Acarajé
Lúcia Gaspar
Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco
Uma dos mais característicos quitutes da cozinha baiana, o acarajé, é um bolinho feito de massa do feijão-fradinho, temperado com cebola e sal. Após ser frito no azeite de dendê, o bolinho é cortado ao meio e recheado com um molho feito com camarão seco, pimenta e cebola, tudo bem triturado e frito no azeite de dendê. É muito semelhante ao abará, outro prato da culinária da Bahia, diferindo somente na maneira de cozinhar: o primeiro é frito e o segundo é cozido no vapor.
Acarajé é uma palavra composta, proveniente da língua africana iorubá: akará SIGNIFICA bola de fogo e jé SIGNIFICA comer, ou seja, comer bola de fogo. Sua origem vem de uma lenda sobre a relação de Xangô com sua esposa Iansã.
Segundo a lenda, Iansã, a deusa dos ventos e das tempestades, foi à casa de Ifá (oráculo africano) buscar um alimento para seu marido. O Ifá o entregou recomendando que quando Xangô comesse fosse falar para o povo. Desconfiada, Iansã o provou antes de entregá-lo ao marido e nada aconteceu. Chegando em casa, entregou o preparado a Xangô, sem esquecer de repassar as informações do Ifá. Xangô o comeu e quando estava falando ao povo, começaram a sair labaredas de fogo da sua boca. Aflita, Iansã correu para ajudá-lo, começando também a ter labaredas de fogo saindo da sua boca. Diante disso o povo começou a saudá-los de grande rei de Oyó, ou seja, grande rei do fogo.
Quando feitos para os orixás, ou seja, em âmbito sagrado, o acarajé deve ser apenas frito. Seus tamanhos e formatos possuem simbolismos próprios e são endereçados a divindades específicas. Os grandes e redondos são oferecidos a Xangô; os pequenos são servidos para as iabás, como Iansã, a rainha valente, mulher de Xangô, para os obás (ministros de Xangô) e para os erês (intermediários entre a pessoa e seu orixá).
Principal atrativo dos tabuleiros da baiana, o acarajé tem um forte vínculo religioso ligado ao candomblé. Tudo é importante para a venda na rua: o traje, os fios de contas, as pulseiras, o pano da costa (usado sobre os ombros); o preparo do azeite de dendê e do bolinho; o respeito às comidas e aos dias consagrados aos deuses. Nas sextas-feiras, não devem ser feitas comidas de cor, principalmente as com dendê, para não ofender Oxalá, que só aceita pratos brancos e sem condimentos.
No Rio de Janeiro, o acarajé também é preparado com azeite doce, com o mesmo rigor do acarajé frito no dendê da Bahia. Esse tipo de alimentação ritual faz parte das oferendas para divindades que não usam o dendê ou fazem dele pouco uso.
Mesmo quando vendido de forma profana, o acarajé é considerado uma comida sagrada pelas baianas, não podendo ser dissociado do candomblé. Sua receita não deve ser modificada e só deve ser preparada por filhos de santo.
Atualmente, há quem conteste esse princípio, achando que o importante é que seja mantido o respeito às tradições, mas a venda não deveria ser restrita aos integrantes do candomblé.
Herdeiras dos escravos urbanos, as baianas do acarajé existem em Salvador há pelo menos um século. Em 2005, o ofício tornou-se patrimônio cultural do Brasil, registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Fonte: GASPAR, Lúcia. Acarajé. Pesquisa Escolar Online. Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar>. Acesso em: 20 dez. 2010.