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Insetos comestíveis podem enriquecer alimentos e complementar renda de comunidades carentes

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Pesquisa abrange propostas da Agenda 2030 e contempla principalmente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (UN, 2015)

 

TEXTO: CARMO GALLO/ FOTOS: ANTONIO SCARPINETTI/ EDIÇÃO DE IMAGEM: ALEX MATOS

 

No ano passado, a bióloga Ana Lúcia Marigo entrou em contato com alguns professores da Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI) da Unicamp com o objetivo de desenvolver doutorado sobre pesquisas de técnicas simples para a criação de insetos comestíveis que possibilitassem a produtores de pequenas comunidades aumento de renda e consequentemente melhoria das condições sociais das famílias envolvidas. Foi quando acabou estabelecendo contato mais próximo com a professora Juliana Aparecida Fracarolli, da área de tecnologia pós-colheita da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, que prontamente manifestou interesse em orienta-la em doutorado iniciado em agosto do mesmo ano.  A partir daí ganhou corpo também a ideia de os insetos constituírem alternativa para enriquecimento das dietas dessas comunidades pois, como se sabe, muitos deles são ricos em vários componentes alimentares importantes, principalmente proteínas.

Professora
Professora Juliana e pesquisadora Ana Lúcia

Essa segunda possibilidade vinha ao encontro dos interesses futuros da docente que pretende dedicar-se a questões relacionadas à fome e à desnutrição que acometem comunidades carentes em todo o mundo. A propósito, ela lembra que a pesquisa em questão abrange propostas da Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que enfatizam a necessidade de medidas transformadoras em busca de um real desenvolvimento sustentável para a humanidade (UN, 2015). A proposta contempla principalmente os ODS que propõem acabar com a fome, garantir segurança alimentar e assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.

Em decorrência do tema de doutorado as pesquisadoras propuseram-se a participar de uma oficina oferecida  na primeira versão do programa Ciência e Arte dos Povos da Amazônia (CAPA), que se desenvolverá por seis semanas a partir de meados de janeiro, promovido pelas pró-reitorias  de pesquisa  da Unicamp e da UFPA (Universidade Federal do Pará) e pelo Santander. O CAPA traz ao campus de Campinas 20 estudantes da UFPA, oriundos de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, para atividades de estágio, pesquisa e oficinas, além de possibilitar o contato desses alunos com a vida acadêmica através de docentes, pesquisadores e discentes da Universidade. O programa visa estimular os participantes para a pesquisa cientifica, envolvendo-os em atividades nas áreas de artes, ciências humanas, exatas e da terra, ciências biológicas e da saúde e tecnologia.

O objetivo da oficina em questão é explorar os insetos como fonte alternativa de proteínas alimentares, proporcionando aos alunos a oportunidade do aprendizado da sua criação, do seu processamento e da produção de alimentos que os utilizam e que têm potencial para tornarem-se fontes de consumo. Durante o evento os participantes ouviram uma apresentação teórica sobre os conceitos envolvendo o consumo e a criação se insetos, participaram de atividades práticas relacionadas a criação, manuseio, abate, higienização e processamento dos insetos com vistas à utilização na culinária. Concluíram as atividades executando uma receita em que insetos constituem um dos ingredientes e ao final foram convidados a degustar o prato por eles preparado.  ”Pretendemos despertar nesses alunos o interesse em levar todo esse conhecimento para disponibiliza-lo em suas regiões. Esperamos que isso contribua para o enriquecimento alimentar e gere fonte de rendas alternativas para as comunidades amazônicas mais carentes, pois a criação não exige muita tecnologia, possibilitando-lhes inclusive o desenvolvimento de criações de insetos locais e o estabelecimento de novos hábitos alimentares”, enfatiza Juliana.

Oficina
Alunos da UFPA durante realização de oficina no programa Ciência e Arte dos Povos da Amazônia (CAPA).

Oficina
Participantes provam brigadeiro produzidos por eles.

Chocolate
Chocolate elaborado com a utilização de farinha de grilo.

