Ele era um sem geração, quase sem amigos. Levado pelo vento da história, veio dar com os costados em terras mineiras. Por aqui ficou. Acho que nunca amou o amor que amava. Matou em si a vontade de seguir de mãos dadas.
O conheci no Sul de Minas, em São Thomé das Letras, o homem de olhar triste e pensamento puro. Por nossa distância, não fomos mais amigos, mas sempre ia ao seu encontro, trocando palavras, sonhos, sentimentos. Ele sempre com aquele olhar de quem se perdeu no tempo, alguém que se perdeu na curva da história, à procura de um improvável mundo perfeito.
Por isso, o admirava, sempre achei que ele era um ser humano melhor que eu, tocado por uma inexplicável divindade.
Veio de Pernambuco. Afirmava ter descido no mapa atrás da música que se fazia aqui em Minas, a música do Clube da Esquina. Empunhava o violão e cantava algumas canções, que sempre acreditei serem mágicas. Ele revelava isso, foi alvejado por elas, no mais fundo. Apeou primeiro em Pouso Alegre, talvez norteado pelo sugestivo nome, em busca de um conservatório de música. Depois, foi para São Thomé das Letras, atrás de um conservatório de vida.
Um dia, apareceu em casa, em Belo Horizonte, quando ia passar os festejos do natal em Pernambuco, junto de sua família. Depois desse encontro natalino, nunca mais nos vimos, nunca mais nos falamos. Foi embora, como alguém que perdeu a hora, como alguém que colheu a não glória.
Hoje, sempre que ouço as canções que cantava, lembro-me do amigo que se foi no tempo. Para onde, não sei! Talvez, como as letras das canções, aquelas que são levadas pelo vento e vão pousar nos corações das pessoas, bem dentro.
Não tinha uma filosofia de vida, apenas dúvidas. Não tinha expectativas, apenas urgências. Não tinha medo, apenas a desesperança, como sempre cantava: “Eu sonhei outro mundo, meu amor. E a paz morava na nossa casa. Mil pessoas, como nós. Sem palavras, por viver. Sonhei que era tempo de reencontrar amigos. Falar do velho tempo morto que passou depressa. Sonhei que amanhã é hora de você jogar. Jogue sua vida na estrada, como quem não quer fazer nada”. Dizia apreciar a chuva, conversar com o vento. Era um sempre pátria.
Filho das coisas desse mundo, trazia em seu coração as amarguras dos que sonham, dos que cantam. Eu de pedra, ele de bruma. Queria fazer canções em um mundo que faz guerras.
Queria colher estrelas em um mundo que aprisiona aves. Como poderia ser feliz o meu amigo Pedro? Comungava com ele nossa tristeza calada. Ele, tão preso a ela. Eu, tão avesso a ela. Daí nossa dor compartilhada.
Quando se avizinha o Natal, final de ano, lembro-me de meu amigo Pedro e de sua inesperada visita. Sempre peço por ele.
Peço que encontre um mundo que seja seu, um mundo que possa acreditar no intangível, no improvável, nas coisas que não estão aqui. Acredito que ele está como sempre esteve, guardado por Deus, tendo ao seu lado uma constelação de anjos. Anjos que cantam e dançam a liberdade de um mundo que não se pode ver, nem tocar, apenas cantar a verdade que não existe.