O ano era eleitoral.
Aquele há tempo esquecido, quando a maioria de nós achava a cor vermelha a mais linda e cheia de esperança.
Ela, sentada em um banco de shopping, lia atentamente Corações Sujos de Fernando Morais. Livro da Companhia das Letras que conta a história da seita nacionalista Shindo Renmei que nasceu em 1945 em São Paulo e aterrorizou a colônia japonesa.
Absorta na história não viu quando ele se aproximou.
O moço pediu licença e sentou-se ao seu lado.
A moça olhou de canto de olho, deu a licença pedida, mas o livro estava tão interessante.
Voltou.
Lá pelas tantas, ela que marcava o tempo pela quantidade de gente que morria, pela quantidade de gente que fugia, sentiu que o moço a observava.
Estranho isso, não é?
Sentir que a pessoa está te olhando.
Ela sentiu.
Olhou.
Ele estava olhando para ela, seu livro.
Seus olhos se encontraram e ela se perdeu na imensidão azul.
E que azul.
Um azul tão limpo, vívido, intenso.
Nunca vira nada nem parecido antes.
Encantou-se.
Esqueceu o livro.
Disse olá.
Ele respondeu prontamente e começaram uma conversa com se fosse um recomeço.
Como se, há muito, seus olhos houvessem se perdido.
Como se aquele acaso fosse, de fato, reencontro.
Enquanto ele contava suas ideias e ideais, ela viajava.
Algumas vezes, se via completamente perdida no azul e se dava conta de que não sabia sequer uma palavra do que acabara de ouvir.
Voltava correndo.
Não podia fazer feio.
De repente, o relógio.
Ela lembrou que estava ali sentada enquanto esperava a hora de um compromisso.
Precisava ir.
E foi.
Algumas vezes, ainda se viram em reuniões festivas onde bandeiras vermelhas misturavam-se alegremente com as verde-amarelas.
De longe, sem palavras.
O tempo levou o nome e a aparência do moço.
Só ficou a lembrança da imensidão azul.