redacao@jornaldosudoeste.com

Homens negros são principais vítimas da violência armada no Brasil

Publicado em

Estudo do Instituto Sou da Paz aponta que negros têm 3,5 vezes mais chances de morrerem por arma de fogo. Em 2020, essa população representou 81% do total de mortes

Por: Fernando Alves/Brasil 61

Homens negros são 3,5 vezes mais propensos a serem assassinados por arma de fogo que os não-negros, de acordo com estudo divulgado pelo Instituto Sou da Paz. Com o objetivo de monitorar os impactos da violência armada no país, com foco na mortalidade, a pesquisa aponta que, de 2012 a 2020, mais de 254 mil homens negros foram assassinados no Brasil vítimas de arma de fogo, o que corresponde a 75% do total de 338 mil mortes.

Desenvolvida com base em dados do Ministério da Saúde, a pesquisa se concentra na análise dos óbitos masculinos, que constituem a maioria das vítimas de violência armada no país. Os homens  correspondem a cerca de 94% das mortes causadas por armas de fogo, em 2020. Desses, 81% eram negros.

A pesquisadora e coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme, argumenta que o armamento é um fator de risco para crimes violentos. Para ela, os maiores índices de violência armada contra homens negros refletem a vulnerabilidade a qual esta parcela da população está submetida. Em 2020, a taxa de homicídios por armas de fogo nas regiões metropolitanas foi de 51,0 a cada 100 mil homens negros, um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

“Dos anos 2000 para cá, a arma de fogo é o principal instrumento utilizado nos homicídios: 70% ou mais dos homicídios registrados no país, desde então, são praticados com arma de fogo. Essa proporção é ainda maior na população negra, na população masculina. A gente pode dizer que essa taxa de homicídio, muito superior para os homens negros, é uma consequência extrema de uma racismo estrutural que se apresenta de forma sistêmica na nossa sociedade e que aparece em vários indicadores, não apenas no indicador de violência”, pontua a pesquisadora.

De acordo com Instituto de Geografia e Estatísticas (IBGE), a proporção de pessoas pobres no Brasil, em 2021, era de 18% entre os brancos e praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e entre os pardos (38,4%). Além disso, a população negra tem os maiores índices de desemprego e informalidade, além de receberem, em média, pouco mais da metade que os brancos, R$1.764 e R$3.099, respectivamente.

Racismo no Brasil

A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto que o racismo é “crime inafiançável e imprescritível”. A pena pode chegar a cino anos de reclusão. Nos casos de injúria, caracterizada pela ofensa à dignidade devido à raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência, a pena é de 1 a 3 anos de reclusão.

Entretanto, apesar da legislação, as estatísticas de diferentes institutos de pesquisa indicam que ainda existe uma ampla desigualdade racial no Brasil. O coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC) e doutor em ciências políticas, Pablo Nunes, afirma que os altos números de violência contra a população negra são fruto do racismo estrutural. Para ele, este processo faz parte das desigualdades produzidas pela sociedade.

“O racismo estrutural, em termo gerais, é um sistema  que dá uma espinha dorsal para a sociedade e que garante aos brancos os privilégios desse cenário de desigualdade e aos negros relega o ônus desse processo de divisão da sociedade. Existe no centro da explicação o histórico de que corpos negros, pessoas negras não tenham direitos e também possam figurar como as vítimas desse tipo de violência”, argumenta o coordenador.

Em 2021, de acordo com dados do Fórum de Segurança Pública, o Brasil registrou 13.830 casos de injúria racial e 6.003 casos de racismo. No mesmo ano, as pessoas negras representavam 67,5% da população prisional brasileira. Na última década, 408.605 pessoas negras foram assassinadas, o que corresponde a 72% do total de homicídios registrados no período.

Arma de fogo no Brasil

Ainda segundo o estudo do Instituto Sou da Paz, em 24 dos 26 estados brasileiros, desconsiderando o Distrito Federal, as armas de fogo são o principal instrumento de agressão nas regiões metropolitanas. A cada quatro homicídios, três envolvem o objeto.

O Anuário de Segurança Pública, divulgado no último mês de junho, aponta que o Brasil registra um total de 4,4 milhões de armas em estoque particular, a cada três registradas, uma está em situação irregular. De 2018 a 2022, os Registros Ativos de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CAC) cresceram 473,6%.

O número reflete a política de flexibilização do acesso a armas adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, segundo o estudo Armas de Fogo e Homicídios no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O documento estima que, se não houvesse o aumento de armas de fogo a partir de 2019, mais de 6,3 mil homicídios teriam sido evitados, a estimativa indica que quanto maior a difusão de armas, maior a taxa de homicídios.

“Desde 2019, a legislação instituída pelo governo Bolsonaro tem avançado fortemente no afrouxamento e descontrole de armas de fogo e munição. Foram publicados mais de 40 atos normativos que descaracterizaram totalmente o Estatuto do Desarmamento (ED), permitindo com que o cidadão comum tivesse acesso a armas de fogo de alto potencial ofensivo, sem haver qualquer exigência de comprovação de efetiva necessidade”, diz o informe, publicado este ano.

Em relação à letalidade policial, o Anuário mostra que, entre 2013 e 2021, foram  41.171 mortes. Os negros são 84,1% das vítimas, o que corresponde a 4,5 por 100 mil habitantes.

Foto de capa: Arquivo/Agência Brasil

Deixe um comentário