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LIÇÕES DA NATUREZA

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No sábado passado, fui rever as minhas amigas, Lia e Terezinha, pastoras de cabras e filhas nativas da caatinga, lá no Amucafre, uma roça perto daqui. Antes, comprei alguns quilos de caroço de algodão para as suas criações, e segui viagem. Sol escaldante. Paisagem adusta. Espectro da inclemente seca que se espalha por toda parte, fazendo o nosso catingueiro padecer nas suas agruras e esperanças pela chuva que não cai há nove meses. 

Como sempre, estavam na labuta diária, quando cheguei.

Lia, festiva ao me ver, vindo do seu rústico curral, onde um amontoado de cabras e poucas ovelhas esperavam pela ração do dia, já que, na “solta”, onde crepitava a galharia rala e cinérea, mais nada achavam para comer, salvo o babujar de folhas murchas entre seixos e gravetos. Terezinha, mais esquiva, chegou pouco mais tarde, vindo lá dos fundos da casa, ou do Rio, pouco abaixo, de cuja água lodosa e poluída gente e bichos se servem.

— Bom-dia, Sêo Jé — saudou-me com a sua dislalia, distúrbio na pronúnica de certas palavras, achegando-se onde estávamos.
— Bom-dia, Tê! — respondi.  Que seca é essa, heim?
— Pru  Xinhô vê! — Cuma vai Dona Ivone os mininos? — indagou cordial.
— Vão bem. Vim aqui matar a saudade.
— Tá sumido mermo — reclamou Lia, em tom familiar. — Se fosse sal!…
— Não se comia mais — completei. — É que tenho viajado nos finais de semana. Só por isso, pois o bem querer continua, não é?
— Craro qui é! Nóis sabe disso. Tô falano pru falá – sentenciou.
— Vim agora para aproveitar um tempinho de sobra. Mas, não vou demorar.
— Tá cedo ainda — ponderou Lia, no seu jeito franco de ser.
— Há muitos anos não vejo uma seca igual a essa, Lia!
— Tá medonha mermo! Acabano com tudo.
— Por onde tenho passado só se vê sinais da fome e da sede. Um sofrimento geral.
— E eu num sei disso! Na feira, é só o qui o povo lastima!
— Ainda tá tendo palma, Lia?
— Cabou tudo. Agora só tenho deiz carroça qui Cristóvão me deu.
— Bom amigo ele. Sempre ajuda vocês, não é?
— Ajuda dimais. Cum esse caroço qui o Sinhô trouxe e essas parma, vou dá venção nessa seca, si Deus quizé!
— E os imbuzeiro, Lia? Nem a chuva dos imbus teve este ano!
— Pru Sinhô vê, mermo assim tá tudo fulorado. Dá gosto oiá.
— Não diga! Mesmo com essa seca?
— Pois é. E se chuvê logo vai dá muito — concluiu cheia de fé.
— E o caminho de São Tiago, tá cheio ou vazio, Lia?
— Tá chei — respondeu convicta.  O caminho de São Tiago é uma pequena constelação, ao norte, com uma nebulosidade entre as estrelas. Se tiver menos espessa é sinal de pouca chuva. Porém, mais viva, o que ela chama de cheia, é sinal de que irá chover muito. Confesso, porém, que não consigo enxergar nada disso, por mais que me esforce.

Pouco depois, despedi-me e vim embora. No trajeto, fiquei pensando na resistência do imbuzeiro. Sabe sobreviver apesar de tudo. Quando tudo parece sem jeito, quando não há qualquer sinal de vida ao seu redor, floresce naquele sinistro cenário, para frutificar e encher de alegria a combalida caatinga.

Assim, as esperanças se renovam com essas lições da Natureza!  

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 745