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Lugar no carro

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 E eles foram brigando o caminho inteiro:

“Ela está sentada perto da janela outra vez e eu tenho que vir aqui de onde não dar para ver nada.”

A mãe já usara todos os seus argumentos: que ontem ele fora ali sentado, que na volta ficaria naquela janela, que a irmã era mais nova e chorava por qualquer coisa. Falou tudo, de tudo até que resolveu tomar uma atitude extrema:

 “Ao chegar lá em casa nós iremos decidir essa história de lugar no carro, à mesa e em todo e qualquer lugar de uma vez por todas.”

Ela falou sem gritar, sem alterar o tom da voz, mas foi de um jeito tão sério, mas tão sério que todos se calaram de uma vez.

E, assim, silentes e preocupados, os três pequenos foram o resto do caminho.

Você sabe muito bem o que é ter uma mãe brava e decidida. Daquelas que, quando diz que vem aí uma surpresa, podem-se esperar as maiores maravilhas, que elas realmente virão, agora, quando promete um castigo, pode ter certeza de que ele será também caprichado.

Esse era o tipo da mãe em questão e os menininhos encrenqueiros sabiam disso.

Ao chegarem a casa, ela nem deu tempo para que os três coelhinhos encontrassem suas tocas.

“Os três aqui, agora.”

Chegaram quietos e calados.

“Vamos definir aqui o lugar de cada um no carro.”

O reclamão da vez foi logo falando:

“Eu quero sentar perto da janela.”

A mãe lançou em sua direção um olhar fulminante:

“Nesse instante o senhor não tem qualquer direito de escolha. Tudo aqui será por mim decidido e ninguém vai ter direito a reclamação.”

Ele murchou e a mãe continuou:

“Faremos um sorteio, do pior para o melhor lugar e, quando terminarmos, o lugar sorteado será do seu dono para sempre. Nunca mais teremos brigas por esse motivo, pois cada um terá seu lugar definido. Todos entenderam?”

Eles concordaram.

O sorteio foi feito.

Quem ganhou de presente a janela comemorou, quem recebeu o meio chorou.

E foi em meio ao riso contido e às lágrimas escancaradas que ouviram:

“A partir desse momento, o assunto “lugar no carro” está absolutamente proibido aqui – falou ela enquanto anotava em um papel onde deveria se instalar cada um – se vocês fossem um pouco mais civilizados, poderiam fazer um rodízio dos lugares e todos ficariam felizes, mas, como não são, a partir de agora, terão suas bundas ali grudadas para sempre.”

E foi esse decreto que selou o motivo para as maiores brigas e alegrias naquela família.

Ninguém nunca mais tocou no assunto “lugar no carro” , mas, por outro lado implicância, pirraça e aporrinhação passaram a ser o assunto preferido dentro do carro e fora dele.

Hoje, mais de 20 anos depois daquele dia, é gargalhando que eles lembram do medo que sentiram ao ouvir: “agora terão suas bundas grudadas ali para sempre”.

É certo que bunda alguma foi grudada, mas cada um deles, ainda hoje, quando podem escolher o lugar onde se sentar, inconscientemente, procuram o lugar, onde na infância um dia foram grudados, lamentando sempre não poderem voltar no tempo e sentarem-se todos juntos no carro da mãe.

Lamentando:

Sim!

Afinal, tudo passa e as pequenas coisas, as mais irritantes, deixam saudades.

Sempre!

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