de lagoas existentes na várzea, o local era infestado de muriçocas e outros insetos. Para aliviar essa situação, Pagão colocava vários sapos debaixo da cama, cama de varas, alegando que os anfíbios comiam os insetos perturbadores, uma profilaxia a seu modo, dizendo ser os seus mata-mosquitos.
Conta-se que Pagão, por processo mágico, associou-se ao Famaliá (diabo sempre disposto a atender às vontades de quem o adora). Comentavam: Foi um trato feito com o demo para obter riqueza em troca da alma. O Famaliá ficava preso em uma garrafa escura e era alimentado com limalha de ferro. Essa garrafa era colocada junto à outras. Todas tampadas com rolha, como despiste, e só ele sabia localizar a que continha o famaliá.
De vez em quando, Pagão fechava o comércio, equipava-se com uma tarrafa, uma espingarda passarinheira, a cachorra “Piaba”, os petrechos necessários, embrenhava-se no mato ia passarinhar ou na beira do rio, em lugar distante, por vários dias e o comercio ficava fechado.
Ao ser perguntado pela ausência prolongada e o porquê do comércio fechado, informava: “Fui carregar as baterias, me rejuvenescer e arejar as ideias. Agora estou pronto para o trabalho”. Os maldizentes intuíam: “Foi prestar contas ao “Cramunhão” e diziam: “Não lhe faltava dinheiro porque fez um pacto com o diabo em troca da sua alma”.
Ora Pagão se apresentava endinheirado, ora como um homem de poucos recursos e, ao ser perguntado sobre o porquê dessa alternância, dizia que isso dependia do humor do Famaliá. Ele alimentava essa história e divertia-se com ela. Por ser uma pessoa de muitas histórias e causos e devido a seu comportamento exótico e sui generis, Pagão tornou-se uma figura folclórica.
Essas são algumas histórias do folclórico Pagão. Ainda que tivesse comportamento estranho, era uma pessoa séria, honesta, um homem respeitado pela sua dinâmica ordeira de viver, vivia conforme o seu entendimento, sem se incomodar com a opinião da sociedade acerca da sua pessoa.