É bem possível que a mídia e o povo brasileiro entrem numa frenética lua-de-mel com a presidente eleita da República, Dilma Rousseff. Primeira mulher a ser escolhida para o cargo em nossa História, a petista deve estampar os principais jornais e revistas do país até o dia de sua posse, em 1º de janeiro de 2011. Os primeiros sessenta dias de governo também são sempre preservados de críticas e festejados e recheados de conjecturas e bravatas pueris.
No entanto, os balões da maior festa democrática brasileira já estão escondendo o óbvio, a realidade nua e crua: quem venceu as eleições não foi Dilma nem Lula. O grande vitorioso nas urnas de 31 de outubro foi o ex-ministro e deputado petista cassado José Dirceu. Com a chancela legítima e inequívoca de quase sessenta milhões de brasileiros, aquele que foi chamado pelo Ministério Público de “chefe da quadrilha que assaltou o estado”, volta com força total aos corredores palacianos de Brasília. Dirceu está com tudo e não está prosa, como diria minha avó!
Muito provavelmente, Zé Dirceu deve manter-se, nesse início de governo, nos bastidores, assim como fez durante toda campanha petista, onde atuou, na encolha, na coordenação. Aos que pensam que ele foi eliminado em 2005 após a cassação pelos escândalos do mensalão, dos dólares na cueca e afins, tenham cuidado, pois esse é um grave equívoco. Na surdina, José Dirceu continua no poder e manda, manda muito. Agora então, manda mais do que nunca! Dentro do PT é respeitado como um símbolo de resistência e seu retorno triunfal ao Palácio do Planalto foi atestado e garantido pelos milhões de votos que Dilma Rousseff recebeu.
Mas o Brasil tem uma triste tradição de legitimar seus vilões. Com uma assustadora memória curta, vivemos distribuindo cheques em branco aos nossos seculares honoráveis bandidos. Fernando Collor de Mello sofreu um impeachment por corrupção e, uma década depois, já está nos círculos do poder exercendo mandato de senador, para o qual foi eleito em 2006. José Sarney, apesar de todas as lambanças e do sem-fim de acusações, segue sua jornada como dono do Maranhão e do Amapá e na presidência do Senado Federal. O senador Renan Calheiros continua seu império em Alagoas. Paulo Maluf tem nas costas uma ficha criminal de assustadora extensão e foi reeleito como um dos deputados federais mais votados de São Paulo. De lá também vimos ressurgir figurões da camarilha de bandidos oficiais, eleitos na aba do milhão de votos do palhaço Tiririca, na evidente demonstração de que nossa legislação e essa maluquice de coeficiente eleitoral são uma verdadeira “mercadoria” escatológica.
Exemplos da nossa irresponsável amnésia política não faltam: família Garotinho no Rio de Janeiro; Jader Barbalho no Pará; Cássio Cunha Lima na Paraíba; Wellington Dias no Piauí; e por aí vai. O espetáculo é democrático, mas o palco eleitoral ainda é um show de horrores, às vezes uma chanchada. Na falta de vergonha na cara do nosso Poder Judiciário e dos inoperantes mecanismos de fiscalização e coerção dos ladrões nacionais, resta-nos aplaudir a ascensão dessas peças históricas, atuando, inclusive, como coprotagonistas desse processo.
Num dia aclamamos Tomé de Souza, que dizem ter sugado os cofres da coroa portuguesa. Noutro, louvamos Tiradentes, um ladrão inconfidente elevado à categoria de mártir. É cultural. Está nas entranhas da política nacional. Elegemos desconhecidos, vamos às ruas com as caras pintadas para baní-los do poder e, depois, nos rendemos a eles novamente por piedade, ingenuidade ou burrice. Ou as três coisas. Tautologicamente. O anti-herói da ocasião é José Dirceu. E que ninguém se espante se estátuas em sua homenagem forem erguidas daqui alguns anos. Viva o Brasil! Salve Dilma Rousseff, nossa primeira presidenta!