Conceito

As pesquisadoras esclarecem que, embora menos presente no mundo ocidental, o consumo de insetos é bastante comum em culturas asiáticas e africanas. Insetos vêm sendo consumidos como suplemento alimentar ou como constituinte principal da dieta de diferentes povos em muitas regiões do mundo, inclusive indígenas, constituindo uma fonte proteica de grande importância nutritiva pela quantidade relativa de proteínas e lipídeos, além de rica em sais minerais, embora seus consumos sejam vistos, principalmente no ocidente, com grande preconceito.

A produção de insetos para consumo em larga escala é um conceito relativamente novo na sociedade e tem como um dos principais desafios a popularização desta fonte alternativa de proteínas. Como os insetos podem sobreviver em diferentes locais, tanto em ambientes naturais como artificiais, existe grande potencial para a produção de um alimento que acarreta baixo índice de poluição ambiental, oferece alta rentabilidade e que além de tudo demanda baixo investimento.

Existem vários insetos que já fazem parte da culinária em outros países e mesmo no Brasil, como o tenébrio, besouro da farinha, cuja larva é utilizada tanto para alimentação de repteis como para como para consumo humano, o grilo, espécies de baratas que inclusive são produzidas com essas finalidades. Embora a ANVISA ainda não tenha regulamentado suas utilizações para a alimentação humana, encontram-se criadores de insetos espalhados por todo o país que artesanalmente já os utilizam na produção de ração animal e até de chocolates e biscoitos para consumo humano.

Durante o doutorado de Ana Lúcia a docente espera o desenvolvimento de protocolos para a criação de vários tipos de insetos e que o trabalho renda artigos publicados, possibilite a realização de atividades na universidade e a criação de cursos de extensão.

Ana Lúcia acrescenta: “Esperamos que nossos estudos, e outros que certamente se desenvolverão paralelamente, ofereçam subsídios para que a ANVISA possa estabelecer regulamentação específica para a produção de insetos para fins alimentícios”. Para ela, quanto mais pesquisas existirem a respeito mais elementos terá o órgão para regulamentar essa produção e sua utilização na alimentação humana, pois informalmente a atividade nessa área já é considerável no Brasil.

Antecedentes

Juliana foi convidada para ir ao Japão como professora visitante na Tokyo University of Agriculture and Technology (TUAT), onde esteve em janeiro de 2019, para dar início ao estabelecimento de convênios entre essa instituição e a Unicamp e ministrar aulas no país para alunos de graduação e pós-graduação sobre agricultura brasileira. Na ocasião, em que teve oportunidade de realizar reuniões com professores e autoridades, visitar laboratórios e inteirar-se de pesquisas na área agrícola, ficou claro para ela a importância da implementação de iniciativas com vistas à fome zero no mundo, conforme previsto na Agenda 2030.

Ana Lúcia – que além de graduada em biologia e ciências tem mestrado em geociências e especialização em gestão e manejo ambiental em sistemas agrícolas – já havia sido convidada pelo professor Ramon Santos de Minas, do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), campus de Coxim, face à sua experiencia na criação de insetos, a contribuir para a elaboração de um livro concebido por ele com receitas enriquecidas com insetos, idealizado com a ideia de  promover a popularização dessa proteína alternativa. Para tanto, ele buscou pessoas envolvidas de alguma forma com insetos (pesquisadores, chefs, professores, produtores, alunos da universidade) que estivessem interessadas em colaborar com a elaboração de receitas para compor a publicação “Insetos na Alimentação Humana – Guia Prático de Receitas”, que apresenta mais de 150 delas.

Livro
O livro Insetos na Alimentação Humana – Guia prático de receitas.

Ficou então sob sua responsabilidade o capítulo sobre “Acompanhamentos e Guarnições”. Dele constam receitas de preparo de abobrinhas recheadas com grilo negro; arroz de forno com tenébrios; cestinhas cremosas com tenébrios; pizza de tenébrio na xícara; arroz com lentilhas e barata cinerea; suflê de legumes e barata cinerea; feijão fradinho com tenébrios; cogumelos recheados com grilo negro; tortilha espanhola com grilo negro; farofa caipira com tenébrio. Trabalhos anteriores do professor renderam interessante e esclarecedora reportagem no Globo Rural (link). Insetos comestiveis no Globo Rural Consumo de insetos

Imagem de capa JU-online

Alunos elaboram receita de brigadeiro durante oficina. Ao fundo larvas de tenébrio molitor inseto utilizado. Foto: Antonio Scapinetti

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